Nesta data, em 1875, nasceu Rainer Maria Rilke (1875-1926) em Praga. Uma das suas obras mais conhecidas é Cartas a um jovem poeta, de que reproduzo parcialmente a primeira das várias missivas dirigidas ao senhor Kappus, aprendiz de poeta, datada de 17 de Fevereiro de 1903, de Paris. Lendo-a, percebemos a razão que levou um poeta daqui da nossa região, Sebastião da Gama, a consagrar a Poesia com maiúscula, a cantar o que cantou, a tornar inseparável a arte e a sua forma de viver. Lendo-a, percebemos qual o motivo que levou o mesmo Sebastião da Gama a recomendar a leitura destas Cartas aos seus amigos, alguns deles vultos importantes da cultura portuguesa do século XX – em 9 Agosto de 1946, a partir do Portinho da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia a Lindley Cintra, seu colega, dizendo: “Tenho lido um livro admirável que deves ler – embora não lhe sigas o maior preceito: andar horas e horas por si dentro sem encontrar ninguém. É o Cartas a um Poeta, de R. M. Rilke”; em 10 de Fevereiro de 1948, em carta a David Mourão-Ferreira, aconselhava Sebastião da Gama: “Pega, David, nas Cartas a um Poeta: ele sabe muito bem que sem a solidão nada feito. Olha que a mim até me dá para ser cruel e irreverente. Chego a doer-me a mim próprio.”; em 22 de Julho desse mesmo ano, numa carta para Luís Amaro comentava: “Cartas a um Poeta é um livro admirável, de termos à cabeceira e lermos assim como um catecismo. Assim é que deviam ser os Poetas: assim sinceros e protectores e modestos.”
Não era caso para admirar esta dedicação de Sebastião da Gama a Rilke – é que o estudo da poesia também preocupava o poeta da Arrábida, que era um homem informado sobre a cultura clássica e sobre a sua contemporânea. Em Portugal, no final da década de 40 e início da seguinte do século passado, as Cartas de Rilke eram um prodígio. Só assim se compreende o anúncio que o Diário Popular fez da 2ª edição da tradução portuguesa desta obra, a cargo de Fernanda de Castro, em 22 de Fevereiro de 1950: “Escrevendo ao jovem poeta Kappus, Rilke elaborou a Arte Poética do nosso tempo”.
“Meu caro senhor:
Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação crítica. Para penetrar uma obra de arte nada, aliás, pior do que as palavras da crítica, que apenas conduzem a mal-entendidos mais ou menos felizes. (…)
Dito isto, apenas posso acrescentar que os seus versos não revelam uma maneira sua. (…) O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. (…) Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: ‘Morreria se me não fosse permitido escrever?’ (…) Aproxime-se da natureza. Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. (…) Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. (…)
Apenas me é possível dar-lhe este conselho: mergulhe em si próprio e sonde as profundidades onde a sua vida brota. Só lá encontrará a resposta à pergunta ‘Devo criar?’ Desta resposta recolha o som sem forçar o sentido. (…)
Apenas fiz questão de aconselhá-lo a evoluir segundo a sua lei, gravemente, seguramente. Não lhe seria possível perturbar mais violentamente a sua evolução do que dirigindo o seu olhar para fora, do que esperando de fora as respostas que só o seu sentimento mais íntimo, na hora mais silenciosa, poderá talvez dar-lhe. (…)
A minha dedicação e a minha simpatia. Rainer Maria Rilke”
“Meu caro senhor:
Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação crítica. Para penetrar uma obra de arte nada, aliás, pior do que as palavras da crítica, que apenas conduzem a mal-entendidos mais ou menos felizes. (…)
Dito isto, apenas posso acrescentar que os seus versos não revelam uma maneira sua. (…) O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. (…) Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: ‘Morreria se me não fosse permitido escrever?’ (…) Aproxime-se da natureza. Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. (…) Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. (…)
Apenas me é possível dar-lhe este conselho: mergulhe em si próprio e sonde as profundidades onde a sua vida brota. Só lá encontrará a resposta à pergunta ‘Devo criar?’ Desta resposta recolha o som sem forçar o sentido. (…)
Apenas fiz questão de aconselhá-lo a evoluir segundo a sua lei, gravemente, seguramente. Não lhe seria possível perturbar mais violentamente a sua evolução do que dirigindo o seu olhar para fora, do que esperando de fora as respostas que só o seu sentimento mais íntimo, na hora mais silenciosa, poderá talvez dar-lhe. (…)
A minha dedicação e a minha simpatia. Rainer Maria Rilke”
[foto a partir do livro Lettres à Lou Andreas-Salomé, de Rilke (Paris: Mille et une nuits, 2005)]
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