Recordo-me da construção do chamado “prédio Coutinho” em Viana do Castelo e de alguma discordância que se ia ouvindo pelo facto de tão alta construção se implantar junto ao rio. Como pudera acontecer? Ia haver mais prédios assim, a acompanhar a margem do Lima do lado da cidade? Porquê uma coisa tão alta no meio de um panorama em que as construções não ultrapassavam os quatro andares?
Paralelamente, via-se também aquela construção como marca de um desenvolvimento que tardava em chegar à região. Com efeito, a ideia de progresso, de modernidade, estava ligada ao crescimento dos prédios em altura, influenciados que os tempos estavam pela chegada de muita gente às cidades, que deveriam ser seguidores da política arquitectónica dos “arranha-céus”. A relação é forçada, mas não podemos esquecer que as célebres e de triste memória torres do World Trade Center nova-iorquino tiveram o seu início de construção em 1966 e foram concluídas no início dos anos 70 (em 1971, a Torre Norte e, em 1974, a Torre Sul). O “prédio Coutinho”, de 13 andares, teve projecto apresentado em 1973, ficou concluído em 1975 e recebeu os primeiros moradores no ano seguinte.
Viana do Castelo vista desde a Senhora das Areias (margem esquerda do Lima), com o "prédio Coutinho"
Os milhões agora envolvidos numa eventual demolição são muitos. E muito dinheiro já terá corrido em toda esta história. Óscar Mascarenhas, baseado nas noções de uma “nova museologia”, vê o “prédio Coutinho” como “objecto metafórico”, explicando “ser de um tempo em que se viam as cidades como sede monumental de uma região, onde a cidade era observada de fora para dentro, tendo necessidade de ter referências ostentatórias, mais para elevar o ânimo e o orgulho dos seus não residentes do que propriamente destes”. O argumento é forte, mas socorre-se da comparação com o arrazoado utilizado por Mário Moutinho para a preservação das chamadas “casas tipo maison” dos emigrantes regressados a Portugal, construções habitualmente tidas por destoantes – “mas essas casas contam uma história da nossa história: contam um tempo em que portugueses, expulsos pela fome do seu país, tiveram de procurar o pão em terras estranhas. Encontraram-no e, quando regressaram, não se dispuseram a viver nas casas tradicionais, bem inseridas na paisagem – mas onde foram infelizes. E preferiram construir, de memória e com os meios ao dispor, casas semelhantes àquelas em que foram felizes”.
A concluir, Mascarenhas defende que o “prédio Coutinho” deveria ser património cultural, porque “tirar o prédio Coutinho de Viana do Castelo é apagar da história que Viana do Castelo também se quis sentir cidade como as maiores, também quis dar testemunho de prosperidade depois de dezenas de anos de cepa-torta, miséria e sobriedade e cinzentismo obrigatórios”. Assim, a demolição do “prédio Coutinho” afigura-se como um apagamento da História, cabendo-nos perguntar sobre a lógica de tal acto. O raciocínio de Mascarenhas é coerente, mas deixa o risco para o conceito poder ser alargado às “asneiras” ocorridas em termos de ordenamento territorial e de urbanismo e, aí, provavelmente, a história da asneira conteria muitos capítulos e muitas manifestações de património cultural… indesejado.
A ajudar a opinião de Óscar Mascarenhas, tenho sérias dúvidas sobre a média de intenções dos vianenses, porque não me tem parecido que a bandeira da demolição seja agarrada. Antes pelo contrário: mais desejada seria a bandeira que, com o dinheiro investido (ou a investir) nesta operação, satisfizesse outras necessidades locais e regionais. Pouco depois de ter estalado a probabilidade de demolição em 2000, ouvi, em conversa com amigos naturais e residentes na zona de Viana, argumentos semelhantes aos de Óscar Mascarenhas quanto à simbologia daquele prédio para a cidade no tempo em que foi construído.
Viana do Castelo vista desde o Shopping Estação, com o "prédio Coutinho" ao fundo
Depois, há ainda o problema das pessoas, claro. De património humano poderíamos falar, esse que frequentemente é afastado das decisões políticas. Em Abril de 2006, Fernando Coutinho, o homem que mandou construir o prédio, ao celebrar os seus 89 anos, dizia ao semanário Notícias de Viana: “Este prédio é como se fosse um filho meu. Investi aqui o dinheiro que juntei em mais de 50 anos como emigrante no Zaire. Tenho aqui o meu lar há 30 anos e é aqui que quero morrer.” O desabafo era dito numa conversa em que também era argumentado pelo entrevistado que o próprio Presidente da Câmara que pretendia a demolição já ali vivera – “na altura dizia maravilhas do prédio. Agora, quer deitá-lo abaixo porquê? Porque é que não nos deixa em paz nas nossas casas?” A força do património humano poderá nem sempre ser audível ou entendível, mas existe. E as pessoas têm de contar, porque é com elas que a História se faz! E as cidades também!
Sem comentários:
Enviar um comentário