sábado, 31 de maio de 2008

Máximas em mínimas (28)

Livros
"Os livros são bons porque, sempre que nos sentimos sós e não temos coisas para dizer a nós mesmos, podemos falar com eles. (...) Com os livros, a gente sempre faz viagens, conhece pessoas, aprende a interrogar-se e tem oportunidade de viver e de sentir coisas que a vida lhe não deu. Outras vezes, (...) os livros entretêm a nossa fome de viver e se calhar disfarçam e adiam a obrigação que temos de procurar a vida."
António Alçada Baptista. Tia Suzana, meu amor (1989)

Intervalo (8)

O homem que nasceu com 45 anos

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Rostos (55)

Monumento à mulher da Nazaré, na Nazaré

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Luísa Todi e mais 29 portuguesas do tempo de Bocage

Assinou o primeiro contrato de trabalho, integrando o elenco dos cómicos, tinha catorze anos. Pouco tempo depois, já o seu nome – Luísa Rosa – figurava no cartaz. Entre o palco e os bastidores, apaixona-se, casa-se aos dezasseis anos de idade com um músico de quase quarenta. Aos dezanove, nasce-lhe o primeiro dos seis filhos que terá até aos vinte e nove anos; um mês depois do parto, estreia-se no Porto. Daqui passará para Espanha, actuará em Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Áustria e Rússia… Ao fim de quase vinte anos, regressa a Portugal; em plena invasão francesa, cai ao Douro, salva-se e refugia-se em Lisboa, onde morrerá cega, com oitenta anos. Eis Luísa Todi, a Euterpe do século XVIII.
Depois deste parágrafo (entre passados, presentes e futuros), que inicia o capítulo biográfico de Luísa Todi no quarto volume de Portuguesas com História, de Anabela Natário (Lisboa: Círculo de Leitores, 2008), a vida da cantora lírica setubalense surge rápida e vertiginosa, numa dezena de páginas de acção, ao sabor do ritmo que consta no parágrafo inicial, em jeito de crónica jornalística, leve e eficaz. À semelhança da escrita épica, temos a história a começar “in medias res”, no momento em que a jovem Luísa Rosa de Aguiar (seu nome de solteira) entra na carreira artística, que haveria de a catapultar para lugar cimeiro no canto e na fama. É esse percurso que aqui se acompanha, ainda que ressalte também alguma amargura e alguma dose de humanidade no retrato que de Luísa Todi é delineado.
Das restantes figuras cujo perfil biográfico é traçado, mais duas tiveram uma relação com Setúbal, ainda que não de uma forma directa. Menciono Luísa Clara de Portugal (n. 1703) e Catarina Lencastre (1749-1824). Quanto à primeira, que ficou conhecida como “Flor de Murta”, foi filha do Governador da Torre do Outão Bernardo de Vasconcelos, casou aos 16 anos com Jorge Francisco de Meneses (quase com o dobro da idade dela e senhor de vários títulos – comendador da Ordem de Cristo, de São Silvestre de Requião e de São Miguel de Alvarães) e depois foi amante de D. João V e do seu sobrinho. Relativamente a Catarina Lencastre, de Guimarães, viveu em Londres e, depois de enviuvar, dedicou-se à poesia, tendo ficado conhecida como a “Safo portuguesa” num meio artístico com o qual nem sempre teve uma relação pacífica, referindo a autora os casos de alguns “amores perdidos” como terá acontecido no relacionamento com Bocage, “mais novo dezasseis anos, com quem há-de zangar-se depois de com ele trocar mimos poéticos.”
Portuguesas com História, de Anabela Natário (n. 1960, jornalista) é obra prevista para seis volumes, tendo já saído os dedicados aos séculos X a XIII (primeiro), XIV e XV (segundo), XVI e XVII (terceiro) e XVIII (quarto). No final, cerca de 180 figuras femininas estarão retratadas pelas suas histórias para a História.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Que língua é esta, que povo é este?

Do Público de hoje: «MNE passa a usar endereços de e-mail em inglês e os diplomatas não estão contentes - Departamento informático quis uniformizar endereços de correio electrónico para evitar alterações sempre que há mudanças de país. Mas a opção "é ridícula" para alguns - A diplomacia portuguesa vai passar toda a ter um endereço electrónico em inglês. Ao nome de cada diplomata seguir-se-á a fórmula @foreignministry.pt. (...)»
Aí está. Então a gente andou a tentar aproximar a grafia do português de Portugal do português dos outros países lusófonos... para quê? Para manter a campanha "all"garvia e, agora, para os endereços dos e-mail dos diplomatas ser em inglês? Que política de defesa da língua portuguesa é esta que parece querer dar com uma das mãos para tirar com a outra? Que motivos justificam seriamente este render à globalização, quase levada até às últimas consequências, até à "torre de babel" das ferroadas na identidade de um povo, que é o falante do português? Quem tem o direito de legitimar tudo isto?
Há dias, um editor que também edita traduções a partir do inglês, dizia-me, relativamente a dadas obras, que os ingleses não permitiam que a tradução dessas obras fosse iniciada antes de ser posta à venda a edição inglesa da mesma obra. Lançamentos mundiais em várias línguas, então, nem pensar. E a gente anda por aqui, a espraiar-se na bacoquice, inventando pretextos para celebrar o inglês como língua de aproximação e de "intercontinentalização"!... Sabem que mais?

terça-feira, 27 de maio de 2008

Rostos (54)

"Belle", por Els Rijerse, em Amesterdão (junto a Oude Kerk, no Bairro Vermelho)
Na base da peça, consta a legenda "Respect sexworkers all over the world"

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Máximas em mínimas (27)

Heroísmo(s)
"Heroísmo e idealismo andam de mãos dadas, mas para se ser herói é preciso saber e querer sofrer, ter coragem, o que nem sempre é fácil."
"Nunca menosprezes a arte daqueles que se insinuam para nos fazer cair em desgraça; o demónio inventa, a cada passo, novos e desconhecidos abismos onde os incautos se lançam."
António Oliveira e Castro, A especiaria (Lisboa: Guerra e Paz, 2008)

"O prazer da leitura", da FNAC, e um conto de João Aguiar

A propósito do Dia Mundial do Livro deste ano (em 23 de Abril), a FNAC (que também celebra uma década) e a Editorial Teorema editaram um livro intitulado O prazer da leitura, constituído por uma dezena de contos de outros tantos autores portugueses (Filipa Melo, Francisco José Viegas, João Aguiar, Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes, Manuel Jorge Marmelo, Maria Teresa Horta, Mário Cláudio, Nuno Júdice e Rui Zink, por ordem alfabética).
A primeira narrativa, por ordem de página, é a de João Aguiar, intitulada “Verba volent, scripta manent” (isto é: as palavras voam, a escrita permanece). De tal forma o ritmo da história é interessante que pensei lê-lo aos meus alunos de 8º ano. E, em três turmas, a adesão foi total. Porque se passava com um jovem pouco mais velho do que eles; porque havia um aluno em cada turma com o nome da personagem principal; porque é uma história escrita em jeito de registo no diário, criando uma cumplicidade de segredo, de simpatia e de reserva entre o narrador e o leitor; porque muitos (quase todos) se conseguiram rever naquela personagem, que tinha perante a escola, a leitura e a família uma atitude em muito semelhante à dos jovens ouvintes; porque ficaram maravilhados com algumas descrições (por exemplo, a da biblioteca); porque acreditaram que é possível a transformação das pessoas; porque a salvação chegou através da natureza, da leitura e da música.
Não vou aqui apresentar a história. Apenas direi que a adesão foi tão generosa que alguns manifestaram vontade de adquirir o livro, enquanto outros (muitos!) solicitaram uma cópia daquele conto. E foi bom ouvi-los dizer: “Sinto que estou exactamente como a personagem” ou “é mesmo o retrato do que se passa comigo” ou “foi muito interessante a forma como o jovem descobriu a alternativa da leitura”.
E, já que disto se fala, como o título do conto é em latim, não o li no início, mas pedi-lhes para pensarem num título para aquela história, que depois me iriam dizer; em troca, revelar-lhes-ia depois o título dado por João Aguiar, com explicação adequada. Todos os alunos colaboraram conforme sugerido. E, de acordo com os meus gostos, a melhor proposta veio de um rapaz, que sugeriu o título de “Castigo encadernado”. Agora, some-se esta proposta com o título original e… o que sugiro? Isso mesmo: um pretexto para embarcar n’O prazer da leitura.

domingo, 25 de maio de 2008

A língua portuguesa no mundo

Sob o título "Descoordenação prejudica ensino do Português", o Público de hoje divulga a seguinte notícia: «A Associação de Professores de Português considera que um dos principais problemas do ensino da língua no mundo está relacionada com a falta de coordenação entre os ministérios responsáveis. Um estudo encomendado pelos ministérios da Educação e dos Negócios Estrangeiros ao reitor da Universidade Aberta, Carlos Reis, conclui que a influência da língua portuguesa no mundo não corresponde ao seu número de falantes, que há uma dispersão da política da língua e um fraco empenho dos sucessivos executivos portugueses na sua promoção. Na sequência destes resultados, o presidente da Associação de Professores de Português, Paulo Feytor Pinto, defendeu que há muito que esta realidade é conhecida e que "é preciso que finalmente se passe aos actos"."Já em Junho de 1998, há dez anos, tínhamos apresentado ao então Governo de António Guterres a proposta de um "livro branco", por já na altura haver várias entidades a tratar desta questão e porque, tal como agora, continuamos sem saber se há alguém que saiba tudo o que é feito nesta área", disse Paulo Feytor Pinto.O presidente da Associação de Professores de Português salientou que as políticas relacionadas com a língua portuguesa envolvem pelo menos três sectores do Governo. "O Instituto Camões, do Ministério dos Negócios Estrangeiros [por enquanto], é apenas e exclusivamente responsável pelo ensino do português no ensino superior; depois há a parte do ensino básico e secundário na tutela do Ministério da Educação e depois se reparar, agora com o acordo ortográfico, tudo foi tratado com o Ministério da Cultura", explicou, realçando que existe a intenção de o Governo passar "o ensino básico e secundário para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas não há ainda um prazo definido".
É verdade que, em número de falantes, a língua portuguesa ocupa um lugar cimeiro na difusão mundial. E a influência desta mesma língua será semelhante? É óbvio que não. Tem havido sempre uma dificuldade em encontrar a língua portuguesa como parceira de outras línguas por esse mundo fora, bastando pensar-se nos prospectos de informação ou divulgação que, no estrangeiro, se apanham em museus ou outras instituições, destinados aos visitantes, em que o português quase não surge, mas o castelhano, por exemplo, marca intensa presença. Ao que disseram, o acordo ortográfico vai contribuir para melhorar a situação. Mas vai? Aguardemos... Quantas vezes a evolução de um língua foi garantida por decreto? Será que todos os intervenientes na questão da difusão e utilização da língua portuguesa vestem a mesma camisola, apesar de a responsabilidade ser de todos?

José Paulino Pereira e o bisturi como chave da memória

Bisturi do tempo, de José Paulino Pereira (Setúbal: 2008) é título rico de sugestões, quer pela imagem médica ligada ao seu autor, quer por esse trabalho de precisão a fazer na memória para que não sejamos por ela traídos. E, depois, há ainda aquela possibilidade dupla: um bisturi que age sobre o tempo ou o tempo visto como bisturi?
Este livro recolhe textos que, na sua quase totalidade, foram já publicados e que, como regista o autor, em texto que serve como apresentação da obra, foram “inspirados em situações vividas”. A observação é importante, pois garante o pendor autobiográfico desta escrita, onde se cruzam espaços, pessoas e histórias vividas pelo narrador das evocações.
Podemos referir que este conjunto de textos constitui a geografia de José Paulino Pereira. Paradigmaticamente, a primeira narrativa intitula-se “A minha rua” e constitui a chave que permite a entrada no livro e a viagem até à infância em Torres Vedras – “foi nela que nasci, cresci e brinquei”. E é um desfiar de lembranças de amigos, de familiares, de intimidades.
O grupo de escritos dedicados a Torres Vedras tem ainda espaço para lembrar a história das Termas dos Cucos (narrativa em que descobri uma afinidade com a minha aldeia, pois houve alguém que, de Alvarães, no concelho de Viana do Castelo, pelos idos de 1932, questionou a legitimidade do testamento que fizera passar as termas para as mãos de José António Vieira), a pretensão já sentida de Torres Vedras querer ser a capital de um distrito que chegou a estar pensado para a região do Oeste, a história da medicina torriense, a ligação à Associação de Bombeiros.
Os outros pontos desta cartografia do tempo assentam em Coimbra (com histórias do tempo da formatura universitária e das visitas ali feitas depois, a propósito das reuniões de curso), Peniche (local de férias, com histórias vividas de descoberta) e Setúbal (ponto de fixação profissional nos hospitais – primeiro, da Misericórdia e, depois, de S. Bernardo –, com referências múltiplas à história local e a episódios passados com os respectivos pacientes).
Neste itinerário descontínuo e seleccionado de vida, há também lugar para identificações e preferências, aliando as sensibilidades de outros à descoberta própria, conjugando arte e saber, como surge neste exemplo que relembra uma viagem à Arrábida: “Eu não sou poeta. Não tenho esse dom, mas ninguém me impede de subir ao cimo da imponente Serra da Arrábida, imitando nessa caminhada o príncipe dos poetas setubalenses que se chamou Sebastião da Gama. Ninguém como ele conhecia os seus segredos que o convidavam à meditação.”
Quando Paulino Pereira fala de pessoas, são-lhes enaltecidos os dotes, que podem entrar para o lote de valores a preservar. Assim, surgem referências de apreço a mestres ou a figuras que foram importantes para a formação do próprio narrador por características como o trabalho em equipa, a formação humanista, a competência, a disponibilidade para os outros, a relação próxima e afectiva entre médico e doente. O humor está também presente, seja por alguns momentos relembrados e pelo cómico da situação que constituíram, seja pelo tom com que, à distância, são evocados. As qualidades das personagens e o sentido de humor conjugam-se bem nos quatro contos que constituem a última parte do livro, de tal forma que nem parece que se entra no registo da ficção, antes se continua no da memória…
Ao longo destes textos, o leitor vai ainda convivendo com a coerência do homem e do profissional, que não deixa margem para dúvidas depois de uma crónica como “Decisão na hora certa”, em que, a propósito da facilidade com que se põem em causa as práticas dos profissionais de alguns serviços, nomeadamente da saúde, Paulino Pereira relata a decisão que teve que tomar, ao levar um doente para o hospital, à sua própria custa, contra a vontade da família mas com o acordo do paciente, numa situação que poderia ser decisiva. A intervenção acabou por ter sucesso e a crónica conclui com a seguinte reflexão: “O êxito foi total. Mas, se o desfecho fosse outro, o que me teria acontecido? Os homens que me julgassem. Perante o tribunal da minha consciência ficaria absolvido.”
A escrita de Paulino Pereira neste Bisturi do tempo é simples, acessível e directa, parecendo que se está perante um contador de histórias de vida. Os retratos que ressaltam são os da disponibilidade e do prazer no exercício médico, quase nos surgindo pela frente um João Semana, distante do que Júlio Dinis nos apresentou no séc. XIX pelas mudanças operadas pelo tempo, mas próximo pela sensibilidade e pela humanidade no trato e na vida, marcas que popularizaram e notabilizaram essa personagem como médico.
[A obra, cuja chegada às livrarias (em 12 de Maio) aconteceu cerca de uma semana após o falecimento do seu autor (4 de Maio), vai ser apresentada, numa sessão que também será de homenagem a Paulino Pereira, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal, em 31 de Maio, pelas 16h00.]

sábado, 24 de maio de 2008

A "Colóquio-Letras" à distância de um clic

A Colóquio-Letras, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian, é, enquanto revista dedicada à causa literária, publicação de consulta indispensável, quer pelo leque de assuntos abordados ao longo da sua história de quase quatro décadas, quer pela lista de colaborações que lá têm deixado a sua assinatura, quer pelo contributo que, sobretudo no meio académico, tem dado à investigação. O mais recente investimento promovido pela instituição editora foi o acesso pela internet à revista (opção importante, sobretudo se pensarmos que grande parte dos números desta publicação estão esgotados), podendo o leitor chegar aos textos por temas, por autores das colaborações ou pelas edições da revista (que está digitalizada até ao número duplo 157/158, correspondente a Julho-Dezembro de 2000) no endereço http://coloquio.gulbenkian.pt/ (que já acrescentei nas "horas úteis" ali ao lado).
Surgida em 1971, após o desmembramento do título Colóquio (1959-1970), que originou, também em 1971, Colóquio-Artes (aparecendo, mais tarde, em 1988, a Colóquio-Ciências e, em 1992, a Colóquio-Educação), foi inicialmente co-dirigida por Hernâni Cidade e Jacinto do Prado Coelho (nº 1, Março de 1971, até ao nº 8, Julho de 1972). Ao longo da sua história, pelo lugar de direcção da revista passaram: Hernâni Cidade (a partir do nº 9, de Novembro de 1972), Jacinto do Prado Coelho (desde o nº 24, de Março de 1975, depois de ter sido seu director-adjunto a partir do nº 9), David Mourão-Ferreira (desde o nº 80, de Julho de 1984) e Joana Morais Varela (desde o nº 142, de Outubro de 1996, depois de ter exercido os cargos de assessora - a partir do nº 108, de Março de 1989 - e de directora-adjunta - a partir do nº 121, de Julho de 1991). Outros dois nomes a destacar são o de Luís Amaro (secretário de redacção desde o primeiro número, director-adjunto desde o nº 94, de Novembro de 1986, e consultor editorial a partir do nº 108, de Março de 1989, até ao nº 142, de Outubro de 1996) e o de Abel Barros Baptista (director-adjunto desde o nº duplo 143/144, de Janeiro de 1997).
Vários números temáticos têm sido editados, de que cito os dedicados a Guerra Junqueiro, a Ferreira de Castro, a Camilo Castelo Branco, a Antero de Quental, a António Nobre, a David Mourão-Ferreira, a Irene Lisboa, a João Cabral de Melo Neto, à literatura galega, a José Saramago, a Almeida Garrett, entre outros. A grande procura desta revista levou a que fossem já publicados dois volumes sob o título de "Cadernos da Colóquio-Letras", coordenados por Luís Amaro, compreendendo uma selecção de textos críticos sobre "Teoria da literatura e da crítica" (1982) e sobre "Modernismo e vanguarda" (1984). Em 1998, por ocasião do "Salon du Livre", foi editado, em francês, um número especial da revista sob o tema "La poésie portugaise de Fernando Pessoa à nos jours".
A última edição da revista foi o número duplo 168/169, respeitante a Julho-Dezembro de 2004, estando anunciado um próximo número dedicado a Sebastião da Gama e à sua correspondência com amigos.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Francisco Lucas Pires - o pai que Jacinto Lucas Pires escreve

Há dez anos, o país vivia a festa do início da "Expo 98" (acontecida no dia de anteontem) e a tristeza da brutalidade da notícia da morte de Francisco Lucas Pires (sucedida ontem). Na edição do Público de hoje, Jacinto Lucas Pires escreve um lindo texto sobre o pai (clicar sobre a imagem), que vale bem a pena ser lido, quer pela homenagem, quer por uma elegante escrita, quer porque pode ser um contributo para uma antologia sobre o que é e o que fica de um pai.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Rostos (53)

Monumento aos pescadores, em Vila Praia de Âncora

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Um retrato escrito do Vale do Neiva

Memórias do nosso povo – Para uma etnografia do Vale do Neiva (Barroselas: Junta de Freguesia, 2007) é obra de Manuel Delfim Pereira (1944-2002), natural de Barroselas, que reúne textos publicados em vida do autor no jornal regional que ele próprio fundou, O Vale do Neiva. Em forma de apresentação, escreve Rogério Barreto (Presidente da Junta de Freguesia de Barroselas, responsável pela edição) que não se está perante “um trabalho de investigação sobre a etnologia do Vale do Neiva”, mas em vista de “um registo de informações, conhecimentos e vivências de uma comunidade”, eivado de “uma linguagem simples, literariamente menos aparada e circunscrita ao essencial”.
Por este livro é dada ao leitor a oportunidade de ser viajante no tempo, recuando a histórias, práticas e costumes entranhados e vividos desde um tempo de que ninguém se lembra até ao tempo que corre, numa permanente visita à memória. O apego à região em que cresci e o cruzamento com relatos de que guardo retratos na memória determinaram a minha adesão a este itinerário em que o Vale do Neiva surge autêntico.
Alguns textos configuram mais a prática do conjunto de apontamentos; muitos outros vivem sobre as memórias de entrevistados, com o seu vocabulário próprio, com as marcas de linguagem regional (por vezes, local). Há notícias sobre o quotidiano, sobre as vidas – da actividade económica à vida familiar, da linguagem à religião, da festa à alimentação, da matança do porco à consoada, das brincadeiras infantis à alternativa da medicina popular, do cancioneiro às memórias, das rezas ao folclore e às crenças.
Um exemplo (entre muitos possíveis) em que a língua respira vivacidade e originalidade é no testemunho prestado por Beatriz da Silva (com 74 anos em 1984, ano do depoimento), ao descrever como era feita a “fornada”, misto de técnica, de crença, de necessidade, de saber, de arte e de engenho: “Primeiro peneira-se a farinha para dentro da masseira, deita-se nela água morna, sal e o fermento, que ficou da última fornada. Imberbe-se tudo com a rapadeira, com as mãos apezunha-se, dá-se-lhe três voltas, alivia-se a seguir a massa, para ficar estufadinha. A seguir, junta-se a massa, onde se faz uma cruz com o dedo, a um canto da masseira, é tapada com um pano e aí fica a levedar. Estando levedada a massa e o forno bem quente, limpa-se o forno com uma férrea, tiram-se as brasas com um varredoiro, limpa-se de todas as brasas e borralha. À porta do forno deixam-se ficar algumas brasas para evitar que o forno arrefeça. Estando limpo o forno, põem-se primeiro os bolos – pão baixo, que é geralmente recheado de sardinhas, chouriço ou toucinho – que se comem na primeira refeição. Para cozer os bolos não se tapa a boca do forno. Retirados os bolos cozidos, segue o pão de broa. Com a ajuda da gamela apadeja-se e sobre a pá coloca-se a broa, introduzindo-a no forno. Cada broa pesa 4 a 5 quilos. Geralmente o forno leva cerca de seis broas. Estando cheio, antes de pôr a tampa, faz-se com a pá uma cruz à boca do forno e diz-se ‘Deus te acrescente, dentro do forno e fora do forno e que deias pão para os pobres todos, ámen Jesus’. Põe-se a porta de madeira e tapa-se as frestas para que o calor não se perca (utilizava-se bosta de gado, que secava com o calor, ou, nos tempos mais recentes, massa de farinha, quando deixou de ser uso andar a apanhar a bosta para cozer a broa). A fornada leva cerca de duas horas a cozer. Depois, retira-se a porta e com o cabo da vassoira dá-se um toque em cada broa, que é para acordar o pão.” Depois, havia pão para duas semanas…
Felizmente, sobre a região do Vale do Neiva tem havido divulgação bibliográfica – por as ter à mão, refiro obras como a organizada por Cândido Maciel (Vale do Neiva – Subsídios monográficos. Durrães: 1982) e a de Manuel Moreira do Rego (Crenças, tradições e a sua evolução no Vale do Neiva. Neves: Centro Recreativo e Cultural das Neves, 2005) – a que vem agora juntar-se este livro, que, de acordo com as palavras do editor, é o primeiro volume de “um projecto de publicação de trabalhos de cariz cultural”.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Retrato de Setúbal e palavras de D. Manuel Martins

A revista “Única”, saída com o Expresso do passado fim-de-semana, dedicou treze páginas a Setúbal, sob um título curto mas nada lacónico: “Pobre Setúbal”. Lê-se e, para além de se saber que são retratos reais aqueles que ali constam, fica-se a saber que eles só poderão pecar pela exiguidade. Lê-se e, em revisão, recua-se no tempo de duas décadas e tal, em que Setúbal foi fustigada pelo mal-estar das dificuldades, com acentuado vinco na sociedade. Lê-se e recorda-se o papel que D. Manuel Martins, o primeiro bispo sadino, teve, quer na denúncia, quer na tentativa de contribuir com algumas soluções. A situação parece, no entanto, mais grave – é que, como concluem os jornalistas signatários da peça, “quem vê Setúbal vê o resto do país”. E explicam: “Claro é que Setúbal deixou de ser excepção, para padecer dos problemas que afectam o território nacional. A fome, o desemprego, a precariedade e a delinquência já não são mais graves no distrito sadino do que em outro ponto qualquer do país”.
A pretexto deste retrato, o jornal foi ouvir D. Manuel Martins (hoje no Porto), cujas palavras, mais uma vez, não são enigmáticas e dão continuidade àquele que foi o seu discurso nos tempos da actividade centrada na sua diocese de Setúbal, numa luta contra o marasmo. Que sinais são necessários? “Que a Igreja seja pobre. Gostava de uma Igreja que não condenasse, que dialogasse, que derrubasse muros, que comungasse os problemas do mundo, que ouvisse os clamores das pessoas e lhes soubesse responder. Quero uma Igreja que aprenda com o mundo e descubra uma maneira nova de estar. (…) A Igreja tem de estar num esforço permanente de reconversão. Depois, tem de sair para a rua, para o povo notar que está ao serviço do Homem. Toda esta descoberta da dignidade funda-se na democracia, que passa pela vivência e pelo testemunho de uma descoberta de valores. E estamos muito longe de qualquer coisa a que se possa chamar democracia.”
Se a voz deste homem pode ser entendida como uma reacção ao correr dos tempos, então o retrato é ainda mais negro do que se possa imaginar. Já não podemos atirar o futuro ou a mudança para o século XXII, por ser despropositado. Mas, no século XXI, que estamos a viver, o valor do Homem é cada vez menor. Como dava a entender Gedeão… o Homem Novo é cada vez mais uma réplica do Homem Velho. Talvez com tendência para piorar! E este nosso mundo será cada vez mais um espaço maior de desgosto e de insatisfação, de exploração e de pobreza. Inevitavelmente, isso reflecte-se na (nossa) vida. Inevitavelmente também, o bispo emérito de Setúbal poderá continuar a dizer, como um dia escreveu numa mensagem para a Semana da Solidariedade (in Pregões de Esperança. Setúbal: Caritas Diocesana, 1997): “Fazem chorar (e corar de vergonha) tantas situações de carências primárias que todos os dias nos batem à porta”, que todos os dias todos vemos.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Dos carrinhos de rolamentos

A turma apresentava um rendimento diferente das outras e havia que ir ao encontro de motivações que fossem propícias a conteúdos a leccionar, a trabalho em equipa, a participação na vida quotidiana da escola, a valorização dos jovens estudantes.
Na aula de Educação Tecnológica, surgiu a ideia dos carrinhos de rolamentos. E a construção começou. Com apuros nas sessões de aula, com ajudas em casa, com investimento da turma, com alegria, aplicando conhecimentos.
Hoje, foi a prova. Em pista improvisada, que aproveitou as condições físicas existentes. Equipados pela segurança. Com treinos. Com garra. Com participação. Em equipa. Com carrinhos decorados a preceito. E companheirismo. Sentiram o prazer da construção. E cumpriram as regras da aula, da segurança. E viveram a experiência de um tempo diferente, com o seu esforço e a correspondente valorização.
Ficam imagens dos bólides, em que elas e eles se lançaram na corrida das competências, em que eles e elas demonstraram que até numa prova deste tipo é necessária a solidariedade e o risco.

domingo, 18 de maio de 2008

Rostos (52)

Nossa Senhora do Bom Leite (séc. XVI), em Lorvão (Mosteiro de Santa Maria)

sábado, 17 de maio de 2008

Rómulo de Carvalho e António Gedeão em Setúbal

Foi bom o final da tarde no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal, na sessão sobre Rómulo de Carvalho e António Gedeão, promovida pelo Centro de Estudos Bocageanos.
Frederico Carvalho, filho do homenageado, traçou o retrato do poeta e do homem, inseparáveis na pessoa e inseparáveis amigos, revelou excertos das memórias deixadas pelo pai (ainda não publicadas), conjugou o espírito científico e a veia poética (tardia) de Rómulo e de António, respectivamente.
Manuel Freire leu poemas, testemunhou sobre a simplicidade e o exemplo do poeta, contou histórias e cantou. Inevitavelmente, a sessão acabou ao som da "Pedra Filosofal".
Gedeão, poeta a (re)ler. Muito.
[foto de Cília Costa: Manuel Freire e familiares de Gedeão - Natália Nunes (esposa) e Frederico de Carvalho (filho)]

Em Palmela, entre a arqueologia

Na tarde de hoje também, em Palmela, na Igreja de Santiago, no castelo. Às 17h30, iniciativa integrada nas comemorações do Dia Internacional dos Museus. Depois, um ano para ver esta exposição.

Entre António Gedeão, Rómulo de Carvalho e Manuel Freire

O Centro de Estudos Bocageanos traz António Gedeão, Rómulo de Carvalho e Manuel Freire a Setúbal. Hoje. Entre uma exposição, a inaugurar às 16 h, e poemas, música e conferência, uma hora depois.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Fumar mata?

Do Público de hoje, a propósito do cigarro do Primeiro-Ministro no voo para a Venezuela: «1.º capítulo, a admissão: "Eu, de facto, fumei com pessoas que vinham na comitiva e com o ministro da Economia [Manuel Pinho] enquanto conversávamos". 2.º capítulo, o desconhecimento: "Tinha o convencimento que se podia fumar, pois a verdade é que sempre aconteceu [fumar] nas viagens anteriores que realizámos. Portanto estava convencido que não estava a violar nenhuma lei, nem nenhum regulamento." 3.º capítulo, as desculpas: "Se por algum motivo violei alguma lei e algum regulamento, lamento. Parece que há esta polémica. Lamento, peço desculpa por isso e isso [fumar a bordo] não voltará mais a acontecer".4.º capítulo, a tomada de consciência: "Tenho agora consciência que os fumadores, inconscientemente, podem violar normas e regulamentos que aliás desconhecem".5.º capítulo, o anúncio: "E também tomei uma decisão: isto não voltará a acontecer, tenho especial responsabilidade tendo o Governo feito a lei e... estamos a falar, eu não sei se a lei se aplica, se não aplica, mas, independentemente de a lei se aplicar ou não aplicar, a verdade é que eu tenho especial responsabilidade em dar o exemplo. E por isso tomei uma decisão: não vai voltar a acontecer porque decidi deixar de fumar".»
Sim, é interessante pedir desculpa, coisa que não temos o hábito de ver nos políticos. Mas, como aprendi e a outros tenho dito... as desculpas não se pedem, evitam-se! Sim, é interessante assumir-se que se vai deixar de fumar, numa atitude radical, acreditando-se mesmo que a intenção vai ser cumprida. Mas esse é um acto pessoal sobre o qual não tenho que me pronunciar. Sim, não deixa de ser espantoso que uma viagem à Venezuela para acordos internacionais se deixe ofuscar pelo poder incendiário de um macito de tabaco! Sim, não tenho a sorte de poder defender-me perante a autoridade que me quer multar com um argumento do género: "Peço-lhe desculpa, mas nunca mais vou infringir a lei. E nunca mais, porque vou deixar de conduzir o meu carro, porque ..., porque... não vou fazer nada que tenha a ver com essa lei." Sim, há diferenças, eu sei - não assinei diplomas, não gozo direitos que me permitam ser ignorado pelas leis. E há semelhanças: também não conheço todas as leis que tenho que respeitar. Da do tabaco, estou, no entanto, livre: não fumo. Também não me importo que fumem, desde que não me obriguem a respirar o ar que poluem. Quanto às leis, não ignoro que o seu espírito deveria ter carácter de universalidade... e não deveriam deixar zonas cinzentas.

Sobre o castelo de Palmela

Uma iniciativa sobre o castelo de Palmela por quem sobre ele muito sabe, organizada pelo rotary Club local. Apesar de ser no dia 20, há limite de tempo para inscrições - até 17. Isabel Cristina Fernandes, arqueóloga e professora, defendeu tese de mestrado sobre o castelo palmelense (2001) e tem coordenado diversos projectos ligados à arqueologia, incidindo nas marcas romanas, islâmicas e medieval-cristãs. É autora de O castelo de Palmela - Do islâmico ao cristão (Lisboa: Edições Colibri / Câmara Municipal de Palmela, 2004).

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Alice Vieira com o seu público

A escritora Alice Vieira esteve hoje na minha Escola. Pretextos: o facto de a Biblioteca da Escola ter editado uma antologia de poemas de alunos, concorrentes a um prémio no Dia Mundial da Poesia no ano lectivo passado; o facto de, recentemente, ter sido publicado o livro O meu primeiro álbum de poesia, selecção de poetas portugueses feita por Alice Vieira e ilustrada por Danuta Wojciechowska (Lisboa: Dom Quixote, 2008).
A escrita de Alice Vieira entusiasma os jovens, seja pelos retratos da adolescência traçados nas histórias, a que os jovens leitores se colam, seja pela busca da identidade que esses adolescentes-personagens sempre demandam, seja pelo quadro de referências relacionais que anima as narrativas, seja pelo humor que por ali transborda. Com facilidade encontramos leitores de Alice Vieira, nem que seja de uma obra apenas, independentemente de género.
Alguns alunos leram poemas por eles mesmos produzidos; outros leram poemas da antologia apresentada. Depois, Alice Vieira falou sobre poesia, contou histórias, riu-se, aproximou-se. E, depois ainda, no contacto com a escritora, brotaram perguntas sobre as obras, revelando curiosidade simples ou demonstrando algum conhecimento dos textos por ela assinados. Saltaram referências a Rosa, minha irmã Rosa (1979), a Graças e desgraças na corte de el-rei Tadinho ou a Viagem à roda do meu nome (ambos de 1984), a Flor de mel (1986), entre outros. Mas os leitores quiseram mais: Porque decidiu optar pelo jornalismo? Qual o livro que lhe deu mais gozo a escrever? Como lhe surgiu o título X…? Onde vai buscar imaginação para todas estas histórias? Porque começou a escrever?...
No final, a sessão de autógrafos. Inevitável. Alguns, leitores já conhecidos, traziam os livros que rebuscaram lá por casa. Outros, em descoberta recente, adquiriam os livros na bancada ali ao lado. Outros ainda, sem possibilidades de chegar aos livros, aproveitavam o desdobrável de apresentação da escritora que a Biblioteca fez para lhe pedirem um autógrafo e uma dedicatória… O contacto com a escritora era merecido. Falou-se e exerceu-se a leitura de uma maneira diferente. E gostaram!
No prefácio da antologia organizada por Alice Vieira, fica a recomendação: “Lembra-te que um bom poema nunca é aborrecido, nunca é banal, nunca te deixa indiferente. Como escreveu um dia um poeta (e grande professor) português chamado Sebastião da Gama: Poesia / para quê buscar-te para além dos astros / se andas tão perto da gente?

Os recuos no tempo são sempre interessantes...

... porque nos incentivam o conhecimento. Porque atravessam a identidade. Porque visitam a inscrição. Porque cruzam a imaginação com o que não vivemos. Porque saltam no tempo (esse fazedor de histórias e de vidas). Porque...
Aí está o 150º aniversário da Escola Secundária de Bocage (antigo Liceu de Setúbal) a atravessar a História de todos nós. É sugestão. Serve como convite. É já amanhã...

De um e-mail, que recebi de pessoa amiga, transcrevo a justificação para a actividade e para o tema: «Os participantes terão a oportunidade de integrar a recriação de uma feira da época, mergulhar num ambiente de festa popular, através de várias bancas de comércio, profissões e práticas de artesanato, de diversões, e de um torneio militar quinhentista (Passado Vivo), de molde a serem transportados para um período histórico de interesse e agitada actividade que se vivia em todo o reino, e na vila, decorrente do período áureo dos Descobrimentos (D. Afonso V partira desta vila para a sua grande demanda militar no Norte de África a conquista de Alcácer Ceguer, em 1458; D. João II, procurando reforçar a centralização do poder, escolhera Setúbal para assassinar o seu cunhado conspirador – o Duque de Viseu; na mesma vila é ratificado o Tratado de Tordesilhas, em 1499, que estabeleceu a divisão do mundo entre duas grandes potências coloniais, Portugal e Espanha).»

Alteração (em 15 de Maio): De acordo com informação recebida na tarde de hoje, esta acção, devido ao mau tempo, foi adiada para 17 de Maio.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Recados da juventude via Presidência da República

Depois de o Presidente da República, em 25 de Abril, ter falado na participação e na informação dos jovens sobre a vida pública e a vida política, as opiniões sobre o assunto não têm parado. Dias depois, o Presidente anunciou uma reunião com organizações juvenis para Maio, que aconteceu ontem e de que o Público de hoje dá notícia.
No caminho, estão: um roteiro presidencial sobre a juventude, debate entre a Presidência da República e os jovens, recomendações com destinatários diversos (partidos políticos, comunicação social e Governo). Transcrevo a notícia.
«Três grupos de trabalho, 31 dirigentes de associações de juventude, várias recomendações às instituições políticas. Ontem, o Presidente da República promoveu um encontro para debater a relação dos jovens com a política. E prometeu que acatará a sugestão de um roteiro para a juventude, embora tenha ainda de o preparar "devidamente".
Quanto à proposta de "institucionalizar" os encontros como o de ontem, no Palácio de Belém, Cavaco Silva garantiu que não invocará "problemas de agenda" e que pensará em "dar continuidade" ao debate "estimulante" com "os dirigentes das principais organizações de juventude". Uma coisa é já certa: o Presidente da República vai enviar formalmente as conclusões ontem apresentadas aos "outros órgãos de soberania".
Cavaco Silva quis deixar ontem uma mensagem de "optimismo" e elogiou os representantes que recebeu por não aceitarem "a fatalidade do afastamento dos jovens" em relação à política e por terem contribuído para "agitar as águas". Se a política apostar na "credibilização" e na "transparência", "os jovens responderão positivamente", acredita.
Os trabalhos dividiram-se por três grupos, dedicados à política local, nacional e europeia/internacional, cujas conclusões foram apresentadas, respectivamente, por Décio Santos, da Federação de Associações de Juventude dos Açores, Nelson Raimundo, da Associação de Escoteiros de Portugal, e Tiago Soares, do Conselho Nacional de Juventude. Mas há muitas recomendações comuns. Reconhecer o trabalho associativo e o voluntariado e valorizar a formação cívica nos currículos escolares são algumas delas.
Ao Governo, cabe "reforçar os mecanismos de co-gestão e co-decisão" e elevar a "emancipação juvenil" ao estatuto de "objectivo estratégico da política de juventude". Habitação, emprego e educação são as três áreas de maior preocupação.
Os partidos devem "credibilizar a actividade política" e apostar em "mais e novas formas de comunicação". E as autarquias foram instadas a "potenciar o papel dos conselhos municipais de juventude" e a realizarem "orçamentos participativos" que envolvam os jovens nas decisões.
A "responsabilidade social" da comunicação social também foi realçada, pedindo-se "maior divulgação" das questões da juventude. (...)
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"Tratado de Lisboa" em Setúbal

Já que não pôde ser trazido até aos europeus antes (em nome da representatividade parlamentar), agora são as acções de divulgação e discussão sobre o Tratado (Europeu) de Lisboa. Em Setúbal, vai ser no dia 16, com inscrições até 15.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Paulino Pereira - a memória entre as memórias

Neste dia, em 1917, nasceu em Torres Vedras José Paulino Pereira, futuro médico formado em Coimbra (1946) e cirurgião em Setúbal, bem conhecido pelo seu envolvimento na medicina e na vida da cidade sadina. Há pouco mais de uma semana, em 4 de Maio, o Dr. Paulino passou a viver apenas na nossa memória, partindo à beira de fazer 91 anos, linda e legítima idade para contar a vida, para passar a experiência, para mostrar o olhar sobre o (seu) mundo. O Dr. Paulino não pôde, por essa decisão das parcas, assistir ao aparecimento do seu livro que, hoje mesmo, dia do seu aniversário, foi posto à venda em Setúbal, na Culsete, livraria que tem a seu cargo a difusão desta obra, em que o livreiro Manuel Medeiros se empenhou.
Aqui há uns anos – cinco, seis? –, o Dr. Paulino dizia-me que gostava de coligir num volume os seus escritos, uns de memórias, outros de histórias. A partir daí, quando o encontrava, perguntava-lhe pelo livro. Só o deixei de fazer agora para o fim, vendo-o a decair, sempre apoiado na garra da esposa, professora aposentada, a Dra. Auzenda.
É claro que já fui comprar o livro. Tinha que ser hoje, em gesto de quase homenagem, admito. Tinha que ser ainda hoje o início da sua leitura, para me reencontrar com aquele espírito humorístico, fino, crítico, requintado, que animava o Dr. Paulino. Quando, no dia 5, soube telefonicamente do falecimento do Dr. Paulino, uma pessoa que estava comigo e se apercebeu do teor da conversa perguntou-me, em jeito de confirmação, se este Dr. Paulino de que eu falara ao telefone era aquele que tivera consultório ali na 22 de Dezembro, que tinha estado a dirigir o Hospital de S. Bernardo e que era cirurgião… Disse-lhe que sim. E a senhora, que conhecera o Dr. Paulino em circunstâncias de recurso médico, não se conteve: “Esse senhor era um doce. Tão fino, tão pronto, tão atencioso, tão humano… Era uma doçura!”
Bisturi do tempo é, assim, o legado escrito que o Dr. Paulino Pereira deixou aos seus amigos e aos curiosos, obra que assenta também numa geografia própria, que é a do mapa das suas permanências, com entradas para Torres Vedras (cidade onde nasceu e que começa por evocar no texto “A minha rua”, numa ida até à rua dos Celeiros de Santa Maria), para Coimbra (onde estudou medicina), para Peniche (onde passou férias muitas vezes) e para Setúbal (cidade onde se fixou e que adoptou como sua ou por ela foi adoptado).
Não resisto sem transcrever o final do prefácio redigido por Jorge Abreu e Silva, médico e amigo do autor: “Esta é uma obra para gente que sente, que pensa, que sonha. É uma obra obrigatória para quem, como eu, o Paulino Pereira e tantos colegas da velha Universidade de Coimbra, aprendemos na Escola da Vida o valor da Amizade, a força da Liberdade, a intensidade do Amor, a magia da Medicina praticada com humanidade. Ler esta obra é sorrir, emocionarmo-nos e deixar à solta a nossa essência humana mais pura.”
A ler, obviamente.

domingo, 11 de maio de 2008

Rostos (51)

Na exposição sobre Hans Christian Andersen, em Palmela ( Biblioteca Municipal)

Hans Christian Andersen em Palmela

Em 1866, Hans Christian Andersen esteve em Portugal, tendo vivido cerca de um mês em Setúbal, ponto a partir do qual calcorreou a região, designadamente Palmela. Desta estadia ficou relato na obra Uma visita a Portugal em 1866. Desde ontem e até 28 de Junho, a memória de Andersen revisita Palmela com uma exposição que já passou por vários pontos do país e com a qual Niels Fischer (dinamarquês residente em Portugal, militar aposentado) tem pretendido, por sua conta e risco, desde 2005, assinalar o 2º centenário do nascimento de Andersen e divulgar a sua obra.
Esta exposição, a fechar o ciclo evocativo, em que o visitante é recebido por um Andersen articulado, conta com os desenhos de vários artistas plásticos que ilustraram uma edição de contos andersenianos editados por Fischer, peças de cerâmica alusivas aos contos, mostra de reproduções dos famosos recortes de papel de Andersen e trabalhos feitos por alunos de várias escolas do concelho de Palmela.
A mostra está patente na Galeria de Exposições da Biblioteca Municipal de Palmela, mas estende-se também aos pólos concelhios de Pinhal Novo, Quinta do Anjo, Poceirão e Marateca.
O tema “Tudo dança”, que anima este final do ciclo de exposições, valoriza a recriação artística em diversas vertentes da temática anderseniana (teatro, dança, música, artes plásticas), havendo ainda lugar para um concurso artístico (nas áreas da literatura e das artes plásticas) que terá entrega de trabalhos até 17 de Junho.
Aspecto geral da exposição e reproduções de recortes em papel
Peças cerâmicas alusivas a diversos contos de Andersen e "Tudo dança" em trabalhos escolares

sábado, 10 de maio de 2008

Fernando Gandra - "O sossego como problema (peregrinatio ad loca utopica)"

Que espécie de livro é este que entra abruptamente no domínio das utopias, sem dizer ao que vem ou porque vem, fazendo o seu próprio percurso de inquietações, de pensamento e de citações (em que, deliberadamente, se misturam poetas com filósofos, clássicos com contemporâneos, músicos com pintores)?
Uma possível razão para este tipo de entrada é o seu primeiro parágrafo, que diz: “A linha do horizonte situa-se no ponto indefinido onde o céu e a terra se unem. É indefinido porque recua à medida que avançamos. A linha do horizonte só é fixa e acessível à distância.” E assim se vai construindo o percurso que visa entrar pelo horizonte, aproximar-se da utopia, ainda que sabendo que a distância que nos separa da utopia nunca se reduz… Sabemos que, neste caminhar, “a utopia coloca-nos entre a terra e o céu, ou, se quisermos, entre a razão civil e o mito escatológico (…). É uma revelação que registamos como improvável mas que, mesmo assim, põe em causa a coesão do nosso esmagador património de certezas. (…) É pura promessa, isto é, diálogo silencioso com o destino.
A ideia transmitida pelo subtítulo – “peregrinatio ad loca utopica”, resultante de um empréstimo de Jorge de Sena (Peregrinatio ad loca infecta, de 1969), que também já a recolhera de uma Peregrinatio ad loca sancta, composição de uma provável freira bracarense do século IV – é aquela que mais dirá sobre o objecto deste livro: a história das utopias, numa romagem pessoal, em que entram a filosofia, a literatura, a história, a música e a política.
Uma segunda linha de apresentação do livro advém da citação de Eduardo Lourenço, que abre o discurso – “O ensaísmo no seu risco mais profundo não tem objecto próprio, mas inventa o seu objecto”, acentuando o autor que o “risco” contém a duplicidade do sulco e do perigo, um e outro na emergência de se construírem com palavras ou de à palavra darem a primazia.
Este inventar, no sentido de criar ou recriar, é o que faz com que Fernando Gandra alinhe a sua escrita, ora pela discussão em género de ensaio, ora pela evocação e apelo à memória, ora pela incursão autobiográfica, ora pela construção poemática, ingredientes que, naturalmente, determinam que este livro não seja facilmente catalogável. A propósito do resumo que faz de um conto de Eça de Queirós, o autor é o primeiro a tentar justificar o carácter compósito desta obra, jogando na antecipação relativamente ao leitor: “é natural que se pergunte o que faz um texto literário tão longamente transcrito num trabalho que, embora transdisciplinar, se pretende sobretudo concebido no registo da filosofia”. E, depois, vem a resposta: “É que se a filosofia, como, aliás, a religião, tem a vocação de estipular verdades universais, tanto como a história tem a de estabelecer a coerência dos factos, é a arte, literária ou outra, que elucida como e porquê o homem comum vive essas verdades e esses factos, como e porquê integra nos seus comportamentos ordinários e (aparentemente) fugazes os universais que os transcendem e orientam. É a arte que estabelece a complexa relação entre a verdade e a vida, entre a essência e a existência, entre o eterno e o efémero.” Extrapolando… a arte permite esse encontro e aproximação do homem com a utopia. E daí o recurso a abundantes citações por onde perpassam os nomes de Fernando Pessoa, Camões, Almeida Faria, Rilke, Baudelaire, Aquilino, Beckett, Brecht, Almada Negreiros, Drummond, Unamuno, Platão, Tomás Moro, Victor Hugo, Miguel Torga, Goethe, Ruy Belo, Ovídio… E daí também o espaço para a música, na companhia de Beethoven, Vivaldi ou Stravinsky, ou para a pintura, nas telas de Gauguin, Picasso, Bellini…
A transdisciplinaridade é definida por Fernando Gandra como “uma espécie de sinestesia cognitiva que transgride as prescrições académicas porque dá espaço ao regime dos afectos”, um argumento mais para sustentar este seu livro, em que se cruza a filosofia com os gostos e os desgostos do mundo e da vida, em que se torna evidente a rejeição do academismo, demonstrada, por exemplo, no valor que à análise confere a experiência pessoal ou numa escrita em que o eu se não esconde ou, sobretudo, numa exposição em que as remissões bibliográficas não são inseridas e em que é mesmo recusada a necessidade de um índice remissivo, curiosamente com o argumento da liberdade – “aqui não há índice remissivo porque é quase só papel vadio, desprevenido”, diz, a fechar o livro. (...)
Que espécie de livro é este, então?
Para falar das utopias, Fernando Gandra parte, muitas vezes, de coisas simples, com que nos confrontamos no quotidiano, tais como: o adágio “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”; a pergunta “porque fechamos os olhos e a boca aos que acabam de morrer?”; a questão da energia em que se apoiam as revoluções; os hinos nacionais, encarados como a imagem que um povo tem e quer de si; as lâmpadas sempre sujas, nas prisões e nas esquadras; a simultaneidade da existência dos “novos ricos” e da “pobreza envergonhada” na utopia do dinheiro; o valor de gestos como a “palavra de honra”; as intuições de género como aquela, feminina, de saber a importância do calar-se; a valorização de expressões como “muro de silêncio” ou aquela construção comparativa do “como se” ou outra, mais expectante, do “espero que”…
A saída [depois de se confrontar com Rousseau e a democracia, com Hegel e o absoluto à mistura com Beethoven, com Marx e os "ismos" comunismo e nazi-fascismo, com a utopia do Estado Novo] é pela utopia do silêncio, algo que já vinha anunciado no primeiro capítulo do livro, algo que suscita a “ambiguidade ontológica”, algo que “sabemos que existe, mas não sabemos bem em que consiste”.
No último capítulo, uma epopeia do silêncio, sabemos que, se absoluto, é “o último episódio de um curriculum” ou “o fim de um estado civil”, duas excelentes imagens que permitem ao homem ser a ponte entre o silêncio inicial (a “mudez pré-natal”) e a escuridão total onde “o silêncio não tem obstáculos”.
Sobre: Fernando Gandra. O sossego como problema (peregrinatio ad loca utopica). Lisboa: Fenda, 2008
[Excertos da apresentação da obra na noite de ontem, na Culsete, em Setúbal]

Máximas em mínimas (26)

Encontrar o silêncio
"Está na sabedoria muda, incomunicável. está na pergunta simples e na resposta impossível. Na espuma que se forma contra o costado de um navio em alto mar. É um prémio de consolação, um privilégio como quando andamos a altas horas numa rua deserta. Há silêncio no desânimo e quando temos frio, muito frio. Há ruído nas evidências, silêncio no seu desprezo. Nas mais obscuras paixões e nas súplicas que as alimentam. Há silêncio nas fábulas onde os animais, porque sabem muito, só dizem o que é preciso e decisivo. Quando se vai ver um filho preso ou a mãe morta. Quando no metropolitano se ouve o violino de um refugiado da fome ou de um cego e um senho de gravata deposita uma moeda sem se baixar um pouco. Há silêncio nos cais de embarque. Há sossego quando se morre tarde; ruído, agitação e lágrimas quando se morre jovem.
O silêncio está na véspera e no dia seguinte. Na confidência e na conspiração. Na sumptuosa sombra de uma árvore antiga e quieta quando há calor e ervas pobres ondulam à nossa volta. No alto voo dos pássaros e numa casa em ruínas. Está na rotina e na grande ambição. No pasmo e no desaire. No vício quando é grande e na virtude quando é imensa.
Há silêncio na voz dos vagabundos, na sua muda heresia. Há silêncio quando algum desistente pára a meio do mais alto aqueduto da cidade. Há silêncio na astúcia, na tenacidade e no desgosto. Há silêncio no primeiro botão apertado da tua blusa."
Fernando Gandra. O silêncio como problema (peregrinatio ad loca utopica), 2008.
[foto: desde Seixal, Madeira]

Máximas em mínimas (25)

O silêncio...
"... é um sermão sem palavras que nos convida a pensar sobre o que já ouvimos e sobre o que ainda não dissemos, nem vamos dizer. Sobre a tentação de falar e o incómodo que é, que pode ser, ouvir."
Fernando Gandra, O sossego como problema (peregrinatio ad loca utopica), 2008.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Rostos (50)

Pedro Nunes, em Alcácer do Sal

Sugestão

O livro O sossego como problema, de Fernando Gandra (Lisboa: Fenda, 2008), vai ser apresentado amanhã em Setúbal, na Culsete. Fica a sugestão, que valerá muito mais se houver uma viagem até à obra...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Professores - 30 conselhos

Viajei até ao mundo melhor e, de lá, saltei para a companhia da avó pirueta. Uma descoberta mais, que já fiz há dias. Hoje, voltei lá. Acabei de chegar. E recomendo tudo: pelo exemplo, pela experiência, pela linguagem, pelo saber. E, perdoe-se-me a insistência, recomendo a leitura de três postais que a autora lá colocou com a data de ontem, contendo 30 - sim, 30! - conselhos para professores. Baseados na experiência e no saber, claro. Muito mais importantes para uma escola feliz e de sucesso do que megatoneladas de dizeres que têm poluído o mundo da educação!... Insisto: recomendo.

Rostos (49)

Orfeu, por José Rodrigues, em Afife
(monumento ao centenário do nascimento de Pedro Homem de Mello, 2004)

terça-feira, 6 de maio de 2008

Sebastião da Gama estudado por Alexandre Santos em investigação de mestrado

A obra de Sebastião da Gama, sobretudo os três títulos de poesia por ele publicados e o Diário, foi objecto de estudo no âmbito de mestrado a cargo de Alexandre Ferreira dos Santos.
A defesa da tese, sujeita ao título Sebastião da Gama – Milagre de vida em busca do eterno – Uma leitura da sua obra, ocorreu na tarde de hoje, na Universidade Aberta, em Lisboa, com um júri constituído pelos professores Rui Azevedo Teixeira (orientador da tese e docente da UA), Dionísio Vila Maior (docente da UA) e José Tolentino de Mendonça (arguente e professor da Universidade Católica).
Segundo Alexandre Santos, "um dos segredos da singularidade e frescura da poesia [de Sebastião da Gama] residirá, porventura, no facto de estarmos perante um poeta profundamente adulto e ao mesmo tempo com uma postura de criança deslumbrada e enternecida". Na conclusão da apresentação do seu trabalho, Alexandre Santos defendeu que o poeta da Arrábida "é de um humanismo integral, em que a vedrtente religiosa é nuclear".
O júri considerou que este trabalho teve como linhas importantes “a seriedade científica, a maturidade e uma investigação apaixonada”. José Tolentino de Mendonça iniciou a arguição dizendo que Sebastião da Gama foi um “poeta precoce” e que, devido ao seu curto período de vida, foi a obra legada que, postumamente, o firmou como poeta e escritor de mérito.
Sebastião da Gama publicou apenas três livros de poesia – Serra Mãe (1945), Cabo da boa esperança (1947) e Campo aberto (1951). Os restantes oito títulos publicados são póstumos, aí se incluindo o Diário, sobre cuja publicação passa neste ano o 50º aniversário e sobre cujo início de escrita se celebrarão os 60 anos em Janeiro de 2009.
Alexandre Francisco Ferreira dos Santos (n. 1960), pertencente à Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos), é pároco em Queijas.
[foto: Alexandre Santos e Joana Luísa da Gama (mulher de Sebastião da Gama), na tarde de hoje, na Universidade Aberta]

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Rostos (48)

"Guitarra na proa - Homenagem ao fado, a Amália e a Lisboa",
por Domingos de Oliveira, em Lisboa, a olhar o Tejo

Riqueza e felicidade

Uma boa história, em jeito de fábula dos tempos, sobre a viagem, sobre o mito do Ocidente, sobre a felicidade, sobre a vida, bem contada, à maneira do Miguel. A ler.
[foto a partir de: futurosistemas.net]

A questão da participação política levantada pelo Presidente da República

A questão que o Presidente da República trouxe no seu discurso do 25 de Abril sobre a participação na política e sobre a participação e informação política dos jovens continuará a dar que falar, apesar do "politicamente correcto" que surgiu de todas as frentes partidárias...
Afinal, a importância dada à participação do cidadão parece não ser tão interessante quanto isso, a avaliar pelos resultados quanto à exequibilidade democrática no nosso país, conforme ontem foi revelado pela imprensa (por exemplo, no Diário de Notícias) a partir de um relatório da organização não governamental inglesa Demos, em que Portugal aparece quase no termo da tabela dos países europeus!
Hoje, no Público, André Freire, em artigo sobre "Os portugueses e a política", toma como pretexto o discurso do Presidente da República, analisa algumas linhas que poderão justificar o desinteresse dos jovens pela política e apresenta uma conclusão, eivada de recados que bem mereciam a atenção. Por isso, a transcrevo:
«(...) Porque as questões levantadas pelo PR são muito importantes, nomeadamente em termos de qualidade da democracia, e a classe política (PR incluído) não lhes terá dado ainda o devido relevo, termino reflectindo sobre o que fazer (para mudar a situação)? Primeiro, é preciso credibilizar a política. Aqui poderíamos realçar a) a necessidade imperiosa de cumprir os compromissos eleitorais e b) a de reduzir a promiscuidade entre negócios privados e acção política. A realidade está bastante aquém do desejável, apesar dos repetidos alertas... Segundo, é preciso incentivar e levar a sério a participação dos cidadãos na tomada de decisões políticas, ou seja, é necessário valorizar a participação e procurar incorporar, efectivamente, as demandas no processo decisório: só assim as pessoas verão que vale a pena participar. (o estudo evidencia, aliás, um forte apoio a mecanismos de democracia directa). Não é a isso que temos assistido, quando, após a eleição directa de um líder partidário ou do bastonário de uma ordem profissional, alguns dos seus ilustres correligionários se apressam a deslegitimar os novos eleitos e, assim, a sugerir que deveriam ser eles e não "o povo" a escolhê-los. Também não é propriamente a isso que temos assistido quando se desvalorizam enormes manifestações populares ou se demoniza a acção sindical. Ou ainda quando se comprime severamente a democracia nas universidades. Pena é que não se tenha ouvido a voz do PR nestes casos... Terceiro, o cidadão constrói-se. Por isso, é necessário apostar mais na educação política dos jovens, nomeadamente insistindo mais no ensino da História e da Ciência Política, bem como na educação cívica. Finalmente, para mobilizar os cidadãos são precisas alternativas: não é a isso que se assiste quando a política (do "centrão") é reduzida à mera gestão da coisa pública.»

domingo, 4 de maio de 2008

No Dia da Mãe (com a ajuda de Sebastião da Gama)

Pequeno Poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais…
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém…

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe…

Sebastião da Gama, 07-03-1945, Serra Mãe (1945)

História em revista

Uma fotografia do Maio de 68 constitui tema de capa do número inaugural da revista Visão – História (dirigida por Cláudia Lobo), alusivo ao mês de Abril. Este número é temático, indo buscar o ano de 1968, “o ano que não acabou”, por, como é dito na apresentação, ser uma “data-chave da segunda metade do século XX em que tudo aconteceu e cujas repercussões são ainda bem visíveis”.
Depois, vêm as fotografias desse ano, a primeira das quais é aquele poderosíssimo instantâneo de Eddie Adams, que captou o comandante da polícia de Saigão a executar um soldado vietcong, foto que fez recrudescer o protesto dos americanos contra a guerra no Vietname e que valeu ao seu autor o prémio Pulitzer, que nunca aceitou.
Há também uma cronologia do ano e, depois, vem “O mais longo mês de Maio”, que relembra os acontecimentos e que os analisa, agora que em França se discute essa vontade de acabar com as memórias dos “soixante-huitards”, intenção vista por Daniel Bensaid como “um discurso de exorcismo” porque “acabar com o espectro de 68 é uma tentativa de exorcizar a crença de que ele possa ressurgir”.
Praga, Vietname, Luther King (assassinado em 4 de Abril) e o racismo e a queda de Salazar são os outros destaques. Para lembrar, há ainda alguns livros (O delfim, de Cardoso Pires, ou Os afluentes do silêncio, de Eugénio de Andrade), músicas (Cantares do andarilho, de José Afonso), arte (Warhol e Júlio Pomar) e moda (entre o fim do previsível e o surto do “mosaico”) desse ano.
A finalizar, há um texto de Manuel Villaverde Cabral, exilado em Paris em 1968, que vê o Maio de 68 como uma “revolução cultural” com reflexos que perduram ainda hoje: “A retórica espontaneísta do ‘contra’ deixou marcas profundas e a actual paisagem humana e social seria bem diferente sem ela: contra o Estado e os seus mecanismos de enquadramento; contra a família convencional e o recalcamento sexual; contra o racismo e a subordinação das mulheres e crianças; contra a escola disciplinadora e reprodutora das desigualdades; contra o trabalho penoso e o consumo alienante, etc. Tudo isto é irreversível, tendo sido absorvido e massificado até ao limite do relativismo ante a falência das crenças autoritárias. E a prova está feita. Quando Sarkozy mobilizava recentemente os conservadores com o ódio ao legado de Maio, estava a esquecer-se de que era esse legado que lhe permitia casar e descasar em directo na televisão…”

Máximas em mínimas (24)

O mundo global e cada um de nós
«(...) Pode parecer despropositada a relação entre a escassez dos alimentos e o relativo imposto sobre os pobres com questões de mentalidade e educação, conhecendo a produção exacerbada de biocombustiveis. Contudo, a médio-longo prazo o problema tem de ser equacionado a partir da responsabilização de cada sujeito no mundo global. T.S. Eliot disse num ensaio que a educação "é um assunto que não pode ser discutido no vazio: as nossas questões levantam outras questões, sociais, económicas, financeiras, politicas. E o resultado dessas recai em problemas ainda maiores; para se saber o que se quer em geral, temos de fazer surgir a nossa teoria da educação da nossa filosofia de vida. O problema passa a ser um problema religioso". Numa perspectiva cristã anglicana, Eliot levanta uma questão importante e actual. A de pensar a educação a partir de questões como "aonde queremos ir?", e "o que queremos ser, afinal"? Não obstante as respostas possíveis de hoje, é preciso que se identifiquem as causas e se actue responsavelmente, para uma humanidade com uma filosofia de vida mais equilibrada onde a prosperidade de uns não signifique o sofrimento de outros. (...)»
Faranaz Keshavjee. "A educação para a participação cívica". Público. 04.05.2008
[foto: monumento à solidariedade, Vila Franca de Xira (ABEI), por João Duarte, 2003]

Não sei se alguém se admira, but...

Nas "Cartas ao Director" do Público de hoje, há uma história contada a partir de Setúbal por Carmo Gago da Silva. Reproduzo-a, porque o que se passou naquele teste de Inglês também se passa noutras situações. E o pior são as justificações para que a vida assim aconteça...
«(...) Deixem-me contar-vos uma pequena história verídica: sou professora de Inglês numa escola secundária. Há tempos, um aluno de 10.º ano, nível 6 da língua inglesa, procurava desesperadamente no dicionário, palavra a palavra, durante um teste, tudo o que não sabia. Vendo que estava a perder muito tempo, abeirei-me dele e pedi-lhe que me dissesse o que procurava porque estava a perder muito tempo. Procurava a palavra "mas"! Fiquei perplexa e respondi-lhe: "Então não é but?" Agradeceu-me e, mal eu virei as costas, chamou-me e disse-me: "Já agora, professora, podia dizer-me como se diz "o". E eu: "o" de o, a, os, as?" Sim, foi a resposta!
Não estou a brincar, juro. Acontece que este aluno NUNCA tinha tido uma única nota positiva a Inglês desde o 5.º ano de escolaridade. Chamei a mãe que, ingenuamente, me confirmou que, como ele, "não dava para o Inglês", já lhe tinha dito que estudasse as outras disciplinas e deixasse aquela de lado.
Na mesma turma, de 27 alunos, havia excelentes alunos na disciplina, outros que tinham explicação, outros que andavam no Instituto de Línguas há anos, etc. Como é que no fim do ano, por mais esforços que o professor faça, se passa um aluno destes que nem sequer compreende uma palavra do que eu digo nas aulas? No secundário, como é sabido, as disciplinas são de passagem obrigatória, uma a uma.
E falam da Finlândia! O primeiro-ministro esteve na Finlândia a ver as escolas e veio de lá encantado. Eu conheço bem o sistema finlandês e por isso me pergunto: será que não reparou que, dentro da sala de aula, há outro professor só para ajudar estes alunos e não fazer os outros perderem tempo de aprendizagem? Será que a OCDE sabe que as famosas aulas de apoio em Portugal são facultativas ao nível do secundário? Será que a OCDE sabe que as aulas de apoio em Portugal não são "tempos lectivos" no novo Estatuto da Carreira Docente, ou seja, "ensina-se" mas não se está a "leccionar"? Será que os pais dos outros países estudados pela OCDE dizem aos filhos para deixarem uma ou duas ou três disciplinas de lado porque "não dão para aquilo"?
Não brinquem com o ensino e com os professores, se faz favor. Venham, incógnitos, disfarçados, escondidos ou às claras, ver o que se passa nas nossas escolas. Por favor, não se deixem enganar por aqueles que julgam que, por decreto, boa vontade, caridade cristã, se passam alunos que nunca perceberam o que significa estudar.
O Presidente da República espanta-se com a ignorância dos jovens em termos políticos e cívicos; aos professores já nada os espanta. Nem mesmo quando um jovem, com cinco anos completos de estudo de Inglês, não sabe dizer but!
(...)»
[foto a partir de: kbite.blogspot.com]