Memórias do nosso povo – Para uma etnografia do Vale do Neiva (Barroselas: Junta de Freguesia, 2007) é obra de Manuel Delfim Pereira (1944-2002), natural de Barroselas, que reúne textos publicados em vida do autor no jornal regional que ele próprio fundou, O Vale do Neiva. Em forma de apresentação, escreve Rogério Barreto (Presidente da Junta de Freguesia de Barroselas, responsável pela edição) que não se está perante “um trabalho de investigação sobre a etnologia do Vale do Neiva”, mas em vista de “um registo de informações, conhecimentos e vivências de uma comunidade”, eivado de “uma linguagem simples, literariamente menos aparada e circunscrita ao essencial”.
Por este livro é dada ao leitor a oportunidade de ser viajante no tempo, recuando a histórias, práticas e costumes entranhados e vividos desde um tempo de que ninguém se lembra até ao tempo que corre, numa permanente visita à memória. O apego à região em que cresci e o cruzamento com relatos de que guardo retratos na memória determinaram a minha adesão a este itinerário em que o Vale do Neiva surge autêntico.
Alguns textos configuram mais a prática do conjunto de apontamentos; muitos outros vivem sobre as memórias de entrevistados, com o seu vocabulário próprio, com as marcas de linguagem regional (por vezes, local). Há notícias sobre o quotidiano, sobre as vidas – da actividade económica à vida familiar, da linguagem à religião, da festa à alimentação, da matança do porco à consoada, das brincadeiras infantis à alternativa da medicina popular, do cancioneiro às memórias, das rezas ao folclore e às crenças.
Um exemplo (entre muitos possíveis) em que a língua respira vivacidade e originalidade é no testemunho prestado por Beatriz da Silva (com 74 anos em 1984, ano do depoimento), ao descrever como era feita a “fornada”, misto de técnica, de crença, de necessidade, de saber, de arte e de engenho: “Primeiro peneira-se a farinha para dentro da masseira, deita-se nela água morna, sal e o fermento, que ficou da última fornada. Imberbe-se tudo com a rapadeira, com as mãos apezunha-se, dá-se-lhe três voltas, alivia-se a seguir a massa, para ficar estufadinha. A seguir, junta-se a massa, onde se faz uma cruz com o dedo, a um canto da masseira, é tapada com um pano e aí fica a levedar. Estando levedada a massa e o forno bem quente, limpa-se o forno com uma férrea, tiram-se as brasas com um varredoiro, limpa-se de todas as brasas e borralha. À porta do forno deixam-se ficar algumas brasas para evitar que o forno arrefeça. Estando limpo o forno, põem-se primeiro os bolos – pão baixo, que é geralmente recheado de sardinhas, chouriço ou toucinho – que se comem na primeira refeição. Para cozer os bolos não se tapa a boca do forno. Retirados os bolos cozidos, segue o pão de broa. Com a ajuda da gamela apadeja-se e sobre a pá coloca-se a broa, introduzindo-a no forno. Cada broa pesa 4 a 5 quilos. Geralmente o forno leva cerca de seis broas. Estando cheio, antes de pôr a tampa, faz-se com a pá uma cruz à boca do forno e diz-se ‘Deus te acrescente, dentro do forno e fora do forno e que deias pão para os pobres todos, ámen Jesus’. Põe-se a porta de madeira e tapa-se as frestas para que o calor não se perca (utilizava-se bosta de gado, que secava com o calor, ou, nos tempos mais recentes, massa de farinha, quando deixou de ser uso andar a apanhar a bosta para cozer a broa). A fornada leva cerca de duas horas a cozer. Depois, retira-se a porta e com o cabo da vassoira dá-se um toque em cada broa, que é para acordar o pão.” Depois, havia pão para duas semanas…
Felizmente, sobre a região do Vale do Neiva tem havido divulgação bibliográfica – por as ter à mão, refiro obras como a organizada por Cândido Maciel (Vale do Neiva – Subsídios monográficos. Durrães: 1982) e a de Manuel Moreira do Rego (Crenças, tradições e a sua evolução no Vale do Neiva. Neves: Centro Recreativo e Cultural das Neves, 2005) – a que vem agora juntar-se este livro, que, de acordo com as palavras do editor, é o primeiro volume de “um projecto de publicação de trabalhos de cariz cultural”.
Por este livro é dada ao leitor a oportunidade de ser viajante no tempo, recuando a histórias, práticas e costumes entranhados e vividos desde um tempo de que ninguém se lembra até ao tempo que corre, numa permanente visita à memória. O apego à região em que cresci e o cruzamento com relatos de que guardo retratos na memória determinaram a minha adesão a este itinerário em que o Vale do Neiva surge autêntico.
Alguns textos configuram mais a prática do conjunto de apontamentos; muitos outros vivem sobre as memórias de entrevistados, com o seu vocabulário próprio, com as marcas de linguagem regional (por vezes, local). Há notícias sobre o quotidiano, sobre as vidas – da actividade económica à vida familiar, da linguagem à religião, da festa à alimentação, da matança do porco à consoada, das brincadeiras infantis à alternativa da medicina popular, do cancioneiro às memórias, das rezas ao folclore e às crenças.
Um exemplo (entre muitos possíveis) em que a língua respira vivacidade e originalidade é no testemunho prestado por Beatriz da Silva (com 74 anos em 1984, ano do depoimento), ao descrever como era feita a “fornada”, misto de técnica, de crença, de necessidade, de saber, de arte e de engenho: “Primeiro peneira-se a farinha para dentro da masseira, deita-se nela água morna, sal e o fermento, que ficou da última fornada. Imberbe-se tudo com a rapadeira, com as mãos apezunha-se, dá-se-lhe três voltas, alivia-se a seguir a massa, para ficar estufadinha. A seguir, junta-se a massa, onde se faz uma cruz com o dedo, a um canto da masseira, é tapada com um pano e aí fica a levedar. Estando levedada a massa e o forno bem quente, limpa-se o forno com uma férrea, tiram-se as brasas com um varredoiro, limpa-se de todas as brasas e borralha. À porta do forno deixam-se ficar algumas brasas para evitar que o forno arrefeça. Estando limpo o forno, põem-se primeiro os bolos – pão baixo, que é geralmente recheado de sardinhas, chouriço ou toucinho – que se comem na primeira refeição. Para cozer os bolos não se tapa a boca do forno. Retirados os bolos cozidos, segue o pão de broa. Com a ajuda da gamela apadeja-se e sobre a pá coloca-se a broa, introduzindo-a no forno. Cada broa pesa 4 a 5 quilos. Geralmente o forno leva cerca de seis broas. Estando cheio, antes de pôr a tampa, faz-se com a pá uma cruz à boca do forno e diz-se ‘Deus te acrescente, dentro do forno e fora do forno e que deias pão para os pobres todos, ámen Jesus’. Põe-se a porta de madeira e tapa-se as frestas para que o calor não se perca (utilizava-se bosta de gado, que secava com o calor, ou, nos tempos mais recentes, massa de farinha, quando deixou de ser uso andar a apanhar a bosta para cozer a broa). A fornada leva cerca de duas horas a cozer. Depois, retira-se a porta e com o cabo da vassoira dá-se um toque em cada broa, que é para acordar o pão.” Depois, havia pão para duas semanas…
Felizmente, sobre a região do Vale do Neiva tem havido divulgação bibliográfica – por as ter à mão, refiro obras como a organizada por Cândido Maciel (Vale do Neiva – Subsídios monográficos. Durrães: 1982) e a de Manuel Moreira do Rego (Crenças, tradições e a sua evolução no Vale do Neiva. Neves: Centro Recreativo e Cultural das Neves, 2005) – a que vem agora juntar-se este livro, que, de acordo com as palavras do editor, é o primeiro volume de “um projecto de publicação de trabalhos de cariz cultural”.
1 comentário:
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