terça-feira, 30 de outubro de 2007

O Conselho das Escolas e o ranking

A direcção do Conselho das Escolas divulgou um comunicado sobre listas de estabelecimentos de ensino baseadas em resultados de exames, que se reproduz.
A recente divulgação de listas ordenadas (“rankings”) de estabelecimentos de ensino, a partir dos dados dos resultados dos exames nacionais de 2007, veio, uma vez mais, traçar um quadro subjectivo e incompleto da qualidade de trabalho concretizado por muitas escolas públicas.
Essas várias ordenações, baseadas em métodos e critérios diferentes, comparam entidades não equivalentes, colocando em paralelo dimensões díspares e incomparáveis.
Não têm em conta a desigual proveniência sociocultural dos alunos, as diferentes condições de acesso a bens culturais, as estruturas familiares, a heterogeneidade dos ambientes sociais, nem a diversidade e a adequação das ofertas educativas, em resposta às necessidades locais e ao combate às saídas precoces ou ao abandono do sistema de educação, ignorando todas as boas práticas que as escolas públicas vêm desenvolvendo, local e regionalmente, muitas vezes em contextos adversos.
Para além disso, tratam-se da mesma forma estabelecimentos de ensino com poucas provas ou com centenas de provas realizadas (alguns não chegam a atingir o número equivalente ao de uma turma de vinte e quatro alunos).
O que não se vislumbra, a partir destas tabelas, é a selecção de alunos muitas vezes realizada à partida, com base em estratos sociais, nem o acesso a um mercado de educação que tende a acentuar a desigualdade por via dos recursos económicos das famílias.
Há escolas públicas que, apesar de trabalharem em ambientes sociais e culturais heterogéneos ou mesmo adversos, e de não praticarem uma política agressiva de selecção de alunos, com a preocupação exclusiva da obtenção de bons resultados em exame, surgem bem situadas nestas ordenações.
Assim, a direcção do Conselho das Escolas considera que os resultados dos exames nacionais constituem, apenas, um indicador entre outros que não permite, por si só, aferir a qualidade das escolas.
Em conclusão, esta direcção sublinha o bom trabalho e o esforço que os estabelecimentos de ensino públicos, na sua grande maioria, realizam, não obstante as condicionantes com que se confrontam, na preocupação de gerar oportunidades de igualdade a todos, sem discriminação baseada em factores de ordem social, económica, cultural e/ou étnicos, contribuindo para a mobilidade social da população.
Finalmente, a direcção do Conselho das Escolas subscreve as iniciativas que conduzam a uma avaliação rigorosa dos estabelecimentos de ensino que tenham em conta os contextos em que se inserem e as respostas que encontram para elevar o nível escolar das crianças, jovens e dos adultos das respectivas comunidades.
A Direcção do Conselho das Escolas (Álvaro Almeida dos Santos, João Paulo Mineiro, Maria Teodolinda Silveira)

Minudências (15)

Rankings para que vos quero...
No Público de hoje: «A ministra da Educação afirmou que os rankings não são da responsabilidade do seu ministério, mas sim dos órgãos de comunicação social que consideram que esse trabalho é útil. "O ranking não é a forma correcta de avaliar as escolas, que são realidades muito mais complexas e exigentes do que a média das disciplinas", considerou. Segundo a ministra, os rankings são feitos a partir do Programa de Avaliação Externa das Escolas, que é um documento público. "A nossa responsabilidade no ranking é nenhuma", frisou.»
De facto, a “rankinguização” tem sido um processo em tudo semelhante àquelas febres noticiosas com data marcada, numa busca de repetidos acontecimentos, de análises iterativas e de luta que inferioriza a escola pública. Alguns peregrinos têm insistentemente dado a cara por essa onda do ranking, só eles sabendo o que os move… e pretendendo fazer passar a ideia de que o ranking que surge nesta altura do ano deveria ser factor a considerar na escolha da escola para os jovens. O que está aqui em jogo?
Fez bem a Ministra da Educação em explicar esta questão do ranking. Mas a verdade é que, nos anos anteriores, o Ministério não se tem pronunciado nestes termos, descolando-se dos rankings. E podia tê-lo feito. Mesmo para bem do ambiente nas escolas!...

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 69
Faltas – O novo “Estatuto do Aluno” do ensino básico e secundário anda envolvido em celeuma: a questão das faltas dos alunos, porque será intenção política levar a inclusão até ao ponto de não diferenciar as faltas justificadas das injustificadas. Os alunos poderão assim não se preocupar com as faltas porque uma milagrosa “prova de recuperação” acontecerá para repor a normalidade da sua situação e o aluno poder prosseguir os seus estudos. Em tempos em que se deveria fomentar o trabalho como um dos valores a preservar, em tempos em que as faltas ao trabalho são olhadas como acontecimento a reprovar, em tempos em que as faltas dos professores foram tão acintosamente invocadas para a mudança de paradigma na Escola… não deixa de ser curioso que se neutralizem os efeitos das faltas dos alunos através de uma medida que, burocraticamente, instituirá o fim do absentismo, do abandono e, provavelmente, do insucesso. O pior é que esta imagem da “desculpabilização” das faltas não encontra paralelo no mundo real e a Escola poderá, então, ajudar à cultura da desresponsabilização, que, como se sabe, está em risco de não ter futuro.
Referendo – Bem podem os jornalistas andar atrás da ideia de “tabu” quanto ao adiamento de resposta por parte do Primeiro-Ministro para a eventualidade de o Tratado europeu vir a ser aprovado pelo Parlamento ou referendado. Ambas as formas são legais, a gente sabe. Mas não são a mesma coisa. A única característica que lhes é comum é o facto de surgirem num regime democrático; quanto ao resto, num lado, funciona a lógica partidocrática e, no outro, vive a participação dos cidadãos. Ora, sendo estes últimos quem vai suportar e aguentar o Tratado; constituindo tal documento um normativo para os países que integram a União Europeia; devendo os cidadãos europeus estar próximos da estrutura que (também) os gere; sendo necessário que a Europa não seja apenas um mito, mas uma prática quotidiana… lógico seria que a política trabalhasse no sentido de divulgar e esclarecer o Tratado, partilhando-o com os cidadãos, mesmo no plano da sua aprovação. Não acontecer isto será o mesmo que pôr os cidadãos fora dos corredores europeus, mesmo que continue a retórica que sustenta o direito de os eleitos falarem em nome de quem os elegeu (que, por vezes, são em quantidade pouco convincente).
Globalização – A ideia da globalização tem-se imiscuído muito nos discursos e serve de razão para todas as decisões. Talvez um dia nos arrependamos de deixar que ela vingue, porque isso significa que bocados de nós se vão perdendo, irremediavelmente esquecendo, numa viagem de não-regresso. Foi no livro A Ideia de Europa (2005) que George Steiner deixou expressa a ideia: “Não é a censura política que mata: é o despotismo do mercado de massas e as recompensas do estrelato comercializado”. Uma das marcas da Europa é a humanista. E, olhando o panorama, essa marca tem andado a girar para outro ponto cardeal, sujeitando-se à globalização sem limites. Não se pode ser ingénuo para afirmar o provincianismo contra a globalização, mas também se não pode ser ingénuo para adoptar o mito da globalização como razão para a vida.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Minudências (14)

Visitas de estudo na Escola são novidade?
Há dias, uma colega professora andava na Sala de Professores a abordar outros colegas no sentido de obter alguns interessados em acompanhar várias turmas numa saída para visita a uma exposição, com objectivos enquadrados na leccionação. Com algum custo, lá conseguiu o número de docentes necessários para acompanhar as turmas envolvidas. Ao presenciar esta tarefa de “recrutamento”, ainda que através de convite ou de pedido, de professores para acompanhar uma visita de estudo, lembrei-me do que outro colega me dissera há uns tempos: “Eu promover uma visita de estudo?! Não, senhor. A propósito das matérias, digo aos alunos o que há para ver aqui ou ali e recomendo-lhes que convençam os pais a partirem nessa descoberta. Agora, eu… ir acompanhar os alunos no exterior, preparar essa saída, ter de deixar planos de aula para os meus alunos de outras turmas que cá ficam e, nalguns casos, ter de compensar as aulas… Não!”
As duas situações brevemente apresentadas são reais e poderão ter lugar em muitas escolas. Foi o que se arranjou depois de ter sido passada a ideia de que os professores eram seres para estarem dentro das escolas, com normativos e ditos a preceito.
Sempre organizei e participei em visitas de estudo, mas as condições que têm sido impostas desmotivam a sua organização. Tenho experiências interessantes nas visitas, mesmo porque já me confrontei várias vezes com alunos que, a não serem aquelas saídas, só conheciam o caminho de casa para a escola e vice-versa, nem conhecendo a cidade que fica a pouco mais de 30 quilómetros. Tem-se procurado assim levar os alunos aos museus, à paisagem, ao mundo que se estuda. Mas as dificuldades mostram-se, não por parte de cada escola, mas por parte das normas que superiormente vão chegando. Daí que compreenda muito bem o que subjaz a cada uma das posições que comecei por relatar.
Mas… parece que tudo vai ficar resolvido. No início da tarde, a edição na net do Público, anunciava que o “Governo quer estimular visitas de estudo a espaços culturais próximos das escolas”, tal como defendeu a Ministra da Educação na abertura da Conferência Nacional de Educação Artística. Segundo a Ministra, as visitas de estudo a museus e espaços culturais próximos "é uma prática que muitas escolas já adoptaram” e que “importa generalizar". E continua a notícia: «A ministra da Educação entende que essa é uma prática que depende sobretudo da organização da escola. "O Governo pode apontar esse objectivo ou essa meta e dar as condições para que se atinjam, mas temos de respeitar a autonomia das escolas na organização das suas actividades pedagógicas é isso que faremos, ou seja, estimularemos as escolas para que cumpram esse objectivo", frisou.»
Mas… haverá aqui alguma novidade? Por vezes, fico surpreendido com algumas declarações de responsáveis por darem a entender que o mundo só começa a sua rota quando esses responsáveis chegam aos lugares. Há já literatura qb sobre as visitas de estudo, há muita prática de visitas de estudo nas escolas, há roteiros e propostas para visitas de estudo, há trabalho dos professores envolvido na organização das visitas de estudo… Então qual a novidade agora apresentada? Ou a notícia não diz ou não é nenhuma…

domingo, 28 de outubro de 2007

Em Lisboa, sob a Ponte 25 de Abril







Sobre o Tejo, sob a ponte, no sentido Alcântara-Belém

sábado, 27 de outubro de 2007

Minudências (13)

Europa
Conta o Público, na edição on line: «O primeiro-ministro, José Sócrates, afirmou hoje que as duas formas de ratificação do novo tratado da União Europeia (UE), pelo Parlamento ou por referendo, são legítimas, acrescentando que ambas estão em cima da mesa. "A ratificação pelo Parlamento é tão válida quanto a ratificação por referendo", afirmou José Sócrates aos jornalistas, no final do Fórum Novas Fronteiras, no Centro Cultural de Belém."Como não dissemos como vamos fazer, naturalmente as duas possibilidades estão em cima da mesa", disse também o primeiro-ministro, reiterando que, "depois de assinado o tratado, no dia 13 de Dezembro, o Governo tornará pública a sua opção, a sua vontade".»
Obviamente, o Primeiro-Ministro pode dizer o que pensa. Mas a questão não é a da legitimidade do Parlamento ou do referendo; a questão é a necessidade de os Portugueses, tal como os outros europeus, saberem que linhas cosem o Tratado, conhecimento que não deve ser limitado aos deputados. E, já agora, que consequências - boas ou más - podem advir da aceitação do mesmo texto normativo. E ainda e por outro lado: nem sempre a representatividade parlamentar pensa como os cidadãos, antes age como os partidos querem. E mais: interessará aos políticos europeus que os povos se aproximem desta ideia de Europa que tem andado a ser trabalhada? É também por tudo isto que o referendo faz sentido. Como deverá fazer sentido os políticos trabalharem o Tratado para dele darem o conhecimento necessário (e democrático) aos cidadãos que pagam e suportam esse mesmo Tratado.

Máximas em mínimas (8)

Acreditar
"Be careful not to believe all the nice things that are said to you in this world."
Geoffrey Chaucer, The Canterbury Tales, 1400

Minudências (12)

O futuro das faltas
Pensando bem, esta celeuma das faltas dos alunos na Escola, ao perderem a sua diferenciação entre "justificadas" e "injustificadas" e ao ganharem um efeito "inclusivo" - alguém disse, já não sei quem, a propósito desta medida, que a Escola provava assim que estava de portas abertas para receber os alunos... talvez numa alusão à parábola do filho pródigo -, pode ser o prognóstico de outros tempos. Não sei bem quando, mas talvez o pessoal que trabalha venha a ter consagrado no "Código de Trabalho" ou no "Estatuto" próprio que pode faltar sem consequências de maior, porque qualquer dia compensará (nem que seja na reforma), uma vez que a Empresa ou o Serviço pretenderão implementar uma cultura de "braços abertos" e de "inclusão" do funcionário ou do trabalhador no seio da organização.
Sou professor, mas também sou pai e encarregado de educação. Lamento que esta neutralização do não cumprimento da assiduidade - que pode descambar no laxismo e na desresponsabilização crescente do aluno relativamente à Escola - possa fazer corrente. Desgostar-me-ia que os meus alunos (e também os meus filhos) viessem (ou venham) a acreditar que esta medida reflecte a realidade do mundo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Máximas em mínimas (7)

Liberdade
"C'est la force et la liberté qui font les excellents hommes. La faiblesse et l'esclavage n'ont fait jamais que des méchants. (...) Je n'ai jamais cru que la liberté de l'homme consistât à faire ce qu'il veut, mais bien à ne jamais faire ce qu'il ne veut pas."
Rousseau, Les rêveries du promeneur solitaire, 1782

Minudências (11)

O novo "Estatuto do Aluno"
Está acelerado na forja e os alunos vão saber que há uma coisa chamada “faltas” que, com alguma habilidade, podem ser contornadas, mesmo que resultem de efeitos disciplinares. O caso do novo “Estatuto do Aluno” ainda não está terminado, mas a imprensa vai já anunciando, como acontece no Público de hoje, que “faltas injustificadas deixam de ter consequências”. Já o Jornal de Notícias de ontem abordava a questão, deixando a opinião socialista: «Os deputados do PS repetiram até à exaustão que excluir alunos não se coaduna com o princípio de escola inclusiva que defendem. Seria "remetê-los para a escola da rua", afirmou Odete João». No Público de hoje, os argumentos são repetidos: «Às denúncias públicas de que os socialistas pretendem camuflar, a ulteriori, os números do abandono e do insucesso escolar, o PS defende-se, argumentando que quer "uma escola pública inclusiva", dando nova oportunidade de aprendizagem aos alunos que queiram regressar à escola e que não os exclua "por conta, apenas, de um determinado número de faltas". Para o grupo parlamentar do PS, "o objectivo deve ser o combate ao absentismo, reagindo imediatamente à ausência do aluno da escola, cativando-o para o estudo e para o seu rápido regresso".»
Será que, na avaliação dos deputados, a escola pública não tem praticado a inclusão, não tem tentado “cativar” os alunos? Ou estar-se-á a atirar para cima da escola um mais vasto problema que exige para a sua resolução que haja mais actores responsáveis que também se saibam incluir na escola? Ou, mais uma vez, a responsabilidade será apenas dos professores?

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Minudências (10)

O "prédio Coutinho" e as pirraças ministeriais
Nem de propósito! Na edição de 17 de Outubro do bissemanário A Aurora do Lima, um ensaio, em forma de destacável, discutia o futuro do edifício "Jardim" (também conhecido como "prédio Coutinho") em Viana do Castelo, propondo que lhe fosse atribuído o estatuto de património cultural [trabalho já aqui comentado]; dois dias depois, o Ministro do Ambiente vai a Viana, visita o Parque da cidade e as obras do Programa Polis, e larga a sentença: "só por pirraça é que os moradores continuam a habitar num edifício vazio", referindo-se aos residentes no dito "prédio Coutinho" que não aceitaram as condições de negociação propostas. Aqui estamos nós na onda do "porreirismo" - depois da história do "deserto" a sul do Tejo, em que "jamais" (com pronúncia francesa) seria construído o novo aeroporto de Lisboa nessas redondezas; depois do "porreiro, pá" para firmar o acordo quanto a um Tratado europeu que, agora, muitos dizem ser incompreensível; aí está a "pirraça" de uns moradores resistentes. Que nome terão estas atitudes? Generosidade? Simpatia? Atenção? Consideração? Pura politiquice e desinteresse pelas pessoas. Na edição de hoje do mesmo bissemanário vianense, o director, Bernardo Silva Barbosa, escreve que o ministro pretendeu "pressionar" os moradores que restam no prédio e comenta que a atitude ministerial "serve apenas, como todas as declarações anteriores, para mostrar a irresponsabilidade como se pronuncia em público". E, quanto à afirmação ministerial de que o "programa Polis vai continuar, sem fim à vista, até à demolição do Coutinho", o jornalista questiona: "E quem vai pagar mais este despesismo?"

“+Museu”, entre o fogo, a história e a água

O oitavo número de +Museu, “boletim do Museu Municipal de Palmela”, abrangendo o período de Maio a Outubro de 2007, está em distribuição. Com existência desde Maio de 2003, esta publicação tem seguido de perto o património local, em abordagem que pode constituir pista para um trabalho pedagógico a propósito.
Neste oitavo número, o destaque vai para a colecção e exposição do Ferreiro Faria (1898-1972) num texto, assinado por Maria Teresa Rosendo, de apresentação e caracterização do acervo, que terá continuação na próxima edição do boletim. Entre outros assuntos tratados, merecem referência a notícia sobre uma “nova planta” do castelo de Palmela, recentemente “descoberta” no Livro de várias plantas deste Reino e de Castela [entre 1699-1743], de João Tomás Correia, que apresenta esclarecimentos quanto a funcionalidades de diversos espaços do castelo, bem como a alusão aos três bustos do concelho que lembram “notáveis” da história local [José Joaquim de Carvalho (1895-1975), Venâncio da Costa Lima (1882-1956) e José Maria dos Santos (1832-1913)]. Interessante é ainda o destacável intitulado “Arquitectura da água: fontes, chafarizes e tanques – Para o inventário do património histórico edificado do concelho de Palmela”, elaborado por Cristina Prata, que estuda os caminhos da água no concelho, com um levantamento e caracterização exaustivos do património constituído pelos três tipos de construções ligadas à distribuição e utilização da água.
Com uma apresentação cuidada, um grafismo simpático e fornecendo informação histórico-cultural importante, esta oitava saída de +Museu confirma a qualidade a que a publicação tem habituado os leitores.

Fátima: a nova igreja em revista

O número de Setembro da revista Arquitectura Ibérica (Casal de Cambra: Caleidoscópio) dedica as suas 128 páginas à Igreja da Santíssima Trindade, que foi recentemente inaugurada em Fátima. A justificação do nome atribuído a esta construção religiosa, uma história do Santuário desde 1975, a apresentação da nova igreja pelo seu arquitecto (Alexandros Tombazis) e um diálogo entre o arquitecto grego e Álvaro Siza são alguns dos capítulos que podem ser lidos nesta edição, que destaca ainda mais cinco propostas para a nova igreja da autoria de Carrilho da Graça, José Carlos Loureiro, Gonçalo Byrne, Vittorio Gregotti e Günter Pfeifer. Os textos deste número monográfico são ainda acompanhados por plantas da nova construção e por fotografias das construções do Santuário e da Igreja da Santíssima Trindade.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Máximas em mínimas (6)

Vertigens
"As vertigens não são o medo de cair. É a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor."
Milan Kundera, A insustentável leveza do ser, 1984

O "prédio Coutinho"

A última edição do bissemanário vianense A Aurora do Lima inseriu um destacável de 24 páginas intitulado “Prédio Coutinho Património Cultural”, trabalho do jornalista Óscar Mascarenhas no âmbito de um mestrado em Comunicação no ISCTE.
Recordo-me da construção do chamado “prédio Coutinho” em Viana do Castelo e de alguma discordância que se ia ouvindo pelo facto de tão alta construção se implantar junto ao rio. Como pudera acontecer? Ia haver mais prédios assim, a acompanhar a margem do Lima do lado da cidade? Porquê uma coisa tão alta no meio de um panorama em que as construções não ultrapassavam os quatro andares?
Paralelamente, via-se também aquela construção como marca de um desenvolvimento que tardava em chegar à região. Com efeito, a ideia de progresso, de modernidade, estava ligada ao crescimento dos prédios em altura, influenciados que os tempos estavam pela chegada de muita gente às cidades, que deveriam ser seguidores da política arquitectónica dos “arranha-céus”. A relação é forçada, mas não podemos esquecer que as célebres e de triste memória torres do World Trade Center nova-iorquino tiveram o seu início de construção em 1966 e foram concluídas no início dos anos 70 (em 1971, a Torre Norte e, em 1974, a Torre Sul). O “prédio Coutinho”, de 13 andares, teve projecto apresentado em 1973, ficou concluído em 1975 e recebeu os primeiros moradores no ano seguinte.

Viana do Castelo vista desde a Senhora das Areias (margem esquerda do Lima), com o "prédio Coutinho"


O público sabe que, a partir de 2000 e por força do Programa Polis para Viana, se começou a falar com insistência na demolição do “prédio Coutinho”, sendo conhecida, a partir daí, uma história de manifestações, discussões partidárias, apoios políticos, corredores de tribunais, decisões pró-demolição, decisões contra-demolição, etc. Óscar Mascarenhas, neste seu texto, conta a história dos antecedentes, desconhecida da maioria do público, relatando que já durante a sua construção a polémica se instaurou, ora porque havia diferentes leituras da legalidade do edifício (a Comissão Municipal de Arte e Arqueologia da altura chegou mesmo a alvitrar tratar-se de uma construção “com características de monumentalidade como centro de toda a urbanização existente”, enquanto organismos estatais, em 1974, oficiaram à Câmara Municipal de Viana do Castelo advertindo para a possibilidade de as obras serem suspensas por não ter sido autorizada alteração do Plano de Urbanização), ora porque houve falta de respostas esclarecedoras. Por outro lado, já em 1975 o Presidente da Comissão Administrativa de Viana pedira 70 mil contos para a demolição do edifício (sem concretização), solicitação que foi repetida em 1990 pelo Presidente da Câmara Municipal através do recurso a financiamento comunitário, também sem efeito prático.
Os milhões agora envolvidos numa eventual demolição são muitos. E muito dinheiro já terá corrido em toda esta história. Óscar Mascarenhas, baseado nas noções de uma “nova museologia”, vê o “prédio Coutinho” como “objecto metafórico”, explicando “ser de um tempo em que se viam as cidades como sede monumental de uma região, onde a cidade era observada de fora para dentro, tendo necessidade de ter referências ostentatórias, mais para elevar o ânimo e o orgulho dos seus não residentes do que propriamente destes”. O argumento é forte, mas socorre-se da comparação com o arrazoado utilizado por Mário Moutinho para a preservação das chamadas “casas tipo maison” dos emigrantes regressados a Portugal, construções habitualmente tidas por destoantes – “mas essas casas contam uma história da nossa história: contam um tempo em que portugueses, expulsos pela fome do seu país, tiveram de procurar o pão em terras estranhas. Encontraram-no e, quando regressaram, não se dispuseram a viver nas casas tradicionais, bem inseridas na paisagem – mas onde foram infelizes. E preferiram construir, de memória e com os meios ao dispor, casas semelhantes àquelas em que foram felizes”.
A concluir, Mascarenhas defende que o “prédio Coutinho” deveria ser património cultural, porque “tirar o prédio Coutinho de Viana do Castelo é apagar da história que Viana do Castelo também se quis sentir cidade como as maiores, também quis dar testemunho de prosperidade depois de dezenas de anos de cepa-torta, miséria e sobriedade e cinzentismo obrigatórios”. Assim, a demolição do “prédio Coutinho” afigura-se como um apagamento da História, cabendo-nos perguntar sobre a lógica de tal acto. O raciocínio de Mascarenhas é coerente, mas deixa o risco para o conceito poder ser alargado às “asneiras” ocorridas em termos de ordenamento territorial e de urbanismo e, aí, provavelmente, a história da asneira conteria muitos capítulos e muitas manifestações de património cultural… indesejado.
A ajudar a opinião de Óscar Mascarenhas, tenho sérias dúvidas sobre a média de intenções dos vianenses, porque não me tem parecido que a bandeira da demolição seja agarrada. Antes pelo contrário: mais desejada seria a bandeira que, com o dinheiro investido (ou a investir) nesta operação, satisfizesse outras necessidades locais e regionais. Pouco depois de ter estalado a probabilidade de demolição em 2000, ouvi, em conversa com amigos naturais e residentes na zona de Viana, argumentos semelhantes aos de Óscar Mascarenhas quanto à simbologia daquele prédio para a cidade no tempo em que foi construído.

Viana do Castelo vista desde o Shopping Estação, com o "prédio Coutinho" ao fundo

Depois, há ainda o problema das pessoas, claro. De património humano poderíamos falar, esse que frequentemente é afastado das decisões políticas. Em Abril de 2006, Fernando Coutinho, o homem que mandou construir o prédio, ao celebrar os seus 89 anos, dizia ao semanário Notícias de Viana: “Este prédio é como se fosse um filho meu. Investi aqui o dinheiro que juntei em mais de 50 anos como emigrante no Zaire. Tenho aqui o meu lar há 30 anos e é aqui que quero morrer.” O desabafo era dito numa conversa em que também era argumentado pelo entrevistado que o próprio Presidente da Câmara que pretendia a demolição já ali vivera – “na altura dizia maravilhas do prédio. Agora, quer deitá-lo abaixo porquê? Porque é que não nos deixa em paz nas nossas casas?” A força do património humano poderá nem sempre ser audível ou entendível, mas existe. E as pessoas têm de contar, porque é com elas que a História se faz! E as cidades também!

domingo, 21 de outubro de 2007

Fortuna bocagiana

Dois contributos importantes para a divulgação e leitura da obra de Bocage estão disponíveis para os interessados: o terceiro volume da sua “Obra completa” e um cd que reúne uma antologia de poemas vários.
Quanto à obra completa, é um projecto que está em publicação, inserido na colecção “Obras clássicas da literatura portuguesa – século XVIII”, apoiada pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Saíram já quatro volumes da obra bocagiana, a cargo de Caixotim Edições – o 1º, o 2º, o 7º e, agora, o 3º. Neste último, estão reunidos “apólogos ou fábulas morais, epigramas, poesia sobre mote, poesia anacreôntica, endechas, elegias e epicédios”. O projecto da obra completa de Bocage está a cargo de Daniel Pires, que, na introdução a este volume o apresenta nos seguintes termos: “revela-nos algumas personalidades tutelares na formação de Bocage: Sócrates, Ovídio, Horácio, Tasso e Parny, autor por ele particularmente imitado ou traduzido. Indicia a sua vinculação à maçonaria, sendo dois correligionários por ele homenageados: Anselmo da Cruz Sobral numa elegia e, indirectamente, Gregório Freire Carneiro em ‘Aos Felicíssimos Anos da Senhora D. Maria do Carmo’, sua mulher. Como é do domínio público, o escritor pertenceu à loja ‘Fortaleza’, na qual adoptou Lucrécio como nome simbólico. Esta sua opção não foi arbitrária: evocou um poeta latino, com uma sólida formação filosófica, cuja obra De Rerum Natura faz a apologia da Razão, combate o fanatismo religioso, constituindo, assim, uma referência recorrente dos libertinos franceses”. A propósito, o mais recente estudo sobre as ligações de Bocage à maçonaria é Bocage Maçon, de Jorge Morais [Via Occidentalis Editora, 2007].
A edição da obra completa bocagiana por Daniel Pires (em publicação desde 2004) constitui a quarta vez que foram reunidos os trabalhos do poeta sadino, depois que o fizeram Inocêncio Francisco da Silva (em 1853), Teófilo Braga (em 1875) e uma equipa coordenada por Hernâni Cidade (entre 1969 e 1973, sob o título de Opera Omnia).
O segundo contributo recente para a divulgação da obra bocagiana é o cd intitulado Perscrutando a inquietude, editado pelo Centro de Estudos Bocageanos, apresentado ontem em Setúbal. Reunindo quarenta poemas seleccionados por Daniel Pires e ditos por José Nobre (actor do TAS – Teatro Animação de Setúbal), o ouvinte pode iniciar-se ou apenas visitar algumas linhas da poesia bocagiana: a vertente lírica, o erotismo, a autobiografia, a sátira, a intervenção social. Os poemas têm acompanhamento musical de Rui Serôdio e a capa é do pintor Vasco San Payo.

Entre Estremoz e Carrara

Centro Ciência viva de Estremoz, no Convento das Maltezas
Há dias, participei numa visita de estudo com alunos de 8º ano a Estremoz, com o objectivo de visitar o Centro Ciência Viva local. Foi uma boa oportunidade para todos nos confrontarmos com a história da Terra contada através das rochas, aí incluindo a sua capacidade dinâmica. As várias sessões a que houve a oportunidade de assistir permitiram um encontro com a forma deslumbrante como o planeta se mantém, se altera e funciona. Obviamente, boa parte do resultado obtido com a visita ficou a dever-se aos monitores do Centro, que nos permitiram uma viagem a preceito nas exposições “Terra – Um planeta dinâmico” e “Evolução – Portugal antes da História”.
Uma saída de campo possibilitou o contacto com as entranhas de uma pedreira de mármores, ali mesmo nas imediações da cidade. A fama do mármore estremocense é grande, mas ficou a saber-se que uma parte dele contribui para a importância e para o mito de outro mármore bem mais conhecido – o italiano de Carrara, rocha preciosa para a arquitectura, com provas dadas em esculturas que, hoje, são obras-primas do património mundial. Pois bem: parte significativa do mármore de Estremoz é hoje exportada para Itália, onde é esculpido e vendido como sendo de Carrara!

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Minudências (9)

Porreiro!
No final de conferência de imprensa sobre o acordo europeu quanto ao Tratado, ocorrida em Lisboa, o Primeiro-Ministro português não escondeu a sua satisfação, captada pelos microfones, concluindo a despedida com um "porreiro, pá", que, supostamente, não era para ser ouvido em público, muito menos difundido.
Mas saudemos esta tirada comunicativa do Primeiro-Ministro pelo que ela revela de genuinidade, de satisfação e de prazer. E ainda por uma outra razão: desta forma, o Primeiro-Ministro provou ao país que sente e fala como qualquer outro português comum e que, afinal, tem um quadro alargado de referências, que vai muito além da "globalização", da "tecnologia", do "combate", da "competitividade", da "competência", da "excelência" e da "ambição" que caracterizam os seus discursos, sempre servidos com a mesma grelha e com as mesmas entradas, ainda que abordando assuntos diferentes. Porreiro, pá!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Máximas em mínimas (5)

Palavra poética
"O que existe de sagrado na palavra poética não é propriamente a sua existência mas o facto de que cada palavra, poema ou fragmento material do teu paraíso contém todas as verdades e todas as obsessões do homem e contém-nas sem deixar de encorporar, igualmente, mas ainda seremos capazes de a ouvir?, a fonte da utopia, a restauração do silêncio."
Casimiro de Brito, "Do mistério fruto da matéria", in Colóquio-Letras (82), Nov.1984

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Face da terra (3)


Algar Seco (Lagoa)

Minudências (8)

Depois da vitória
Enquanto conduzia, ouvi na rádio um dirigente desportivo madeirense congratular-se por causa de os dois marcadores da Selecção Nacional de futebol no jogo de hoje com o Cazaquistão terem ligações ao futebol da ilha - Cristiano Ronaldo e Makukula -, comentando o entrevistado (cujos nome e cargo não apanhei) que também por esta razão - a dos marcadores e o futebol - a Madeira devia "ficar no mapa".
Esta intenção que toda a gente tem de pôr a sua terra ou os seus feitos no mapa pode ser uma ânsia legítima, é verdade. Gostei muito da Madeira quando a visitei, apreciei muito os madeirenses, fiquei encantado e... pu-la no "meu" mapa dos gostos. Quanto ao outro mapa, o da visibilidade que lhe tem que ser dada... não há como ser o Presidente do Governo Regional a jogar para a frente, tão (mal) habituados andamos todos que a Madeira só é notícia quando Alberto João Jardim fala!...

Máximas em mínimas (4)

Mar
"O mar. Era tudo o que havia diante deles naquele momento, o mar. O mar assusta as pessoas e atrai-as. É tão grande e tão profundo que lhes promete o desconhecido. E é exactamente isso que assusta as pessoas e que as atrai ao mesmo tempo: o desconhecido."
Álvaro Magalhães, O olhar do dragão (col. "Triângulo Jota", 1989)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

O "Correio da Educação" não deve acabar

O Correio da Educação, que apareceu pela mão da ASA como sendo o “semanário dos professores”, surgiu com a sua primeira edição em 26 de Abril de 1999 e ganhou público e adeptos. Como assinante, como leitor em biblioteca, consultando a net… sempre o Correio da Educação tem sido um parceiro na área da educação e na escola, às vezes para saber notícias, outras para ler comentários a preceito, outras ainda para se poder navegar e mais outras por uma necessidade de informação.
Nesse primeiro número, no texto “A voz e as vozes dos professores”, tipo de apresentação editorial, José Matias Alves, ainda hoje director da publicação, assim prognosticava o papel do jornalzinho de quatro páginas: “Assumimos o compromisso de, semanalmente, em cada ano lectivo, chegar a casa dos professores para dizer os temas da agenda educativa, o que se passa lá por fora no mundo da educação, as circulares e a legislação que vão saindo, registar as pequenas grandes iniciativas das escolas, dar a palavra aos actores e autores que fazem as realidades, debater as grandes questões que nos preocupam, tomar o partido dos profissionais da educação que no terreno trabalham em condições, por vezes, muito adversas.” Enquanto leitor que tenho sido, creio que o compromisso assumido foi cumprido.
Foi assim com pena e surpresa que li no blogue de José Matias Alves, nos comentários ao postal "O poder dos professores", que, fruto da aquisição da editora por um grupo editorial, a publicação do Correio da Educação só está garantida até Dezembro. Veremos o que vai suceder a seguir… Mas, se acabar, é pena que se finde um projecto que tem dado um contributo elevado para o acto de se pensar a educação e a política educativa, aprensão tanto mais justificada quanto há uns tempos acabou, noutra editora que foi adquirida pelo mesmo grupo editorial, a revista Pontos nos is, também ela dedicada, no seu mais curto trajecto biográfico (de 11 meses apenas), a pensar a educação. Muito gostaria de pensar que vamos poder contar com a continuidade do Correio da Educação… por razões que são óbvias, às quais não será estranho o próprio fenómeno de respirar, como acto primordial que é para a vida.

Minudências (7)

Fel
O Jornal de Setúbal de ontem publicou entrevista com Catarino Costa, socialista com responsabilidades partidárias e vereador na oposição sadina (depois de já o ter sido no lado da governação). É uma página pouco interessante, diga-se desde já, sobretudo porque a um político (mesmo a nível local) se exige mais e dele se espera mais.
No caso da entrevista agora publicada, o que há é... puro fel, um género de ajuste de contas com companheiros de partido (conflito que tem local próprio para ser resolvido). Marcas como a auto-vitimização ("estava à espera de represálias"), o auto-elogio ("quem perdeu a Câmara de Setúbal foi a equipa de Mata Cáceres e de Teresa Almeida, no único mandato onde eu não fui vereador" ou "os medíocres sentem-se sempre incomodados com aqueles que trabalham, que são persistentes ... acredito que incomodo muitos medíocres") ou o futuro negrume ("se Teresa Almeida ganhar, talvez seja a altura de provar um pouco do fel que eu já tive que provar") não são propriamente coordenadas para as prioridades de Setúbal ou para quem as queira pensar. Lamentavelmente, Setúbal continua a perder e o rosto da política passeia-se nos desinteressantes corredores da trica e da intriga...

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 68
Este “Diário” – Em 15 de Outubro de 2004, há 3 anitos portanto, iniciei este “Diário da Auto-Estima” no Correio de Setúbal, na sequência de uma colaboração que lhe venho prestando desde o seu início. Nessa primeira edição, trouxe para temas as histórias do desaparecimento de Joana (lembram-se?), do ministro Sarmento a pedir desculpa às famílias portuguesas pelo atraso na abertura do ano lectivo (recordam-se?), da morte na corrida clandestina de “street racers” em Palmela (lembram-se?), da pergunta lançada ao público pela TVI sobre se os professores deveriam fazer ponte na segunda-feira que antecedia o feriado (recordam-se?) e sobre o fim da colaboração de Marcelo Rebelo de Sousa com a TVI (lembram-se?). Hoje, quando passam os tais 3 anitos e 252 parágrafos de notas, não me apetece fazer balanço, apenas recordar e assinalar. E registar citações de outros, que são também sobre nós.
Portugal – “Raro se presta aos Portugueses a lacónica justiça pelo bem que fizeram, mas nunca se perde o ensejo de os denegrir pelo mal que eles, à semelhança de outros – e às vezes só outros – praticaram. Porque são fracos ou mal conhecidos? Porque não têm quem os defenda? Talvez porque não sabem cuidar dos seus interesses mais profundos, e esquecem que a cultura é a forma suprema da perpetuação? Não sei.” (José Rodrigues Miguéis, É proibido apontar, 1964)
Portugueses I – “Nós, portugueses, temos apenas o fado, que se canta sempre na mesma corda, e o mar, que nos embala sempre nas mesmas ondas. Somos um povo de sentimentais, de impenitentes amorosos. Isto vem-nos do sol ardente, do luar intenso, da maresia. A vizinhança do Oceano introduziu-nos na classe dos anfíbios; e, então, engorgitados de líquido salgado, somos como o crocodilo: desassimilamos pela lágrima. (…) Em Portugal não se pensa; ama-se.” (Rocha Júnior, Revista Portuguesa, 1923)
Portugueses II – “O povo português não tem um sentido trágico da vida. Arremeda apenas o melhor que pode esse sentimento.” (Miguel Torga, Traço de união, 1955)
Cidades – “Nas pequenas terras de província toda a gente se conhece. A aldeia é familiar, vive-se em sociedade. Não se passa por ninguém que não se diga ‘bom dia!’ ou ‘Deus o salve!’ Mas, nas cidades, cada um vive como se estivesse sozinho, porque anda no meio da multidão. A distância da natureza também nos enfraquece. (…) Na cidade as ruas são de cimento, nem se vê a terra, e as casas são muito altas, emparedam-nos do sol.” (Branquinho da Fonseca, Caminhos magnéticos, 1938).

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Minudências (6)

Politicamente correcto
Ontem, depois do discurso de Luís Filipe Meneses no encerramento do congresso do PSD, um canal de televisão pediu a Vitalino Canas, observador socialista no congresso, que comentasse a intervenção do presidente social-democrata: que não tinha nada de novo, que não-sei-quê, que não-sei-que-mais... enfim, a desvalorizar. Afinal, parece que não foi assim tão inócua a intervenção de Meneses: hoje, os destaques vão para dois anúncios que fez - a construção de uma nova constituição e a extinção do Tribunal Constitucional.
Este comentário de Vitalino Canas alinha pela mesma superioridade de outros doutos e políticos comentários, a saber e porque são recentes: confrontado com os apupos numa sua visita, o Primeiro-Ministro, pelo meio de um sorriso elaborado, pretendeu escamoteá-los com uma lapidar explicação - "é a festa da democracia!" Noutra altura, quando lhe foi pedida uma opinião como resposta a Meneses, que tinha defendido que ilustres figuras socialistas (Soares, Vera Jardim, entre outros) deveriam comentar a questão das liberdades que estariam a ser diminuídas, o Primeiro-Ministro respondeu, começando com um pronto e repentino "Era o que mais faltava..."
São minudências, é claro. Mas estes segmentos de discurso podem ser o que está sob o "politicamente correcto" - um arrumar com uma penada a opinião do outro no caixote, sobretudo quando é incómoda. Quanto cenário, quanto vazio, quanto artifício, quão pouco valor argumentativo, quanto caminho aberto para que cada vez se creia menos!...

Máximas em mínimas (3)

Mar
"I have been fond of the sea all my life: how wonderful it is, yet how horrible it is. But I often think:... what if it suddenly changes its mind and didn't turn the tide? And come straight on? If it didn't stop and came on and on and on and on and on... That would be the end of it all."
L. S. Lowry, entrevista em Tynes Tee Television, 1968

sábado, 13 de outubro de 2007

Face da terra (2)



Alvarães, rio Neiva (imagens de Maio de 2006)

Máximas em mínimas (2)

Amores entre o mar e a lua
"O mar e a lua são companheiros. Andam sempre juntos. É um casal que se entende bem. Quando a lua se zanga, o mar escoicinha." [palavras de Mestre Feliciano, homem do Tejo]
Alves Redol, in Avieiros (1942)
Amores entre o mar e o céu
"A tarde estava quase-quase para bazar, com o sol, como sempre que acontece naquela hora em Luanda, a se vestir na cor do dendém maduro, a se preparar, já, para fimbar, com devagarinho, na água fresca, lá no fundo, onde o mar e o céu dão, todos os dias, seu kandandu deles."
Luciano Rocha, in No tempo da Esperança-Nova e Outras Estórias (Edições QB-Comunicação, 2007)

A Esquerda, segundo Mário Soares

Ser de Esquerda hoje, a meu ver, para um europeu, não é só ter um passado coerente, antifascista, anticolonialista, a favor dos Direitos Humanos e da igualdade entre homens e mulheres; é ser a favor de uma democracia económica e social (e não de uma ‘democracia liberal’); é lutar contra as desigualdades sociais; ser a favor de uma Europa Política e Social, capaz de ser solidária com todas as outras Regiões do Mundo onde se sofre; e a favor das grandes causas da defesa do Ambiente, dos Direitos Humanos e da igualdade de todos os seres humanos, independentemente do sexo, opção sexual, raça, religião ou condição social; é ser pelo primado da política sobre a economia, da ética, contra a mistura explosiva do negocismo e da política; é ser tolerante e aceitar o outro, como diferente de nós, partidário do multiculturalismo e da laicidade, ou seja, a favor da separação do Estado e das Igrejas; a favor de um sistema capaz de corrigir as desigualdades, de um Estado de Direito, interveniente, mormente no campo da saúde, da justiça, do ensino, do conhecimento e do aproveitamento dos melhores.
As afirmações transcritas constam no último número da revista Visão (nº 762, 11.Outubro.2007, p. 34) e constituem o pensamento de Mário Soares no respeitante à questão lançada recentemente pelo Le Nouvel Observateur “Como ser ainda de Esquerda?”. Então, “ser de Esquerda” na Europa exige um percurso com muitos predicados de um tempo histórico já passado e carece, por outro lado, de um conjunto de pensamentos ligados à nossa contemporaneidade. E temos que ser de Esquerda ou de Direita para comungar daqueles princípios (que o são apenas, porque o mundo é mais complexo do que os princípios)? O civismo e a cidadania (áreas em que assentam todos os princípios que Mário Soares invocou para a sua qualificação de Esquerda) são uma questão de Esquerda ou de Direita? A Esquerda pode ser reinventada, mas é difícil convencermo-nos de que aquilo que diz respeito aos valores humanistas, ocidentais e do nosso tempo tenha que ser o que a define, separando-a dos outros quadrantes… a não ser que se queira chamar a atenção para a necessidade de a Esquerda se actualizar (e, já agora, os outros quadrantes também)!

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Minudências (5)

Houve ou não houve "caso" na Covilhã?
Pelas notícias de hoje, ficou-se a saber o que já ia sendo anunciado como óbvio: que nada de anormal aconteceu na ida de dois agentes da polícia a um Sindicato na Covilhã, nas vésperas de uma visita do Primeiro-Ministro àquela cidade e de uma manifestação que iria ser promovida na rua. Tudo foi normal, pois, como dizem as notícias, sublinhando-se que houve consenso e espontaneidade nesse encontro dos senhores agentes com os senhores funcionários do sindicato.
Haverá quem acredite e quem não acredite. Mas porquê deixar-se arrastar o tempo, com a bola de neve a aumentar, se tudo era tão simples e normal? Porque não publicitaram os responsáveis no imediato a normalidade, o consenso e a espontaneidade do acto?
Não sei se houve exageros na forma como foi comentado o encontro ocorrido entre os agentes e o sindicato nestes dias. Mas houve, por certo, o exagero do silêncio e das explicações pouco (ou nada) nítidas dos responsáveis por esta acção até à divulgação do relatório. Mesmo porque, se tudo foi tão “normal”, como compreender que tenham de ser feitas recomendações para alteração de procedimentos no mesmo relatório? O que é/está anormal, então? Ou será que não há nada mais para discutir e fazer e que, enquanto esta discussão andou, outras coisas adormeceram? Será que a verdade se credibiliza desta forma? O que é/está anormal, então?

Máximas em mínimas (1)

Pensamento
"Não podes misturar pensamentos, só podes combiná-los. Bem vistas as coisas, isso quer dizer que tu não os podes contar. Porque contar é de facto só adicionar coisas umas às outras... Só temos um grande pensamento que tem muitos ramos - muitos e muitos e muitos ramos."
Gregory Bateson, "Pai, quanto é que tu sabes?", in Metadiálogos (Lisboa: Gradiva, 1986)

Face da terra (1)






Praia da Galé (Melides), arriba, no início do mês

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

José Gomes Ferreira lido por Sylvie Rocha

Hoje, o espaço da aula foi diferente. Na Biblioteca Municipal de Palmela, havia a oportunidade de ouvir Sylvie Rocha (n. 1970, a integrar o grupo "Artistas Unidos") ler contos de José Gomes Ferreira (1900-1985), actividade integrada no Programa de Itinerâncias para a Promoção da Leitura. Inscrevi as duas turmas, raparigas e rapazes do alto dos seus 14 anos, e lá fomos.
A primeira reacção… “a senhora já actuou na televisão, não foi?” E a actriz lá desfiou, com grande dose de simplicidade, uma pequena teia biográfica de aparecimentos em telenovelas e outras séries, mas confessando a sua predilecção pelo teatro, desabafo que pôs logo de orelha mais atenta alguns alunos que gostam de teatro.
Com muita simplicidade, relatou a sua descoberta de José Gomes Ferreira através da poesia, primeiro, e por meio das narrativas de O Mundo dos Outros (1950), depois. E leu “A Boca Enorme”, história da pequenita sardenta que, da sua simplicidade achada num dia de acaso, chegou a adulta num mundo complicado, com um final em tom de hino à liberdade pelo narrador. A miudagem gostou. E veio outra história: a do Graxa, rapazote atrevido, de vida dura, a tentar fazer do mundo a imagem que para ele passaram. O pessoal continuou a gostar. E veio a terceira história: sobre a “Brandura de Costumes”, a revelar sentimentos contraditórios do que é ser-se português, também, ou do que é ser-se humano. Aplauso unânime. Palmas e risos. E uma aluna resolveu ir conversar com Sylvie Rocha sobre teatro. E outra decidiu ir pedir um autógrafo. E muitos outros se seguiram, a pedir folhas ou a rasgá-las do caderno, para aproveitar o gesto da dedicatória e do autógrafo.
Foi um momento de leitura bem interessante, com textos bem lidos e a despertarem o interesse. “Ó professor, houve algumas palavras que não percebi bem, mas vou percebê-las melhor quando for ler o livro…”, “Leu muito bem, parece que estávamos a ver as histórias no teatro…” De facto, a expressividade e a gestualidade a acompanharem a leitura, transformando as histórias em pedaços de vida, podem fazer parte da alma de um texto. Também houve quem gostasse menos, não por a sessão não interessar, mas porque estava sentado havia muito tempo e sempre era fora da escola e, fora da escola, não é para sentar…
Valeu bem a pena ouvir esta leitura de José Gomes Ferreira. Ele mesmo, desconfio que teria ficado contente com esta interpretação, de tal forma os miúdos e os adultos saltavam vivos do meio das letras e das páginas. Conheci o José Gomes Ferreira em 1982, numa altura em que a saúde e a vista já não lhe abundavam. Quem me facilitou o contacto foi Urbano Tavares Rodrigues, então meu professor. Fui falar com o poeta por causa do livro A memória das palavras (ou o gosto de falar de mim) (1965), interessado que já andava nas escritas autobiográficas. Não se importou que gravasse a conversa. Mas a cassete não chegou para o encontro dessa tarde. A parte mais interessante foi a não gravada. Questões de autobiografia e da vida levaram-nos a falar sobre a morte. “A morte? A morte é a vida do avesso!”, disse-me ele com entusiasmo suave e num ritmo de feitura de versos. Nunca mais esqueci esta definição. E, hoje, com os meus alunos (a quem contei também esta história), a ouvir a bela leitura feita por Sylvie Rocha, deliciámo-nos a conviver com José Gomes Ferreira, um escritor recomendado em tempos em que o esquecimento parece querer reinar.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Pagelas Setubalenses (6)

A Freguesia de S. Sebastião
Data de 1553 a criação da freguesia de S. Sebastião, por “Carta de Desmembração” de D. Fernando, arcebispo de Lisboa. O seu território, abrangendo Palhais, Fontaínhas, Fumeiros e Hortas, deixava de ser tutelado por Santa Maria por razões de população e por necessidade de haver maior proximidade no atendimento feito pelos priores. S. Sebastião ficava constituída por 361 fogos, tendo o patrono uma ermida em sua honra, em espaço que hoje corresponde ao Largo Defensores da República.
A freguesia não pararia de crescer, apesar da sua topografia acidentada, quer pelo alargamento da linha de muralha, quer pela instalação de conventos (S. Domingos, Companhia de Jesus e “Grilos”), quer pela intensa actividade da salinicultura. Em 1758, o prior Pereira de Carvalho contava já, em S. Sebastião, 4458 “pessoas de Sacramentos” e 200 crianças, distribuídas por 1148 fogos, cerca de 40% da população de Setúbal. A freguesia cresceria ainda por motivos da industrialização (particularmente, as conservas), estendendo-se por bairros como Monarquina, Santos Nicolau, Carmona, Conceição, Bela Vista e Azeda.
Com 21 km² e cerca de 53 mil habitantes (40 mil eleitores), é nesta freguesia que estão localizados pontos importantes como a Casa de Bocage, o Museu do Trabalho ou o Hospital de S. Bernardo. Se, no momento da sua criação, a freguesia correspondia à paróquia de S. Sebastião, hoje, a freguesia é formada por três paróquias (S. Sebastião, S. José e Nossa Senhora da Conceição). A Junta de Freguesia, presidida por Carlos de Almeida, tem a sua sede no Largo Manuel L. Graça.
DOUTROS TEMPOS: “D. Fernando, (…) Arcebispo de Lisboa, (…) fazemos saber a todos os que esta nossa Carta de Desmembração e Separação e nova criação de igrejas matrizes virem, como El-Rei D. João o terceiro deste nome e meu Senhor, (…) zeloso de ampliar o culto divino (…) e por ter informação certa que na vila de Setúbal (…) havia muita gente e povoação e que as Igrejas Paroquiais, a que todos na dita vila eram obrigados a ir como fregueses, são somente duas (…) e querendo (…) prover a necessidade que há de haver mais freguesias, (…) ordena o seguinte: (…) há na freguesia de Santa Maria 877 fogos, manda Sua Alteza que se faça desta freguesia outra a S. Sebastião em Palhais (…). Cria Sua Alteza de novo esta freguesia na Ermida de S. Sebastião a Palhais, parte esta freguesia com a de Santa Maria pelo Postigo do Ouvidor, que está da banda do mar, e o beco que dele vem ter à rua Direita às casas de D. João de Lima; todas as casas que neste beco estão de uma banda e outra ficam a S. Sebastião e assim a rua Direita até aos muros, rua acima de uma parte e outra, e na mesma rua pela travessa de D. Filipa, à porta da vila as casas de Luís Mascarenhas, que estão sobre o muro da parte da terra ficam com S. Sebastião, com todas as mais casas daí até ao muro e assim o arrabalde de Palhais, Fontainhas, Fumeiros e as Hortas que cabiam à freguesia de Santa Maria, cabem a esta freguesia 361 fogos. (…)” - in "Carta de Criação da Freguesia de S. Sebastião" (14-03-1553, excertos)

Um pacto para a educação?

Ouvi na manhã de hoje, na Antena 1, excerto de uma entrevista do Secretário de Estado Adjunto e da Educação Jorge Pedreira defendendo a criação de um pacto para a educação entre toda a sociedade, aí incluindo escolas, professores, famílias, sindicatos, autarquias e Ministério. Mais disse que esse pacto deveria ser "implícito" e não formal, partindo um pouco da boa vontade de todos os intervenientes para assumirem o rumo e o seu papel na educação.
O que me ficou foi isto, de tal forma Jorge Pedreira insistiu nesta ideia de pacto e nos seus intervenientes. Obviamente, não sei se será possível fazer convergir tantas boas vontades. De pacto para a educação já se fala há muito tempo e sempre ele foi visto como necessário, aconselhável, mas... inexistente. Na prática, como poderemos todos partir para tão generosa ideia depois de todo o clima que tem sido criado em torno das escolas e dos professores, clima que tem sido acinzentado pelo próprio Ministério da Educação e por outros políticos? Sem querer promover juízos de valor, estaremos perante a consciência de que a educação não é uma "coisa" que se possa resolver sem parceiros? E porquê só agora esta ideia? Não deveria ela ser transversal à política educativa? Ou será esta ideia uma consequência do discurso presidencial do 5 de Outubro, um pouco para justificar que esse discurso foi um incentivo para o Governo, como , na altura, quis acentuar o Primeiro-Ministro?

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Ainda o Dia Mundial do Professor

Na edição do Correio da Educação com data de hoje, um artigo de José Matias Alves considera ser professor como “a primeira de todas as profissões”. E porquê? Transcrevo: “Porque é uma profissão vital para o desenvolvimento pessoal das gerações mais jovens. Porque é indispensável para a integração e convivência social. Porque assegura a transmissão estruturada do conhecimento e dos bens culturais. Porque assegura diariamente o acolhimento de milhões de pessoas. Porque é escuta, diálogo, dádiva, paciência, atenção, cuidado, bem-querer, construção de identidades. Porque é quase a única esperança de uma alternativa à guerra civil de todos contra todos. E também se celebra este dia porque há a nítida consciência da complexidade, da intensificação, da grande dificuldade de exercer uma profissão que se afirma muitas vezes em contextos quase impossíveis. Dada a enorme relevância pública destas funções e a extrema exigência, ser professor deve ser motivo de orgulho e satisfação. De elevada auto-estima. De apoio, incentivo e reconhecimento político e social.

Linguagem jurídica?

Vale a pena ler a crónica de António Barreto intitulada “Um naco de prosa”, saída no Público de ontem. Começa por chamar a evidência para definir o presente: “É fácil compreender as razões pelas quais chegámos aonde chegámos. E ainda por que, assim, nunca sairemos de onde estamos.” Depois, é a transcrição dos considerandos que iniciam um “Despacho Normativo” ainda não publicado em Diário da República, mas disponível no sítio da DGIDC (Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular), saído do Gabinete do Secretário de Estado da Educação, que “regulamenta o processo de reorientação do percurso formativo dos alunos, no âmbito dos cursos criados pelo Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, através dos regimes de permeabilidade e equivalência entre disciplinas”.
António Barreto considera que o preâmbulo do normativo usa “uma linguagem obscura e burocrática”. Será isso alguma novidade? No meio de tantas rectificações, alterações e revogações (parcelares ou totais) que vão surgindo, o que fica, muitas vezes, é a sensação de que existe uma criação legislativa que nem sempre vislumbra as consequências do que molda. E, depois, vem este complicar, que não faz parte do jogo do pensamento jurídico, mas sim de um certo pendor para o emaranhado do discurso, para que a lei, na sua essência, não seja tão clara quanto deveria ser, mesmo porque afasta logo qualquer bem intencionada vontade de a conhecer…

sábado, 6 de outubro de 2007

O Presidente e a Escola

No dia de ontem, quase não houve sinais de que se estivesse a celebrar o Dia Mundial do Professor. Muita gente, talvez a maioria, nem deu por isso. Não aconteceu só por cá – uma amiga de Itália enviou-me uma mensagem dizendo que por lá ninguém fez referência ao facto. Facto tanto mais estranho quanto organizações internacionais de peso foram as responsáveis por esta criação!
Em Portugal, tivemos a sorte de o Presidente da República discursar a propósito do 5 de Outubro e escolher a educação como assunto, uma acção que não aconteceu de surpresa porquanto o tema tinha já sido anunciado. Nos sítios ligados ao Ministério da Educação, nem uma palavra sobre a celebração do dia e, ao que informa o diário Público, a Ministra da Educação também não esteve presente para ouvir o discurso do Presidente. De qualquer dos modos, é fácil aceder ao texto, porque vários blogues e jornais o reproduziram e o sítio da Presidência da República será sempre uma boa fonte para o público o ir ler...
No que à educação respeitou, o Presidente da República começou por lembrar que “a Primeira República foi um período em que se destacaram notáveis pedagogos”, para, logo a seguir, referir que, “ao fim de quase um século de existência, temos de reconhecer que a República não conseguiu resolver aquela que é a principal causa do nosso atraso estrutural: as deficiências na educação das crianças e dos jovens.”
Estava dado o mote para as questões importantes do discurso, uma chamada de atenção forte para toda a sociedade e para todos os actores do processo educativo, sendo estes os cidadãos concretos e com responsabilidade acrescida – “gostaria de propor aos Portugueses um novo olhar sobre a escola, sobre um modelo escolar construído à luz da ideia de inovação social”, disse o Presidente da República, acentuando: “Não quero dirigir-me especialmente ao Governo e à Assembleia da República. Quero dirigir-me a todos os Portugueses.”
“Uma nova atitude perante a escola” foi o desafio deixado a vários intervenientes. Aos pais, Cavaco Silva questionou-os directamente: “de que modo participam na educação dos vossos filhos?” Aos autarcas, convidou-os a assumirem “maiores responsabilidades relativamente aos estabelecimentos de ensino”. Às comunidades, interpelou-as a uma participação na gestão das escolas. À sociedade em geral, pediu que desempenhe “um papel activo neste processo de inovação social” e que “a figura do professor seja prestigiada e acarinhada”. Aos professores, lembrou-lhes que “a dignidade da função docente assenta no respeito e na admiração que os professores são capazes de suscitar na comunidade educativa, junto dos colegas, dos pais e dos alunos”. Consciente das dificuldades, o Presidente da República concluiu a sua intervenção lembrando que, “com o esforço de todos, será possível realizar a ambição de uma escola melhor, em nome de uma melhor República”.
Deste discurso podem ser feitos os aproveitamentos adequados a cada situação. Não faltou o Primeiro-Ministro a dizer que este discurso era um bom incentivo para o Governo prosseguir o seu caminho; não faltaram os sindicatos a considerar que a mensagem escondia uma crítica à acção governativa; não faltou o director do Público a dizer que o Presidente deveria ter ido mais longe e dizer que cada família deveria escolher a escola pública que quisesse, com isso esquecendo a noção de comunidade que o Presidente quis exaltar!
A intervenção do Presidente da República foi pedagógica. E também foi coerente: quer com uma causa da República, quer com a actualidade, quer com a necessidade de participação responsável e democrática. Toca-nos a todos e querer ler nela apenas recados para os outros é não ter percebido que todos temos que participar no processo! [fotografia de www.presidencia.pt]

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Hoje é o Dia Mundial do Professor

1. O Dia Mundial do Professor celebra-se em 5 de Outubro desde que a UNESCO resolveu associar esta comemoração à mesma data em que, em 1966, uma conferência intergovernamental, organizada conjuntamente pela UNESCO e pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), aprovou uma “Recomendação” respeitante ao estatuto dos professores. A primeira vez que foi assinalada a data foi em 1993, em Genève, com a presença de Federico Mayor, alto responsável da UNESCO. Os professores são hoje 60 milhões em todo o mundo e a UNESCO reconhece que se trata de um grupo profissional fundamental sem o qual “não pode haver nem desenvolvimento durável, nem coesão social, nem paz”.
2. Na mensagem conjunta subscrita por várias entidades (UNESCO, OIT, PNUD, UNICEF e IE) para o Dia Mundial do Professor deste ano, a profissão é assim valorizada: “O sistema educativo deve atrair e fidelizar um pessoal docente bem formado, motivado e composto igualmente por homens e por mulheres; deve apoiar os professores nas aulas e ao longo da sua carreira. A desvalorização dos professores, a fragilidade das suas remunerações, a mediocridade das condições de ensino e aprendizagem e a falta de evolução na carreira ou de formação profissional são outras tantas causas de descontentamento que levaram muitos a abandonar a profissão, por vezes depois de poucos anos de serviço.” Mais adiante, são abordadas as políticas: “As decisões que levam a fazer face à falta de pessoal aumentando o tamanho das turmas, alargando a carga de trabalho dos professores – particularmente quando o apoio de que beneficiam é já insuficiente –, baixando o nível de entrada nas instituições de formação de professores, recrutando pessoas não ou pouco formadas ou à base de contratos que não lhes oferecem segurança no emprego, contribuem para desvalorizar ainda mais a profissão, deixando os professores fragilizados face às realidades da profissão, ou para os desmotivar.” A terminar, a mensagem acentua um desejo que é também uma esperança: “Reconhecendo o papel essencial que os professores desempenham, reafirmamos a que ponto é necessário continuar a trabalhar conjuntamente para melhor vencer os problemas e estar no caminho para que as modalidades de recrutamento, de formação e de apoio aos professores permitam dispor de um corpo docente motivado e capaz de contribuir para a realização do nosso objectivo comum: uma educação de qualidade para todos os jovens.
3. A gente lê, em muitas coisas reconhece o nosso país (felizmente, noutras não) e, ao olhar para a paisagem, fica a angústia resultante da forma como a imagem dos professores tem sido tratada nos últimos anos, sobretudo pelos políticos, numa atitude de duvidoso respeito pela profissão, numa oposição em que se confrontam governantes e sindicalistas, mas pela qual os professores, na sua quase totalidade desligados de qualquer destas esferas enquanto poder, são tabelados por baixo, aparecendo uma imagem da sua “pretensa” deficiente formação científica (relembre-se o que se passou quanto à generalização da TLEBS), da sua “pretensa” deficiente formação profissional (relembre-se que se criou a ideia de que o professor pertence a uma classe de pouco trabalho), da sua “pretensa” deficiente função social (relembre-se que os resultados do insucesso escolar foram várias vezes catapultados para a responsabilidade do professor), da sua “pretensa” deficiente qualidade (relembre-se essa ideia peregrina que persegue os defensores dos “rankings”, como se um “ranking” fosse atestado de qualidade ou da sua falta; relembre-se o cuidado burocrático das grelhas para avaliação dos docentes, como se uma aula – qualquer aula – fosse uma subserviência a uma folha de papel). E é pena que assim tenha acontecido!
4. Na última edição da revista “Única” saída no Expresso (29 de Setembro), a secção “Uma pequena grande ideia” estava a cargo de Nuno Crato, que falou sobre os professores. E o texto termina desta maneira: “Recorda [Nuno Crato] os tímidos elogios e manifestações de carinho e agradecimento dos jovens que passaram pelas suas aulas. São aqueles que já não são alunos e que passam pelo Instituto por uma razão qualquer e que batem à porta do meu gabinete para dizer um simples olá, ou outros que me cumprimentam na rua. Sabe bem.” Os alunos, eles mesmos, reconhecem o valor dos professores, mesmo que seja tardiamente. E já todos tivemos sensações como esta que Nuno Crato regista: nas cartas que nos enviaram quando saíram da escola; nas mensagens que nos dirigiram, às vezes timidamente, a agradecer as aprendizagens e os exemplos do passado; nos encontros em serviços, em empresas, na rua, com a surpresa por parte do ex-aluno e do ex-professor; nas recordações que chamam para as conversas depois de muitos anos…
5. Levado nesta onda, recordo vários dos meus professores que me levaram a ficar-lhes grato por nos termos cruzado, porque com eles aprendi a ser o que era e a ser o que sou: Maria Delfina Campos Gomes (da escola primária, em Alvarães), João Felgueiras (mestre de Latim, jesuíta, que, em finais de 1969, partiu para Timor), António Morujão, Manuel Gomes, Manuel Faria e Abílio Queirós (jesuítas, que, em Cernache, me levaram pelas veredas da Geografia, da História, da Matemática e do Português), Maria Luísa (que me iniciou na língua francesa), Joel Canhão (com quem aprendi os primeiros andamentos e leituras de música) e Álvaro Marques (do Liceu de Viana do Castelo, que nos suscitou as primeiras discussões de aprendizagem democrática). Depois, no ensino superior, vários outros se impuseram no relacionamento, no respeito e na proximidade – Mário Dionísio, Ana Mafalda Leite, José Manuel Feio, Urbano Tavares Rodrigues, Fátima Freitas Morna, Maria Lucília Gonçalves Pires, David Mourão-Ferreira e António Vilhena (todos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo depois fomentado a amizade com alguns deles, especialmente com o António Vilhena, que, posteriormente, vim encontrar na Secundária de Bocage, em Setúbal) e, finalmente, porque mais recente, Clara Rocha (da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa). Enquanto professor, tenho-me esforçado por ter um pouco de cada um deles, naquilo em que os admirei (e admiro). Todos me ajudaram a poder dizer, na peugada de Sebastião da Gama, quando acabou de ler o livro do pedagogo Radice: “vi mais agudamente a beleza e a responsabilidade de ser Professor, quis ser Professor mais que nunca” (Diário, 20 de Abril de 1949).
6. Todos os pontos anteriores são fundamentais para me entender enquanto professor, aluno que já fui (e continuo), nunca desligado da escola desde que nela entrei aos 5 anos. Todas estas ideias e memorações me perpassam neste Dia Mundial do Professor em que acho que contra o pessimismo que nos tenta engolir deve vingar o optimismo do que é o acto de educar e de ensinar. “Para ser professor, também é preciso ter as mãos purificadas. (…) O aluno acredita em nós e não deve acreditar em vão. Impõe-se-nos que mereçamos, com a nossa, a pureza dos nossos alunos; que a nossa alimente a deles, a mantenha. Sejamos a lição em pessoa – que é isso mais importante e eficaz que sermos o papel onde a lição está escrita.” Outra vez Sebastião da Gama (Diário, 30 de Março de 1949), porque sim!

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Miguel Torga na Biblioteca Nacional

Os passos da vida de Miguel Torga podem ser acompanhados em exposição que está na Biblioteca Nacional, em Lisboa, com a presença da voz e da escrita do próprio. É a “Exposição Comemorativa do Centenário do Nascimento” do escritor, que já esteve em Amarante, Famalicão e Coimbra e que irá ainda até ao Porto, Bragança e Santiago de Compostela. Em Lisboa, Torga pode ser visitado até 12 de Outubro.
Por esta exposição passam imagens, livros, manuscritos, jornais e citações do Diário, o espelho em que Torga se quis deixar reflectido para a memória, feito ele mesmo com as memórias dos dias de uma vida que decorreu entre 1907 (12 de Agosto) e 1995 (17 de Janeiro).
Nas palavras do comissário da exposição, Carlos Mendes de Sousa, reproduzidas do catálogo, esta exposição é “o trajecto delineado pela vida e pela obra de Miguel Torga, revelando-se, deste modo, a extensão e a coerência do percurso de um dos maiores escritores de língua portuguesa do século XX”. A exposição é, então, um ponto de partida, um convite para a leitura e para o conhecimento de Torga, sendo, no entanto, pena que o espaço da mostra não tenha a profundidade necessária para uma visita sem estorvo e sem esforço, dada a sua exiguidade.
Em exibição estão também documentos sobre as perseguições que a polícia política moveu a Torga, assim como um abaixo-assinado protestando contra a apreensão de um dos seus livros, pouco tempo depois de o mesmo ter acontecido com Aquilino Ribeiro, que transcrevo: “O Governo Português, ao proibir a venda do 8º volume do Diário de Miguel Torga – proibição efectivada pela polícia na ronda às livrarias em 20 de Fevereiro – perpetrou novo atentado contra a dignidade da inteligência e a liberdade de expressão. Essa prepotência, vinda a seguir à apreensão do romance Quando os lobos uivam, e instauração de processo judicial ao seu autor Aquilino Ribeiro, não pode passar indiferente à consciência nacional, por muito habituada que ela esteja a ver açaimado hora a hora, dia a dia, tudo o que seja liberdade de pensamento e de expressão. Os abaixo-assinados protestam, com toda a indignação, contra mais esse atentado e afirmam ao admirável poeta e grande escritor que é Miguel Torga a sua inteira solidariedade.” Entre os subscritores estão José Cardoso Pires, Etelvina Lopes de Almeida, Fernando Piteira Santos, Pedro da Silveira, Manuel da Fonseca, Urbano Tavares Rodrigues, Jaime Cortesão, Raul Rego, Armindo Rodrigues e Manuel Mendes. Não estando datado, percebe-se ser de 1960, dados os factos relatados – publicação do oitavo volume do Diário nesse ano e apreensão de romance de Aquilino, que acontecera em Março do ano anterior. [foto a partir do catálogo da exposição]