… através da memória do capitão Vicente José da Silva (n. em Viana do Castelo, em 1886), no livro A guerra de 14 – Memórias de um combatente (Lisboa: 1993), num percurso que poderá ser pela poética das ruínas (usando a expressão de Roland Mortier):
“Não vou aqui fazer a descrição detalhada do que foi a batalha de La Lys, desencadeada no dia 9 de Abril; porque, além de ser um assunto por demais batido e debatido, não está na índole desta obra. A guerra é um episódio da minha vida como qualquer outro. Se faço referência a ela, é porque me toca de perto, e para mostrar a influência desastrosa que teve em todo o resto da minha vida. (…)
Seriam quatro horas da manhã quando um bombardeamento de extraordinária violência começou a atroar os ares ininterruptamente, por toda a parte, com inaudito fragor. Fácil foi adivinhar que tinha chegado o dia da tão receada ofensiva alemã. Desde logo sem comunicação de parte alguma, passam-se intermináveis momentos de incerteza dolorosa e de expectativa, numa desorientação que as trevas da noite mais complicavam. Anseia-se pelo dia, pela luz, como se esta tivesse o condão mágico de acalmar a tempestade e trazer a paz e a tranquilidade aos corações… Rompe o dia finalmente. Mas, ai!, este só serve para nos revelar toda a grandeza da tragédia. Ó espectáculo horrivelmente grandioso! Um ciclone de ferro e fogo varre impiedosamente tudo e fustiga a torto e a direito com espasmos de metralha em demoníaca bacanal. A povoação apresenta agora um aspecto profundamente desolador. Há casas desmanteladas, árvores desarreigadas ou cruelmente mutiladas, o solo milhares de vezes revolvido, cadáveres por toda a parte. Nem a fúria devastadora dos elementos desencadeados da Natureza conseguem igualar em magnitude e destruição o belo horrível deste cataclismo de fábrica humana e… desumana.Ao troar contínuo das explosões vem juntar-se o gemido dos moribundos em uníssono, fantástico estertor… Enfim, ao cabo de algumas horas deste banquete abominável, verdadeiramente infernal, tudo está desorganizado ou reduzido a pó. Não há comunicação; as ordenações encarregadas de qualquer missão partem, mas não voltam; as linhas telefónicas estão interrompidas; cada um sabe de si, ou nem isso, mas ninguém sabe absolutamente nada do que se passa nas zonas de vizinhança. Sente-se apenas que uma espécie de sismo formidável convulsiona a terra, ou que um monstro de forma estranha, besta apocalíptica de proporções gigantescas, assola toda a região, onde a Parca infatigável domina soberanamente. (…)”
“Não vou aqui fazer a descrição detalhada do que foi a batalha de La Lys, desencadeada no dia 9 de Abril; porque, além de ser um assunto por demais batido e debatido, não está na índole desta obra. A guerra é um episódio da minha vida como qualquer outro. Se faço referência a ela, é porque me toca de perto, e para mostrar a influência desastrosa que teve em todo o resto da minha vida. (…)
Seriam quatro horas da manhã quando um bombardeamento de extraordinária violência começou a atroar os ares ininterruptamente, por toda a parte, com inaudito fragor. Fácil foi adivinhar que tinha chegado o dia da tão receada ofensiva alemã. Desde logo sem comunicação de parte alguma, passam-se intermináveis momentos de incerteza dolorosa e de expectativa, numa desorientação que as trevas da noite mais complicavam. Anseia-se pelo dia, pela luz, como se esta tivesse o condão mágico de acalmar a tempestade e trazer a paz e a tranquilidade aos corações… Rompe o dia finalmente. Mas, ai!, este só serve para nos revelar toda a grandeza da tragédia. Ó espectáculo horrivelmente grandioso! Um ciclone de ferro e fogo varre impiedosamente tudo e fustiga a torto e a direito com espasmos de metralha em demoníaca bacanal. A povoação apresenta agora um aspecto profundamente desolador. Há casas desmanteladas, árvores desarreigadas ou cruelmente mutiladas, o solo milhares de vezes revolvido, cadáveres por toda a parte. Nem a fúria devastadora dos elementos desencadeados da Natureza conseguem igualar em magnitude e destruição o belo horrível deste cataclismo de fábrica humana e… desumana.Ao troar contínuo das explosões vem juntar-se o gemido dos moribundos em uníssono, fantástico estertor… Enfim, ao cabo de algumas horas deste banquete abominável, verdadeiramente infernal, tudo está desorganizado ou reduzido a pó. Não há comunicação; as ordenações encarregadas de qualquer missão partem, mas não voltam; as linhas telefónicas estão interrompidas; cada um sabe de si, ou nem isso, mas ninguém sabe absolutamente nada do que se passa nas zonas de vizinhança. Sente-se apenas que uma espécie de sismo formidável convulsiona a terra, ou que um monstro de forma estranha, besta apocalíptica de proporções gigantescas, assola toda a região, onde a Parca infatigável domina soberanamente. (…)”
Sem comentários:
Enviar um comentário