quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

"Não se fala noutra coisa na sala de professores"

“Sente-se frustrado, vai aposentar-se.” É o início de uma peça jornalística na Visão de hoje sobre a legislação da aposentação que está para vir, mas de que já se fala insistentemente, com recurso a simulações, a contas e… a esperança.
A Visão começa por contar a história de um professor do Porto que esteve a leccionar no ensino superior e agora regressou ao lugar de origem, no ensino secundário – “Vinha habituado a lidar com alunos responsáveis, atentos” e, “de repente, tem diante de si turmas que acumulam dezenas de faltas disciplinares por semana”. E lá vem (re)contada a história dos alunos dos Cursos de Educação e Formação (CEF), que “adoram a escola, apesar de não gostarem das aulas” (recordam-se da carta que o professor Freire Cardoso, de Ílhavo, escreveu ao Presidente da República sobre estas questões, em Outubro do ano passado e que circulou na net, nos e-mails e até na imprensa?). Mais adiante, o jornalista escreverá que “a esperança dos professores numa política de rigor e exigência, no sector da Educação, se transformou numa desilusão” e o mesmo professor entrevistado dirá que “está a haver uma campanha para denegrir a imagem dos professores”, apresentados “como privilegiados, com muitas regalias”.
Um desvio geográfico mais para leste e, em Chaves, uma professora de Educação Física conta ao repórter: “até já conto os meios anos” para a reforma. Depois, é a voz de uma professora em Carnaxide, a testemunhar que “os alunos sentem a nossa situação de desfavorecimento em termos públicos e crescem em indisciplina”.
A Visão regista aquilo de que em todas as escolas se vai falando. Há dias, surpreendi-me com uma professora que eu imaginava que quereria continuar na escola mesmo depois de se aposentar (tal tem sido o seu compromisso com o ensino, com os alunos e com a escola) a mostrar-me a simulação das contas porque, logo que saia o normativo, mete os papéis para a aposentação. E justificava-se: “com a forma como isto está, com o que querem fazer às escolas e aos professores… não! Tenho a minha dignidade!”
E assim vamos vendo os sinais de uma sangria evidente. Aquilo que se afigura esperança para muita gente – a de deixar um sistema que tem vindo a dar uma imagem cada vez pior dos professores e das escolas – levará a muitas ausências e desistências, vindas de pessoas que ama(ra)m a escola, que dão (e deram) o melhor da sua vida à educação. E fica a pergunta: tudo isto é para que a escola seja melhor?

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Rostos (24)

Pavilhão Carlos Lopes (pormenor exterior), Lisboa

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Ouvir o silêncio…

… por entre poesia, oração, música, cinema, natureza, pintura e vida – é a proposta do poeta, teólogo e padre José Tolentino de Mendonça, numa entrevista, conduzida por Luís Filipe Santos, a propósito do tempo quaresmal vivido pelos católicos. A entrevista, editada no sítio da agência Ecclesia, cruza a teologia, a Bíblia, Bach, Herberto Hélder, S. João da Cruz, Sebastião da Gama, Frei Agostinho da Cruz, Eugénio de Andrade, Sophia Mello Breyner, Camilo Pessanha, Daniel Faria, Miguel Torga, Piero della Francesca, Fontana, Frei Angélico e Jesus, percorrendo os caminhos do silêncio, da criação, da vida e do homem. Ficam alguns excertos do discurso de Tolentino de Mendonça, verdadeiras pistas para a valorização do humano…
1. [O silêncio] é necessário para fugirmos ao nosso próprio ruído. O grande ruído não está na cidade, mas aquele que nós transportamos... É ressonância confusa que as coisas deixam dentro de nós. A Páscoa é um tempo de discernimento. É um tempo para treinar os sentidos. Com a Páscoa sentimos o perfume da vida. Escutamos a Palavra, como se fosse a primeira vez... Saboreamos o sentido profundo. (…) Ele sente-se porque não é apenas ausência do ruído. Ele não se define pela negativa, mas pela positiva. O silêncio é o lugar da comunicação. (…) Basta observarmos os monásticos. O silêncio não é a privação da palavra, mas um caminho alternativo de intensa comunicação e escuta. O silêncio é um lugar... (…) O silêncio é muito exigente. Se o mundo - à nossa volta e dentro de nós - é tão ruidoso é porque isso é muito mais cómodo. É mais fácil aguentar a palavra e o rumor do tempo do que se confrontar com o silêncio. Este tem uma verdade nua e sem véus. O confronto com o silêncio obriga a uma conversão. Obriga-nos a uma transformação que dói. (…)
2.As profissões ligadas à natureza são as menos mecânicas. São aquelas que se ligam ainda a uma lentidão. O silêncio é uma coisa lenta. (…) A poesia é uma forma de escuta e de atenção. O silêncio é a metodologia de todos os poemas que se escrevem. A grande tentação dos poetas é o silêncio. A poesia exige uma vida tentada pelo silêncio. É uma forma de comunhão. A poesia não quer suprir o silêncio nem explicá-lo. (…) É a meta de todos os versos que se escreveram. (…) Na poesia tenta-se – como se fosse a travessia das águas – atravessar sem ferir o mar. Para que no sossego das águas possamos ver o fundo, mas nem sempre isso é possível. (…) A poesia nem sempre é azul. Às vezes é escura e cerrada. A poesia não é um saber nem uma áurea. Não é um esplendor. Muitas vezes é uma noite escura. No entanto, a contemplação do mundo pede-nos uma procura. (…)
3.O silêncio não tem cor. Nós é que precisamos dessas cores. O silêncio é a vida nua... É a verdade. No entanto, precisamos da linguagem simbólica para viajarmos até à verdade. (…) O poeta sabe que precisa de ouvir o silêncio. (…) A vida artificial e do ar condicionado é uma vida anti-espiritual. A vida do espírito é uma vida lenta e exige uma digestão. Ela exige o reencontro com os caminhos, com os baldios e com o mar aberto. (…)
4.Na tradição portuguesa, a Serra da Arrábida é um lugar muito especial. Nesta serra encontramos tópicos da geografia do silêncio. Cada um de nós tem a sua serra onde encontrará o silêncio matricial. (…) O silêncio não é uma ausência. É a presença plena, inteira e intacta do mundo. (…) O silêncio é o fio secreto que conduz todas as procuras de sentido. Podem ser artísticas, intelectuais, pastorais ou orantes. No fundo, a verdade é só uma. A verdade de um grande pintor é a mesma de um mestre da fé. É a verdade do grande mistério que nos coloca perante o silêncio de Deus.
[foto: Tolentino de Mendonça, a partir do sítio Ecclesia]

Desafio?

No Público de hoje: "O movimento associativo de pais, reunido no fim-de-semana, congratulou-se com o novo regime de gestão das escolas, considerando que o diploma lança 'o maior desafio de que há memória' à participação dos pais. 'Este diploma lança ao movimento associativo de pais o maior desafio de que há memória à participação parental quantitativa e qualitativamente. Isso é um aspecto fundamental, já que muitas vezes se diz que os pais não estão presentes', afirmou o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais, Albino Almeida. "
O teor desta notícia não contém nada que não se adivinhasse. Quanto ao "desafio"... implica perdedores e vencedores. Resta saber quem será o quê. Mas, para o ensino melhorar, não é necessário que a vida se torne num jogo; o que é indispensável é que cada qual prime e priorize a função que tem. [curta declaração de interesse: sou professor, sou pai e não abdico de nenhuma das funções]

Rostos (23)

Busto de Antero de Quental, em Coimbra, junto do Mondego

Bravo, "Correio da Educação"!

Em 16 de Outubro, escrevi aqui sobre o Correio da Educação, editado pela ASA, que teve primeira saída em 26 de Abril de 1999, testemunhando sobre ele e sobre a companhia (útil) que tem feito aos professores durante este tempo.
Hoje, ao ler o número mais recente do jornal, um discreto parágrafo de José Matias Alves, no fim do seu habitual texto de opinião - “a todos os meus leitores e colaboradores um muito obrigado por me terem acompanhado neste projecto único que dignificou a classe docente durante quase nove anos ininterruptos” – disse muito mais do que pode querer dizer um certo pendor lacónico sobre o assunto. No blogue da Teresa Marques, fui encontrar aquilo que poderia ser uma poética do final: “a saída de José Matias Alves marcará claramente o fim de uma era que acompanhei desde o número 1. De forma simples, porque as palavras nestas horas parecem nunca chegar, um imenso obrigada por toda a luz que foi inundando os professores, mesmo nas noites mais escuras. Companhia fiel, do papel ao digital, tornou-se parte de nós: a nossa própria voz. Nada paga a dádiva. Mas um sorriso nosso, um parabéns, um enorme bravo, pode ser que ajudem no momento da despedida...”
A minha colaboração no Correio da Educação foi enquanto leitor apenas. Mas é nessa mesma qualidade que me apetece subscrever o “sorriso”, os “parabéns” e o “bravo” que a Teresa criou. Os 323 números do jornal merecem e a equipa que o concebeu e produziu também. Quanto aos comentários de José Matias Alves, o Terrear não deixará o mundo à deriva; quanto ao Correio, veremos se vai ser outra era…

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Quatro notícias de hoje, que são outros tantos retratos

1) No Público: “Dois terços das perguntas dos deputados ao Governo estão sem resposta - Ministérios da Saúde, Trabalho, Educação e Obras Públicas são os mais questionados. (…) O novo regimento da Assembleia da República introduziu a figura da 'pergunta escrita ao Governo'. Desde 1 de Setembro do ano passado, os partidos fizeram 501 questões, mas o executivo ainda só deu resposta a pouco mais de um terço (169). Dos dois terços que ficaram por responder, 130 ainda estão dentro do prazo - 30 dias, como fixa o Regimento. Descontadas estas, o Governo deixou definitivamente sem resposta, nos últimos quatro meses, duas centenas de perguntas feitas pelos partidos com assento parlamentar. (…) Nas duas sessões legislativas anteriores (Setembro de 2005 a Setembro de 2007), cujas estatísticas já estão fechadas, 1787 dos 6831 requerimentos apresentados ficaram sem resposta, o que equivale a 26 por cento.” - Se a Assembleia da República tem capacidade para decidir pelos portugueses (e essa foi uma justificação apresentada para a ratificação do Tratado de Lisboa sem recurso a referendo), as perguntas saídas da Assembleia da República, independentemente do seu emissor e do seu destinatário, são também perguntas feitas pelos portugueses. Que respeito merecemos, pois?
2) No Público: “Bombeiros têm mais de 100 desfibrilhadores sem utilização - As corporações de bombeiros voluntários portuguesas têm mais de 100 desfibrilhadores automáticos, adquiridos nos primeiros anos desta década, sobretudo na sequência da morte do futebolista Miklos Féher e antes do Euro 2004, mas não os podem utilizar. À legislação publicada no ano passado, que veio 'apertar' as condições em que os bombeiros podem usar estes aparelhos, junta-se a falta de entendimento com o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para ultrapassar o problema. Os desfibrilhadores, usados para produzir uma carga eléctrica devidamente calculada que muitas vezes consegue recuperar o ritmo cardíaco, podem ser decisivos para salvar vidas em caso de paragem cardíaca. De acordo com a Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), serão mais de uma centena os desfibrilhadores automáticos externos que praticamente não têm uso. (…)” – Recordo que, há cerca de um ano, em visita com alunos aos Bombeiros Voluntários de Palmela, quando era mostrado como funcionava uma ambulância e estando aquela equipada com disfibrilhador, logo o assistente explicou que não o podiam usar, apesar de estar ali, porque havia restrições. “Então para que serve?”, perguntou uma aluna. Não sei se o desfibrilhador da ambulância que visitámos já presta para alguma coisa ou não, mas o que é ridículo é esta questão continuar a ser debatida, como se a vida humana não fosse mais importante que uma questão de competências. No fundo, fica-se a pensar que, muitas vezes, o valor da vida é uma insignificância ao lado do calor das “tricas”… Infelizmente!
3) No Correio da Manhã: “117 Deputados eleitos suspendem mandato – Quando ainda falta mais de um ano para o termo da actual legislatura, mais de metade da composição inicial de deputados na Assembleia da República já mudou. De um total de 230 parlamentares eleitos em Fevereiro de 2005, 117 já suspenderam o mandato e 37 abandonaram mesmo o Parlamento. E círculos eleitorais como Setúbal, Aveiro, Évora, Faro, Guarda, Braga, Viana do Castelo e Vila Real já não são representados pelos cabeças de lista eleitos. (…) Devido às muitas movimentações, o PS já não tem em funções nenhum deputado eleito no círculo eleitoral de Castelo Branco e já recorreu a vários suplentes nos círculos eleitorais de Évora e Faro. O mesmo acontece com o PSD em Castelo Branco, onde o mandato é agora exercido por Ribeiro Cristóvão, quarto da lista de efectivos.” – De que serve então aos partidos esforçarem-se por arranjar “cabeças de lista” que sejam convincentes para os eleitores? Como defende Manuel Alegre, em considerações sobre este assunto no mesmo jornal, deveria “haver um período de nojo” para os deputados que suspendem ou renunciam às suas actividades no Parlamento. O que está em causa é o prestígio da instituição, é verdade, mas também a confiança que as listas merecem aos eleitores. Vale a pena acreditar nas figuras em quem (também) se vota?
4) No Correio da Manhã: “GNR proibidos de ler jornais e ver televisão – Os militares dos postos da GNR do concelho de Moura foram proibidos de ler jornais e ver televisão no horário de serviço (…).” – Há comentários?

sábado, 26 de janeiro de 2008

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 75
Diário – A data de 11 de Janeiro de 1949 é aquela que inaugura o Diário de Sebastião da Gama, um documento literário e também um testemunho pedagógico e profissional. No próximo ano, passarão 60 anos sobre a escrita deste diário, iniciado em ano de estágio, em Lisboa, na Escola Veiga Beirão, com uma turma de diversidades e de histórias, em que a relação pedagógica foi uma das faces mais importantes do que foi ser aluno, por um lado, e ser professor, por outro. Em tempos em que os professores sentem a inexistência do reconhecimento do seu trabalho, em tempos em que a acção docente é sucessivamente desvalorizada e posta em causa (ainda que para isso não haja razões de facto), vale a pena ler o Diário que Sebastião da Gama nos legou, pelo menos para se acreditar que a utopia existe, pelo menos para se encontrar a razão da opção de muitos professores de hoje na sua profissão, pelo menos para garantirmos a nós próprios que ser professor é um acto de reflexão, de gosto, de partilha, de humanidade, de respeito, de profissionalismo e de saber. O que está para lá disto pode ter muitos nomes, mas corta às pessoas a possibilidade de serem, de construírem, de irem pelo sonho do poeta…
Gralhas – Há dias, o jornal Público noticiou que uma análise aos livros destinados ao público infanto-juvenil, editados em Portugal, detectara problemas variados, como “gralhas, uso irregular dos artigos definidos, pontuação insuficiente ou abuso dos pronomes possessivos”. No fundo, questões de falta de cuidado, questões que se prendem com o ritmo de edição e de solicitação do mercado, questões que não estarão alheias àquilo que a qualidade não é. Todos sabemos qual a força da palavra escrita, assim como conhecemos a dificuldade em convencer a criança de que o que está escrito no livro está errado. Mas acontece. Infelizmente! Não basta haver um Plano de Leitura, por diversificado, entusiasmante, partilhado e trabalhado que seja; é necessário que haja também um cuidado no tratamento da língua portuguesa nas edições. Tão indispensável como respirar, queiramos ou não. Julgo que não teremos que chegar ao policiamento linguístico, mas não podemos, enquanto consumidores, leitores e educadores, pactuar com os erros (de língua) com que somos bombardeados em muitos livros que vemos. Em nome da cultura, da identidade e da preservação da língua.
Andersen – O contista dinamarquês, que nasceu no ano em que Bocage morreu, andou por Setúbal em 1866, quando já tinha 61 anos e os meios de transporte não eram fáceis nem detinham a rapidez dos nossos tempos, numa romagem de conhecimento do mundo e de saudade pelos irmãos O’Neill, que conhecera nos finais da década de 20 do século XIX. Aqui esteve um mês, deixando relato escrito do visto, do ouvido e do sentido. Aqui iniciou um dos seus contos, “O Sapo”, com um final triste (como era seu hábito e estilo), mas com passagens que são máximas de aprendizagem dos homens. Há dias, a professora da minha filha pediu-me para ir falar sobre Andersen aos alunos do 4º ano. E foi bom ver como eles bebiam, em jeito de “era uma vez”, a história do contista e do viajante, como eles apreciaram o que era lembrar Andersen. Em Setúbal, há o seu nome na toponímia e um pequeno abeto na Avenida Luísa Todi a homenagear o dinamarquês, coisas materiais que ajudam à memória. “E, na quinta em que ele esteve, há alguma lápide a dizer?”, perguntava uma das alunas, depois de ver que, em muitos lados, está assinalada a passagem de Andersen. Uma pessoa pára de repente porque mesmo as crianças percebem esta necessidade de haver inscrição para que a memória se mantenha viva.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Confiança nos professores

Os professores são os profissionais em quem os portugueses mais confiam e também aqueles a quem confiariam mais poder no país, segundo uma sondagem mundial efectuada pela Gallup para o Fórum Económico Mundial. (…) Os professores merecem a confiança de 42 por cento dos portugueses, muito acima dos 24 por cento que confiam nos líderes militares e da polícia, dos 20 por cento que dão a sua confiança aos jornalistas e dos 18 por cento que acreditam nos líderes religiosos. (…) Relativamente à questão de quais as profissões a que dariam mais poder no seu país, os portugueses privilegiaram os professores (32 por cento) (…). A confiança dos portugueses por profissões não se afasta dos resultados médios para a Europa Ocidental, onde 44 por cento dos inquiridos confiam nos professores (…).Em último lugar na confiança voltam a estar os políticos, com dez por cento. A nível mundial, os professores são igualmente os que merecem maior confiança, de 34 por cento dos inquiridos (…).Os docentes apenas perdem o primeiro lugar para os líderes religiosos em África, que têm a confiança de 70 por cento dos inquiridos, bastante acima dos 48 por cento dos professores (…). A Europa Ocidental daria mais poder preferencialmente aos intelectuais (30 por cento) e professores (29 por cento), enquanto a nível mundial voltam a predominar os professores (28 por cento) (…).
A notícia é da edição on line do Público. Os resultados da sondagem valem o que valem e todos sabemos como funcionam as sondagens. Surgido nesta altura, este retrato torna-se paradoxal, quer pelo que respeita aos professores, quer pelo que respeita aos políticos, sobretudo porque, se há crispação entre a profissão docente e a política, ela é devida à forma pouco dialogante, muito desconfiada e nem sempre recta como os professores têm sido tratados pela política. As mudanças num sistema educativo não têm que ser feitas com a agressão e o desprezo pelos grupos profissionais nele envolvidos. À política tem dado jeito que as coisas funcionem assim, mesmo pela demagogia de que ela necessita para fazer valer as suas posições. No entanto, isso não quer dizer que a sensatez impere. Vale ainda a pena lembrar um comentário a esta notícia registado por leitora anónima às 13H15: “Sou professora e a minha maior preocupação nunca foi ter mais uns tostões no final do mês, mas sentir que os meus alunos progrediram e aprenderam. O meu maior orgulho é ver alguns deles saírem-se bem nas suas vidas, nas suas profissões e saber que contribuí em alguma medida para isso. Acreditem que é isso que me realiza profissionalmente. É assim com a maioria dos professores. Muitas vezes o reconhecimento dos próprios alunos vem mais tarde, quando já não são nossos alunos. Quando falamos em melhores condições de trabalho, há quem pense que queremos trabalhar menos, o que não é verdade. Queremos trabalhar melhor, ter tempo e espaço para nos dedicarmos àquilo que realmente interessa na escola: a aprendizagem e formação dos jovens. Sem menosprezar outras profissões, duvido que haja muitos profissionais que gastem do seu próprio bolso para suprir o que o seu patrão deveria dar, duvido que haja muitos profissionais que façam uma auto-crítica contínua como os professores, duvido que haja muitos profissionais a trabalhar aos fins- de-semana e feriados sem serem supervisionados.
Habitualmente, os políticos não têm esse reconhecimento no futuro e raramente se podem rever nas vidas que ajudaram a crescer! Não reajo a estes resultados de sondagem com prazer corporativo; mas não posso ignorar que, se neles existe alguma fidelidade, vale a pena acreditar na profissão e pensar que os mundos que nos regem nem sempre se aproximam dos mundos em que vivemos!

Oito máximas de Agustina

1. “O meu ídolo é a gramática portuguesa, à qual faço constantes heresias.”
2. “Os homens são mais pecadores e as mulheres mais curiosas.”
3. “Somos sempre muito faladores com o insignificante e muito calados com o que nos assusta. Assusta-nos o íntimo das nossas vidas, por passarmos todas as portas sem pensar que elas se fecham para sempre atrás de nós. Não podemos voltar para compor o inacabado ou as palavras soltas ou a que faltou experiência.”
4. “Os jogadores não gostam de ganhar.”
5. “O que se imagina das pessoas é o que nos convence.”
6. “O que é a sorte? – pergunto-me. É sobretudo uma equação vertiginosa que se efectua entre os dados de que dispomos e os obstáculos que lhes são impostos.”
7. “Aos vinte anos a vida não é mesquinha, é, quando muito, ambiciosa. A ambição é a fortuna dos novos. Meu pai dizia: ‘A audácia ajuda a juventude’. Não ajuda, mas tem esse traço de candura que faz parecer tudo digno de ser concedido.”
8. “A virtude é o melhor caminho para o poder. Ela enleia, corrompe mais do que o crime, descobre nos homens profundas aptidões de sacrifício e de gratidão. Ao desejo, os homens preferem a gratidão de não serem incomodados mesmo com o melhor dos pretextos, que é o pecado puro e simples. Com as mulheres tentadoras os homens são solícitos; com as virtuosas são agradecidos, que é um sentimento que dura uma vida.”
Agustina Bessa-Luís. O livro de Agustina Bessa-Luís. 2ª ed. Lisboa: Guerra e Paz, 2007.

Cabo Espichel - Recuperação do espaço

Do Público de hoje: "A zona envolvente do santuário do cabo Espichel vai começar a ser requalificada durante o corrente ano, informou a Câmara de Sesimbra. A recuperação dos espaços edificados permitirá a instalação de serviços e promoção de actividades que sirvam de atracção de visitantes ao longo do ano, mas a autarquia considera que o projecto terá de contar com apoios do Estado e de parceiros privados. Segundo um comunicado camarário, a doação ao município de uma parcela de terreno com 41.042 metros quadrados, por um conhecido promotor imobiliário da região, 'criou as condições para a dinamização devários investimentos durante os próximos anos' no santuário. A cedência, assegura um porta-voz municipal, não envolveu 'qualquer contrapartida'. (…) O programa base de intervenção prevê a criação de estacionamento, em cerca de um hectare, para libertar o terreiro em frente à igreja de viaturas, reservando o espaço para utilização pedonal; a reabilitação da zona da mãe-d'água; o tratamento do santuário, com a instalação de um pavimento que evite a poeira actualmente levantada pelo vento, e o aumento da segurança, com uma vedação no acesso à falésia. Estão ainda previstas infra-estruturas de telecomunicações e de saneamento básico. O abastecimento de água e recolha de esgotos deverá ser assegurado através de colaboração a estabelecer entre a autarquia e a Simarsul. A recuperação do património edificado, classificado como imóvel de interesse público, visa criar actividades que possam servir de atracção durante todo o ano. (…) A igreja e as duas alas de hospedaria remontam ao século XVIII, a partir da quatrocentista Ermida da Memória. O conjunto monumental, dedicado ao culto de Nossa Senhora do Cabo, entrou em declínio na transição dos séculos XIX e XX."
[fotos: área monumental do Cabo Espichel, em torno do santuário da Senhora do Cabo, na actualidade; desenho da fachada do santuário, de 1973, na igreja da Senhora da Rocha, em Queijas]

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

António Manuel Couto Viana, 85 anos, hoje

No dia de hoje de 1923, nascia em Viana do Castelo António Manuel Couto Viana, filho de Manuel Couto Viana, figura importante para a vida cultural e social da urbe do Lima.
A marca do envolvimento cultural prolongar-se-ia na família através do próprio António Manuel Couto Viana e de suas irmãs, Maria Manuela Couto Viana (1919-1983) e Maria Adelaide Couto Viana (1921-1990), que constituíram um trio ligado à literatura, cultivado em vários géneros – a poesia, a narrativa, o memorialismo, o teatro.
De António Manuel Couto Viana ficar-nos-ão, sobretudo, o seu percurso lírico, bem como os seus escritos ensaístico-memorialísticos. Mas gostaria de destacar a primeira vertente, afirmada logo desde os primeiros escritos e ainda hoje, quando passam os 85 anos, cultivada.
Com efeito, foi logo no livro inicial, O avestruz lírico, de 1948, que ficou registado o seu estatuto de poeta, evidente nas duas estrofes de “O poeta e o mundo”, que recusam o circunstancialismo na poesia e afirmam o valor do eu nessa mesma poesia:

Podem pedir-me, em vão,
Poemas sociais,
Amor de irmão pra irmão
E outras coisas mais:

Falo de mim – só falo
Daquilo que conheço.
O resto… calo
E esqueço.


Depois, foi o prosseguir na senda da poesia, em regime de fidelidade a este propósito, com uma produção continuada e intensa, chegando a haver várias compilações da obra, fosse como reunião de “obra completa”, fosse como antologia, de que se referem títulos como Uma vez uma voz (Lisboa: Editorial Verbo, 1985), O velho de novo (Porto: Edições Caixotim, 2004) e 60 Anos de poesia (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2004, em 2 vols.). Paralelamente, um género como o memorialismo viu já vários títulos publicados por Couto Viana, com destaque para os ensaios dedicados a personalidades várias da cultura portuguesa (sendo impossível enumerá-las todas, gostaria de destacar os nomes de Sebastião da Gama e de David Mourão-Ferreira, com quem trabalhou e teve intensa relação de amizade), resultantes da experiência e do testemunho do leitor e do conhecedor da história de que tem sido contemporâneo, sendo justo assinalar obras como Coração arquivista (1977), As (e)vocações literárias (1980), Gentes e cousas d’Antre Minho e Lima (1988), Colegial de letras e lembranças (1994), Escavações de superfície (1995), Ler, escrever e contar (1999) e Poetas Minhotos, Poetas do Minho (2002-2005, em 3 vols.). Finalmente, o teatro, área em que Couto Viana foi não apenas actor ou conhecedor dos meandros da arte de representar, mas também autor, sobretudo no âmbito da dramaturgia que privilegiou o público juvenil e de que se pode ver a recolha em Teatro infantil e juvenil (Lisboa: Nova Arrancada, 1997), a partir da primeira peça, Era uma vez… um dragão.
As antologias, o conto, a crónica são ainda outras áreas que têm merecido a atenção deste autor. A sua obra revela uma atitude vincadamente lírica, denota forte presença do humor e da ironia e deixa-se conduzir, muitas vezes, por uma fina tonalidade aristocrática. Em Couto Viana, a sensibilidade, a escrita e a cultura caminham juntas.
Quando passam 60 anos sobre o seu título inaugural, quando giram 85 anos de um trajecto de vida dedicado ao saber e à arte, justo é que se felicite esta voz e este percurso!
[foto de Setembro de 2005]

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Máximas em mínimas (13)

"Os homens são as criaturas mais presunçosas! - disse a cegonha-pai. - Oiçam como são as conversa deles! Não sabem dar um verdadeiro estalo com o bico. Enchem o papo com os seus dons de fala, a sua língua! É uma língua agradável. Mas muda em cada local que encontramos nas nossas viagens diárias. Uns não entendem os outros. A nossa língua, pelo contrário, podemo-la falar em toda a terra, tanto na Dinamarca como no Egipto. Voar também não sabem! Fazem viagens numa coisa descoberta a que chamam 'caminho-de-ferro' e partem a cabeça muitas vezes por causa disso. Fico com calafrios no bico quando penso nisso! O mundo pode existir sem homens. Podemos dispensá-los. Que nos deixem apenas rãs e minhocas!"
Hans Christian Andersen, "O Sapo" (1866, conto começado a escrever em Setúbal)

domingo, 20 de janeiro de 2008

Rostos (22)

Viriato, em Folgosinho

Novo modelo de gestão das escolas públicas - Petição para discussão pública alargada

Está disponível para assinatura a petição para o alargamento da discussão sobre o novo modelo de gestão, iniciativa que partiu de Paulo Guinote. A subscrição começou no dia 12. Vale a pena ler. E, se houver concordância, assinar. Os redactores da petição esclareceram no texto não haver ligações a qualquer organização, o que torna este "manifesto" uma atitude de compromisso cívico e profissional. Já passou as 1300 assinaturas... mas pode haver mais!

Ver a Escola

No Público de hoje, há uma entrevista do professor Luís Valadares Tavares. Transcrevo uma parte, aquela que diz respeito ao que se vive nas escolas, em que o entrevistado fala sobre exigência, sobre a proposta de gestão de escolas que anda a ser discutida, sobre o mito (praticado) da autonomia, sobre as "Novas Oportunidades". As autoras da entrevista são Ana Fernandes (Público) e Raquel Abecassis (Rádio Renascença).
O programa Novas Oportunidades está a ter uma grande adesão. Não haverá um risco de massificação dos diplomas?
A ideia de aproximar a formação profissional da formação escolar e de dar novas oportunidades às pessoas é bondosa. Mas temos de ter muito cuidado em relação aos níveis de exigência e de qualidade. E os estudos internacionais continuam a demonstrar que os nossos alunos continuam no fundo da classificação.
Matemática é um caso paradigmático.
Pois é. O que eu acho preocupante é o país considerar isso normal.
Como é que se dá a volta à situação?
Os problemas resolvem-se, se eu assumir que há um problema. Iniciativas como as Novas Oportunidades são boas, se houver um clima de exigência maior. Costumo dizer aos meus alunos: escola fácil igual a vida difícil, escola difícil igual a vida fácil. A escola não deve ser fácil. A escola deve ser acolhedora, mas muito exigente, difícil. A escola tem de preparar as pessoas para a sociedade moderna. Mas no nosso país tem havido ideias muito erradas em relação a isto. Ainda há pouco tempo havia quem defendesse que os níveis de exigência deveriam ser definidos na escola, resultantes da interacção entre professores e alunos. Isto é uma patetice. Os níveis de exigência são os necessários para eles se prepararem para a competição global em que vão viver.
Como vê este novo modelo de gestão das escolas?
Esse modelo é muito parecido com um de 1991. Corresponde a ideias necessárias e desejáveis, desde que estejam adaptadas à realidade e aplicadas correctamente. Mas as nossas escolas devem ter mais autonomia, não faz sentido nenhum continuarmos com escolas com níveis de autonomia, responsabilização e iniciativa tão pequenos. Apesar de os governantes defenderem isso, continuamos a ver as escolas ainda sob muita influência das circulares que chegam das autoridades.
Isso também é uma forma de desresponsabilização das próprias escolas.
Claro. As nossas escolas, em muitos casos, têm níveis de funcionamento óptimos, mas a questão é quando surge um problema que depois não sabe resolver. A escola não pode viver num regime de piloto automático, como ainda hoje vive.
Os passos que têm sido dados por este Governo são significativos para essa mudança?
Não. Continuamos com um sistema educativo com muito pouca vida própria em cada escola, com modelos de gestão muito anquilosados, e com resultados muito deficientes.
A competição entre escolas é uma solução?
Sim. Acho péssimo que seja o Ministério da Educação a impor um método educativo às escolas. Estudámos escolas que tinham melhorado muito os seus resultados do 12º ano, que felizmente passaram a ser conhecidos. O que verificámos é que em todas tinha havido um acreditar que era possível fazer melhor. Consideraram que não era normal ter maus resultados e deram um murro na mesa. O espírito de competição é muito importante por isto. E os resultados melhoraram imenso. Isto é possível fazer com directivas do Ministério da Educação? Às vezes não sei se entidades como o Ministério da Educação não são mais parte do problema do que da solução.
Num país que não tem qualificações, como é que o desemprego entre os licenciados tem vindo sempre a aumentar?
Os investimentos que têm sido feitos em Portugal têm gerado pouco emprego qualificado. E às vezes os nossos licenciados não têm a formação adaptada às necessidades das empresas.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Oração do tempo presente

Um leitor poveiro do Público viu hoje editada a sua “carta ao Director”, na qual insere, como cristão que se confessa, hipóteses de orações para o século XXI. Faltar-nos-ão, talvez, santos intermediários, sobretudo porque eles não terão cartões de militantes políticos… Mas estas sugeridas orações podem mostrar a Deus (se é que Ele não viu já) que as dificuldades desta vida não são só aquelas que estão longe de nós. Transcrevo, então, parte da sextavada prece do leitor da Póvoa de Varzim, de seu nome Nazareno Ramos:
(...) As orações, para esbater as grandes desigualdades e salvar a humanidade do colapso, deveriam ser estas: 1.ª - um ensino gratuito e universal até ao mais alto nível, baseado nos valores do verdadeiro cristianismo, e a seguir divulgá-lo conforme o recebeu. Que os sentimentos de competitividade e de elevação sobre o outro sejam direccionados para o ser e não para o ter; 2.ª - que o trabalho seja um direito e um dever, acompanhado por um salário que dignifique quem o recebe e quem o remunera; 3.ª - cumprir a directriz constitucional da república, quando diz "todos têm direito a uma habitação condigna". Passaram 31 anos e este flagelo continua neste país 90 por cento católico apostólico romano; 4.ª - que o direito aos cuidados de saúde com qualidade sejam gratuitos e universais; 5.ª - que se faça justiça a mais de dois milhões de seres humanos, que depois de uma vida de trabalho têm reformas com sabor a sangue, humilhação e exploração do homem pelo homem; 6.ª e última - que o grande pecado da flexi-segurança, contendo o carimbo da escravatura do século XIX, não seja legalizado.Termino apelando para que, em todos os templos do meu país, se reze intensamente e se iluminem os cérebros dos nossos governantes, para que gastem todos os cêntimos dos nossos impostos na concretização destes objectivos. Se o fizerem, finalmente reinará a verdade, a justiça, a paz e a fraternidade entre os portugueses. Se não o fizerem, poderão livrar-se da justiça dos homens, mas não da justiça divina.
[foto: A Catedral, de Rodin]

Livrem-nos das gralhas!

"Falhas no uso da língua portuguesa em livros infantis - Estudo do Letrário avaliou 22 títulos infanto-juvenis de diferentes editoras e detectou vários problemas - Gralhas, uso irregular dos artigos definidos, pontuação insuficiente ou abuso dos pronomes possessivos foram alguns dos problemas encontrados junto dos 22 livros para a infância e juventude avaliados pelo Letrário, uma equipa de consultoria em língua portuguesa e estrangeira, formada em 1999.
'Uma maior exigência por parte dos adultos que compram livros para as crianças tenderá a levar as editoras a investir mais na qualidade da revisão dos livros a publicar, o que não deixará de resultar em textos mais cuidados, ou seja, em veículos mais seguros para a aprendizagem da língua portuguesa', conclui o estudo que, nas palavras de Tânia Veríssimo, umas das autoras, apenas teve como objectivo 'auscultar o que a comunidade lê'.
Sem intenção de extrapolar as conclusões a todo o mercado, a linguista disse ao PÚBLICO que, tendo 'o Letrário esta competência linguística, tinha também a obrigação de avaliar o que está actualmente à disposição dos pais e das crianças'.
A amostra foi de recolha aleatória, tendo como únicos critérios não repetir editoras e privilegiar as obras escritas originalmente em português. Ainda assim, constam da lista seis traduções/adaptações. As datas de edição vão de 2000 a 2007 e em cinco dos 22 títulos a ficha técnica conta explicitamente com revisão. (…)

A notícia é do Público de hoje e não constitui propriamente uma novidade… Vemos, ouvimos e lemos… O que é pena é que as editoras, com frequência, esqueçam a sua função de agentes culturais! Não são só elas, é claro. Mas, sendo o livro um produto de correcção e de substituição difíceis, sendo um livro um objecto em que as verdades (ainda que pessoais) se escrevem e ficam gravadas para sempre, sendo um livro uma marca da presença de um pensamento e de uma língua… E este estudo só abrange títulos destinados a um público infanto-juvenil!...

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Associação Cultural Sebastião da Gama - 2 anos

Passam hoje dois anos sobre a criação da Associação Cultural Sebastião da Gama, com sede em Vila Nogueira de Azeitão. A data quase me passava, não fora a diligência de uma amiga e associada que fez questão em parabenizar a Associação...
Pois é. Foram dois anos de muitas alegrias, sobretudo porque se conseguiu dar cumprimento aos princípios que nortearam a criação desta colectividade. Promoveram-se acções sobre a vida e obra do poeta patrono em escolas e em centros culturais; foram editados quatro números do Boletim Informativo, contendo informações para os associados e textos sobre Sebastião da Gama, difundidos em larga escala; houve a edição do livro Sebastião da Gama - O Poeta e o Professor - Estudos e Perspectivas, reunindo as comunicações que sobre o autor foram feitas nos 80 anos do seu nascimento; aconteceu a colaboração na primeira antologia que foi feita sobre a obra do poeta - A minha arca de Noé; pugnou-se por que o Dia Municipal da Arrábida, criado pela Câmara Municipal de Setúbal, fosse celebrado no dia do nascimento do poeta (10 de Abril); homenageou-se a memória de Sebastião da Gama com um monumento em Azeitão, que foi inaugurado pelo Presidente da República em 9 de Junho; houve ainda a cunhagem de uma medalha a propósito desse acontecimento; e, finalmente, tudo isto aconteceu porque houve muito trabalho colectivo e porque já se conseguiram juntar cerca de 300 amigos e admiradores da obra de Sebastião da Gama como associados.
Não foi de propósito, mas, amanhã, pelas 21h00, na sede da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, vai acontecer a primeira Assembleia-Geral para prestação de contas. E a Associação tem que continuar. Em benefício da memória!

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Rostos (21)

Florbela Espanca, por Francisco Simões (Oeiras, Parque dos Poetas)

Novo modelo de gestão das escolas públicas - Petição para discussão pública alargada

Está disponível para assinatura a petição para o alargamento da discussão sobre o novo modelo de gestão, iniciativa que partiu de Paulo Guinote. A subscrição começou no sábado. Vale a pena ler. E, se houver concordância, assinar. Quem assume esta petição fá-lo sem ligações a qualquer organização, numa atitude de compromisso cívico e profissional. Apenas. Porque conversar e melhorar é preciso e a democracia permite-o!

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Sebastião da Gama na Secundária de Caneças

Estive hoje à tarde na Escola Secundária de Caneças numa sessão sobre Sebastião da Gama. A história é simples: a equipa da Biblioteca da Escola contactou a Associação Cultural Sebastião da Gama para promover esta acção e lá levámos (eu e o Manuel Herculano) parte do conhecimento que a Associação tem sobre o seu patrono e algum material de divulgação (para oferta) que foi editado para acompanhar estas acções – o Boletim Informativo (nº que já aqui anunciei em 14 de Dezembro) e um opúsculo antológico da obra do poeta.
O público era constituído por alguns professores e por cerca de 60 alunos dos cursos profissionalizantes (10º ano). Além de ser gratificante uma deslocação às escolas para falar e apresentar a obra de Sebastião da Gama, mais o é saber que os alunos se entusiasmam com a sua poesia – eles têm possibilidade de participar com a leitura de alguns textos, assim como de questionar sobre o que ouviram. Desta vez, houve vários que intervieram na leitura: recordo os nomes do André, do Celso, da Diana, dos Diogos, do Emanuel, do Gonçalo e do João, entre outros. E recordo muito particularmente uma leitura linda do poema “Madrigal” feita pelo Diogo, sentida qual declaração amorosa, terna e comovente, lida e não declamada. Lembro também a atenção generalizada que puseram na sessão de cerca de 80 minutos, em que lhes foi dado contactarem com a história deste poeta eternamente jovem, falecido com 27 anos, vendo imagens, ouvindo poemas, falando-lhes de literatura e de histórias, de um tempo de meados do século XX. E não esqueço também o interesse de um aluno que quis saber como foi possível em 27 anos escrever tanto (três livros publicados em vida, oito obras editadas postumamente, a correspondência a ser divulgada brevemente…)! Admirava-se este jovem do tão curto tempo que possibilitou tão vasta obra. Pois, é que há intensas experiências de vida. E da vertigem da escrita também.
Falou-se do Diário, da poesia, dos sentimentos. E pareceu-me notar um encanto com as palavras sobre a natureza e sobre a simplicidade no lirismo de Sebastião da Gama. E pareceu-me ver nos colegas professores um misto de alegria e de esperança no símbolo que é o Diário do mesmo Sebastião da Gama. Halos de crença na poesia e também no que é ser professor… Gostei que tivessem gostado da sessão, é claro!
[fotos: Associação Cultural Sebastião da Gama (Sebastião da Gama, remador, em 1946) e www.esec-canecas.rcts.pt]

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Novo modelo de gestão das escolas públicas - Petição para discussão pública alargada

Já está disponível para assinatura a petição para o alargamento da discussão sobre o novo modelo de gestão, iniciativa que partiu de Paulo Guinote. A subscrição começou no sábado. Vale a pena ler. E, se houver concordância, assinar. Saliente-se que esta petição nasceu sem ligações a qualquer organização, numa atitude de compromisso cívico e profissional. Apenas.
A propósito do novo modelo de gestão em discussão, podem ser consultados na edição on-line do Jornal de Notícias os pareceres de Natércio Afonso e de João Barroso...

Rostos (20)

Florbela Espanca, em Vila Viçosa

domingo, 13 de janeiro de 2008

Novo modelo de gestão das escolas públicas - Petição para discussão pública alargada

Já está disponível para assinatura a petição para o alargamento da discussão sobre o novo modelo de gestão, iniciativa que partiu de Paulo Guinote. A subscrição começou ontem. Vale a pena ler. E, se houver concordância, assinar.

Miguel de Castro, 83 anos, hoje

Em 1 de Junho de 1950, a partir da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia uma carta a Vasco de Lima Couto, dizendo: “A Távola publicará esta semana o nº 6. Lê com atenção o Miguel de Castro, um rapaz espantosamente Poeta. É electricista e apareceu-me há três anos a mostrar uns versos para eu dizer se eram bons. Em geral, nem sabe quanto vale o que faz. E é hoje um menino querido de Setúbal, que, apesar de não querer saber de Literatura, terá destas carinhosas admirações". Esta colaboração de Miguel de Castro na revista Távola Redonda foi a primeira de três (participaria ainda no número 7 e no duplo 16/17).
Miguel de Castro prosseguiria o seu caminho poético, alicerçado em Sebastião da Gama, com o apoio e entusiasmo do qual publicou, em 1950, Fruto Verde, seguindo-se-lhe Mansarda, em 1953, dedicado aos pais e a Sebastião da Gama (que falecera no ano anterior). Colaborou em publicações como Bandarra e Colóquio-Letras e em jornais regionais e só voltaria a publicar em livro já na década de 90 – Terral (1990) e A sinfonia do cu (1993). O seu último livro, Os sonetos, data já de 2002.
Quando, em 1997, estudei o papel da revista Távola Redonda, pedi a Miguel de Castro um testemunho sobre Sebastião da Gama, que não demorou a chegar: “Aos primeiros versos que lhe mostrei, o Sebastião embandeirou em arco e garantiu-me que eu era Poeta, que nenhuma dúvida tinha, perante os versos que lhe mostrava. (...) Debaixo da sua orientação, fui melhorando a minha escrita, a minha poesia, (...) e, um dia, num memorável dia, disse-me para escolher alguns dos meus melhores poemas, a fim de serem publicados nas Folhas de Poesia Távola Redonda. Fiquei para morrer. Sebastião da Gama era muito exigente na escolha dos poemas para a Távola, (...) mas procurava saber, em primeiro lugar, da autenticidade do Poeta. Se ele era verdadeiro, o caminho estava aberto."
Este espanto resulta de um jovem, de formação autodidacta, que se dedicava às letras por sua conta e risco, ao mesmo tempo que prestava serviço na União Eléctrica Portuguesa. Quanto à sua poesia, quem melhor a definiu foi David Mourão-Ferreira, no prefácio para o livro de 1990: “Nítida e misteriosa, envolvente e evasiva, de sussurrada musicalidade, carregada de sugestões na sua sábia concisão, com mágicas zonas de sombra – e de assombro – a despeito da luz mediterrânea (ou quase) em que aparentemente se recorta: assim se me transmite e se me impõe, desde há cerca de quarenta anos, a poesia de Miguel de Castro.”
Miguel de Castro é o pseudónimo literário de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal desde a juventude, mas nascido em Valadares em 1925. O poema que reproduzo é retirado do primeiro livro de Miguel de Castro e tem o título do próprio livro:

Fruto Verde

Nada me diz o fruto da tua boca.
Apenas as tuas mãos frias e calmas
roçam a minha face, na tristeza
inútil de se darem…

Mas a beleza adivinhada e pressentida
por mim, na tua boca que não sabe amar,
vai enchendo os momentos da minha vida
com promessas de luar!

Nada me diz o fruto da tua boca…
- Mas longe vem, ainda, a Primavera!


A propósito de Miguel de Castro, ainda na edição de ontem de Sem Mais Jornal, o actor setubalense Carlos Rodrigues (mais conhecido por "Manel Bola"), à pergunta "Há alguma figura regional que lhe mereça rasgos de elogios?" respondeu: "Sim, o poeta - infelizmente pouco conhecido - Miguel de Castro. É, sem dúvida, um dos maiores poetas setubalenses, a caminho dos 90 anos, que se encontra muito doente. Editou um livro de sonetos fantástico. Este homem merece uma homenagem." Palavras justas as de Carlos Rodrigues! Para já, parabéns a Miguel de Castro!

[fotografia de Miguel de Castro a partir de Guia de Eventos. Setúbal: CMS, Mar.2007, nº 29]

sábado, 12 de janeiro de 2008

Novo modelo de gestão das escolas públicas - Petição para discussão pública alargada

Já está disponível para assinatura a petição para o alargamento da discussão sobre o novo modelo de gestão, iniciativa que partiu de Paulo Guinote. A subscrição começou hoje. Vale a pena ler. E, se houver concordância, assinar.

Quatro textos (de fim-de-semana) sobre a pachecal figura (e mais um de silêncio)

1) António Guerreiro. “Pacheco comediante e livre”. Expresso (suplemento “Actual”). 12.Janeiro.2008 – “(…) Luiz Pacheco foi uma figura da irrisão, alguém que ocupou no meio literário um lugar de comediante, que constrói uma personagem que está para além da verdade e da falsidade. O seu olhar implacável, liberto de constrangimentos da moral social e da ‘bienséance’, reduziu o meio literário, muitas vezes, a uma desavergonhada Babel, povoada por gente vaidosa e pouco respeitável. O retrato é quase sempre de escárnio e caricatural. E como ninguém se salva, como todos os que o rodearam se sentiram potencialmente ou efectivamente vítimas, Luiz Pacheco ganhou o estatuto de inimputável, o homem de todas as traições. (…) Representou, à sua maneira, uma ideia de autonomia do escritor e da obra literária, e uma ideia crítica da literatura, que caducaram ou só resistem – ameaçadas – de modo muito minoritário. Para a posteridade, talvez esse exemplo seja até mais importante do que a obra escrita. (…)

2) João Pedro George. “Prefácio” a Crocodilo que voa (livro de entrevistas com Luiz Pacheco a sair brevemente). Expresso (suplemento “Actual”, em pré-publicação). 12.Janeiro.2008 – “(…) Luiz Pacheco sempre foi um crítico arrojado e um tipo singularmente divertido, um trocista desbragado, com um desplante e uma sem-cerimónia invulgares. Um homem que não leva a sério as regras consuetudinárias nem os convencionalismos da moral. Em suma, alguém que não faz parte da normalidade social, aquilo que as sociedades consideram um indivíduo ‘extravagante’ ou ‘excêntrico’. (…)

3) José Manuel dos Santos. “Luiz Pacheco”. Expresso (suplemento “Actual”). 12.Janeiro.2008 – “(…) Luiz Pacheco escrevia com a vida, fazendo da transgressão insolente e da provocação calculada um estilo literário. No Portugal morno de Salazar e, afinal, no de todos os regimes, a figura de Pacheco é tão inaceitável que a reacção mais comum foi a de a recalcar no que tinha de essencial e ‘infeccioso’, reduzindo-a a um acidental jocoso ou satírico. (…) Aprendi [nas visitas que fiz a Pacheco] a conhecer o método de Pacheco. Lia e escrevia todo o dia. Tinha uma grande cultura, antiga e actualizada, de Platão a Roland Barthes. Falava com uma inteligência violenta. Do que em Portugal se publicava, seguia tudo. Ouvi-lo era perceber como se pode desautorizar. (…) A sua morte tira relevo ao mundo. E mostra-o na sua melancólica verdade de hoje: uma extensa, conformista e normalizadora linha de produção em série de seres humanos, sem diferença, sem heresia, sem loucura. Apenas competitivos, deprimidos e nulos.

4) Ricardo Nabais / Vladimiro Nunes. “Não estou aqui a fazer poses” (última entrevista de Luiz Pacheco, feita em finais de Novembro). Sol (suplemento “Tabu”). 12.Janeiro.2008 – Luiz Pacheco no seu estilo inconfundível, em 12 páginas, dizendo sobre o momento que estava a viver [num lar montijense, onde residia havia poucos dias], como resposta à pergunta “A quem acha graça hoje em dia?”: “Agora acho muito pouca graça. E aqui então não se pode. Já mandei uma gaja aí à merda. Porque isto é um ambiente deprimente. Sexualmente isto é um desgosto. Mas aqui há namoros! É claro que vocês estão cá meia hora e depois arejam. Mas para a pessoa que cá fica… O que vale é que estou isolado… Também é muito cedo para dizer que estou mal. Ainda estou a experimentar. Em oito dias, só hoje é que fui conhecer o andar de cima. Ainda me desnorteia, não sei onde é o elevador. De resto, parece-me muito bom. É melhor do que eu supunha. Mas é difícil achar graça a alguma coisa com esta idade. Tenho 82 anos, porra! Há aquela coisa que é a PDI, a Puta Da Idade, o caruncho… E o velho, geralmente, é egoísta. Ou é mais egoísta do que o novo. Mas estou a falar de coisas muito tristes… (…)

5) O Setubalense. 7.Janeiro.2008; 9.Janeiro.2008; 11.Janeiro.2008 – Silêncio. Um jornal para que Luiz Pacheco trabalhou e onde publicou alguns textos, no suplemento literário “Arca do Verbo”, coordenado pelo poeta João Carlos Raposo Nunes.

Ora aí está uma (provável e por muitos esperada) boa medida... (que só pecará por tardia)!

Português e Matemática com mais horas
O Ministério da Educação vai reforçar o ensino da Língua Portuguesa e da Matemática no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, admitindo aumentar a carga horária das duas disciplinas. Em declarações à Lusa, o secretário de Estado adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, afirmou que o Governo está a preparar um reajustamento do currículo do ensino básico, "que terá de estar pronto até meados de Março ou Abril". Apesar de não adiantar pormenores, o secretário de Estado admitiu que a medida "poderá passar" por um aumento da carga horária das duas disciplinas. O reajustamento do currículo vai também abranger as chamadas áreas curriculares não disciplinares como a Formação Cívica, o Estudo Acompanhado e a Área de Projecto, que a tutela quer tornar "mais produtivas". O tempo dedicado àquelas áreas poderá servir para reforçar as componentes de Língua Portuguesa e Matemática, explicou.
[Público, 12.Janeiro.2008]

Hoje, no "Correio de Setúbal"

DIÁRIO DA AUTO-ESTIMA – 74
Luiz Pacheco I – “Gosto, como o Ellery Queen, de misturar o real com o imaginário, mas não (como ele e alguns neo-realistas, esses maçadores) de abusar da credulidade dos leitores, longe disso.” (Textos Sadinos, 1991)
Luiz Pacheco II – “Não somos nada nas mãos do acaso e não há mais filosofia do que esta: deixar andar, tanto faz, hoje ou amanhã morremos todos, daqui a cem anos que importância tem isto, quem se lembrará de nós? quem se lembrará de mim?” (Carta a Fátima, 1992)
Luiz Pacheco III – Desta vez, o Luiz Pacheco foi-se mesmo. Várias vezes falou do medo de morrer e ia conseguindo fintá-la. Desta vez, o jogo acabou. A última vez que com ele estive foi no final de Julho de 2005. Pouco antes, tinha passado na televisão um documentário sobre si e a sua obra. Que não viu “para não se emocionar”. Nessa tarde, estava conselheiro (“ó pá, vocês façam, trabalhem, escrevam, porque, depois, com a falta de saúde e de vista, já o não podem fazer!”). Era assim o Luiz Pacheco: também humano, sensível, amigo. Gostei de o ter conhecido. Vou continuar a gostar de o ler.
Gestão – O novo modelo de gestão escolar tem passado um pouco ao lado da discussão na Escola, vá lá saber-se porquê. O documento, que está em apreciação pública, introduz um novo modelo de gestão nas escolas. O governo apresenta-o como “reforço” de algumas competências, nomeadamente dos pais, do meio social, dos parceiros da escola. Mas o projecto de diploma vai muito além do reforço, inaugura um outro caminho de gestão nas escolas, sem que se conheça se o que está em vigor teve uma avaliação. Há incongruências, nomeadamente quanto ao interesse e ao porquê do que é ser professor titular, neste projecto remetido para um papel elementaríssimo, depois de o governo justificar os professores titulares com o argumento de que a escola iria melhorar…
Europa – Se fosse a Europa do tratado do adjectivo, Portugal teria referendo; como é a Europa do complemento preposicional de nome, vai ter aprovação parlamentar. Tudo isto porque já se sabe (como?) que a grande maioria dos Portugueses está com o tratado de Lisboa. Uma União Europeia de certezas, pois. E os cidadãos europeus sem serem conquistados para a Europa…
Salto – A anterior crónica, por razões relacionadas com o espaço do jornal, não foi publicada no “Correio de Setúbal”, apenas no blogue de que sou editor. Daí que, entre a publicação da última e esta, haja um salto no jornal.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O "Diário" de Sebastião da Gama tem 59 anos, feitos no dia em que entra em vigor o Decreto Regulamentar 2/2008 visando a avaliação dos professores

"Janeiro, 11 [de 1949] - Para começar, o metodólogo falou connosco durante uma hora. De acordo com o que disse, vão ser as aulas de Português o que eu gosto que elas sejam: um pretexto para estar a conviver com os rapazes, alegremente e sinceramente. E dentro dessa convivência, como quem brinca ou como quem se lembra de uma coisa que sabe e que vem a propósito, ir ensinando. Depois, esta nota importantíssima: lembrar-se a gente de que deve aceitar os rapazes como rapazes: deixá-los ser: 'porque até o barulho é uma coisa agradável, quando é feito de boa-fé.'
Houve nesta conversa uma palavra para guardar tanto como as outras, mais que todas as outras: 'O que eu quero principalmente é que vivam felizes'."
Sebastião da Gama. Diário (1958)

Em 11 de Janeiro de 1949, Sebastião da Gama tinha 24 anos. Licenciara-se em Filologia Românica, em Lisboa, cerca de um ano e meio antes, com a tese de licenciatura intitulada Apontamentos sobre a Poesia Social no Século XIX, com a classificação final de 17 valores. Três meses depois de obtida a licenciatura, em 14 de Outubro de 1947, Sebastião da Gama iniciava o seu percurso de professor em Setúbal, na Escola Industrial e Comercial de João Vaz (actual Escola Secundária Sebastião da Gama), onde era director o açoriano Armando Pereira Athayde de Medeiros. Nesta escola, leccionou como professor provisório entre 14 de Outubro de 1947 e 31 de Julho de 1948 e também no ano lectivo seguinte, entre 19 de Outubro de 1948 e 10 de Janeiro de 1949.
Em 11 de Janeiro de 1949, Sebastião da Gama tinha 24 anos, a licenciatura, a experiência lectiva de professor provisório na Escola João Vaz e vários textos publicados – os poemas saídos no jornal montijense Gazeta do Sul a partir de 1940; os livros de poemas Serra-Mãe, de 1945, e Cabo da boa esperança, de 1947, e umas Loas a Nossa Senhora da Arrábida, datadas de 1946, escritas em parceria com Miguel Caleiro.
Em 11 de Janeiro de 1949, Sebastião da Gama tinha 24 anos e iniciava o seu estágio de professor na Escola Veiga Beirão, em Lisboa, desse dia datando a primeira página do seu Diário, onde regista as observações do professor metodólogo, Virgílio Couto, que iam ao encontro do que Sebastião da Gama desejava que fossem as aulas.
Sebastião da Gama tinha bem a noção da razão de ser de um diário. Ao longo do texto, há várias referências ao que seriam as características de um diário, ainda que, na altura, esta forma de escrita não estivesse consignada com suficiente importância nos géneros literários. Mas torna-se evidente que este professor redigia um diário para ser o seu espaço e tempo de reflexão sobre a sua prática pedagógica durante o tempo de estágio, sobretudo numa área tão sensível como era a do ensino do Português, misto entre o estudo do funcionamento da língua e o conhecimento da literatura e da cultura portuguesas, não omitindo algumas confidências que bem integrariam uma espécie de diário “íntimo”:
a) em 18 de Março de 1949, estabelece a diferença entre um diário que podia ser de circunstância e o diário íntimo, não faltando mesmo alguma dose de ironia quanto à finalidade do diário como documento de verdade – “Bem haja o metodólogo por esta ideia do diário. A gente assim pode olhar para trás e ver vida – tempo enchido com coração em lugar de com fórmulas. (…) Com esta inovação, descobriu o nosso metodólogo nada mais nada menos do que a maneira de nos levar a fazer exame de consciência. E deixa-nos, ainda, um documento em que se regista o que está bem que se faça e o que está bem que se não torne a fazer. Além disso, como palavra puxa palavra, vou carreando para aqui coisas que me interessam (sombras da minha infância, luzes intensas dos meus últimos dias…) e o pó do tempo havia de velar um dia. Isto é quase um diário íntimo – e se digo que é quase, é porque, apesar de tudo, sei muito bem que outros, que não só eu, o vão ler, e isso, que não obsta a que sejam sinceras todas as minhas palavras e verdadeiras todas estas histórias, me impede de contar certas ‘coisas que terei pudor / de contar seja a quem for’. Outra vantagem do diário sobre o livro de ponto é esta: é que no livro de ponto a assinatura pode-se falsificar.
b) em 4 de Maio de 1949, assume o diário como possibilidade de criatividade e de imaginação, permitindo-se jogar com palavras – “A lição tratou do gerúndio, dos muitos e diferentes de sentido do emprego do gerúndio. E não pretendi que eles soubessem cantar: o gerúndio serve para isto, para aquilo, para aquelitro (passe o neologismo necessário e suficiente – isto é um diário íntimo)”.
c) acabado o ano lectivo de 1948-1949, no texto “Uma página de férias”, o diário pretende fugir àquilo que seria um simples exercício sugerido pelo metodólogo, abrindo mesmo espaço para o anedotário vivido com os alunos e caminho para uma ideia de diário enquanto lugar de confidência do eu consigo mesmo – “Ou isto é um diário íntimo ou não no é. Porque não hei-de guardar aqui meia dúzia de anedotas que têm o sabor único de as ter vivido eu, de as terem vivido os meus rapazes?
d) em 11 de Outubro de 1950, já na Escola Comercial e Industrial de Estremoz, professor com mais turmas do que aquelas que lhe foram atribuídas durante o estágio, Sebastião da Gama mantém ainda a ideia de continuar um diário de professor, confrontando-se com a necessidade de confiar a esta escrita uma parte da sua vida: “Está claro que não pode este diário ter a exacta feição dos dois primeiros volumes [alusivos aos anos lectivos de estágio, respectivamente, 1948-49 e 1949-50]. Pôr aqui todas as aulas? Era preciso que eu fosse um professor extraordinário; o professor que eles quase pensam que sou. Pois se eu estou atrapalhado!... Não sei por onde, não sei como começar. Ou me está a faltar a genica ou me está a faltar a imaginação. O diário vai então servir, como há dois anos em Setúbal, para guardar o melhor do que me for acontecendo.
Um livro indispensável. A ser lido por quem se preocupe com a educação, por quem nela trabalhe. Um livro que não se conforma com a poeira do tempo...

DISSERAM SOBRE O DIÁRIO DE SEBASTIÃO DA GAMA:
Hernâni Cidade: “Este Diário, que Sebastião da Gama deixou manuscrito, é o registo quotidiano das suas experiências de estagiário do Ensino Técnico, e seria, não se sabe até que altura, o programa da sua carreira de professor, se a Morte lhe não houvesse tão prematuramente posto termo. (…) Professor e poeta, afinal, mostra este documento como eram duas faces da mesma fisionomia espiritual, como se integravam na realidade concreta duma singularíssima alma, como em toda a minha longa vida de professor me não foi dado conhecer outra.” (“Prefácio”, in Diário. Lisboa: Ática, 1958).
Ramiro Marques: “A recusa da pedagogia tradicional é fruto, parece-me, mais de uma reflexão diária sobre a prática (a existência do Diário é prova disso) que do conhecimento estruturado das modernas correntes pedagógicas. A pedagogia em Gama toma forma com a experiência, o repensar dos êxitos e dos fracassos e subordina-se fundamentalmente à procura da felicidade. (…) O grande objectivo da educação é a felicidade. (…) Mas Gama, ao procurar a felicidade para os outros, não faz mais do que procurar a sua. (…) Todas as estratégias seguidas e meticulosamente registadas no Diário se subordinam a este objectivo. E, convenhamos, é nas estratégias utilizadas que reside muito da modernidade de Sebastião da Gama.” (in Modelos de ensino para a Escola Básica. Lisboa: Livros Horizonte, 1985).
Clara Rocha: “Se este diário é o registo duma comunhão do professor com os alunos, ele é-o também duma comunhão do eu com os outros. (…) A aula é uma transposição de vida. E nessa transposição simbólica reside o melhor deste diário. Estas páginas não nos revelam, literalmente, um professor comprazendo-se no registo dos seus sucessos pedagógicos ou auto-criticando-se quando não obteve os resultados desejados. Mostram-nos, isso sim, um ser disposto a fazer da sua vida, afinal breve, uma dádiva total aos outros. (…) Para Sebastião da Gama, a literatura não está tanto na forma, como na atitude espiritual. As palavras, para ele, são apenas o instrumento de que se serve para ofertar aos outros o próprio coração.” (in Máscaras de Narciso – Estudos sobre a literatura autobiográfica em Portugal. Coimbra: Almedina, 1992).
[Fotos de capas do Diário - 1ª ed (Ática, 1958), 7ª ed (Ática, 1986), 12ª ed (Arrábida, 2003), 13ª ed (Arrábida, 2005)]

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

O Tintim faz anos

No dia de hoje de 1929, nasceu, pela pena e imaginação de Hergé, a personagem de bd Tintim, logo actuando, como "repórter do Petit Vingtième, no País dos Sovietes". O belga Georges Remi (nome real de Hergé) tinha então 22 anos e já trabalhava desde os 18 no serviço de assinaturas do diário Le Vingtième Siècle, passando, a partir do início de Novembro de 1928, por insistência do seu director, a coordenar um novo projecto do jornal destinado ao público infanto-juvenil. Estava lançada a ideia que iria conduzir a Tintim (e ao seu inseparável Milou) e a um percurso de 23 livros de aventuras do famoso jornalista, num tempo que durou até 1976. Tintim no País dos Sovietes estendeu-se por 69 edições do jornal.
Logo na primeira aventura veio o sucesso, tal como conta Carlos Pessoa: "No dia 8 de Maio de 1930 a história chega ao fim. Para festejar o acontecimento, é organizada uma chegada do herói à Gare du Nord, em Bruxelas. Lucien Pepermans, um escuteiro de 15 anos, é contratado para fazer de Tintim por 100 francos belgas e um ramo de flores. Na casa de banho da estação de caminhos-de-ferro de Lovaina veste-se de mujique e põe brilhantina no cabelo para manter firme o topete. Depois, apanha o comboio Colónia-Bruxelas com um fox-terrier. Uma multidão em delírio recebe os dois heróis da 'campanha da Rússia'. Tintim e Milu dirigem-se para a sede do jornal num Buick conduzido por um amigo de Hergé. Na varanda, o herói de carne e osso dirige a palavra às massas, mas ninguém o ouve, tão intensos são os aplausos." (in As aventuras de Tintim no 'Público'. Porto: "Público", 2004).

Tratado: entre o adjectivo e a preposição

Na Assembleia da República, o Primeiro-Ministro justificou a ratificação do Tratado europeu pelo Parlamento, apresentando três razões:
1) “Em primeiro lugar, não se justifica fazer um referendo quando há um consenso alargado na sociedade portuguesa quanto ao projecto europeu e quanto ao próprio Tratado de Lisboa. As principais instituições e forças políticas portuguesas estão de acordo com a ratificação deste Tratado. Mais de 90% dos deputados apoiam o Tratado de Lisboa. Não há motivo nenhum para duvidar de que o amplo consenso que existe nesta Assembleia, exprime, de facto, a vontade maioritária dos portugueses.” Ora, vemos que a sociedade portuguesa é, para o governo, o conjunto das “principais instituições e forças políticas portuguesas” com os “mais de 90% dos deputados”. O resto… o resto (que são os cidadãos) é paisagem!
2) “Em segundo lugar, não se justifica fazer um referendo porque a ratificação pelo Parlamento é tão legítima e democrática como a ratificação referendária. Mais: a realização de um referendo em Portugal iria pôr em xeque, sem qualquer fundamento, a plena legitimidade da ratificação pelos parlamentos nacionais que está a ser feita em todos os outros países europeus que, podendo escolher, optaram pela ratificação parlamentar considerando que o referendo não se justifica.” A questão não é, nunca foi, a da legitimidade ou da democracia. Vê-se que a questão é o conjunto dos outros, entendendo esses "outros" como os governos europeus, o que, aliás, surge explícito na continuidade do discurso: “fazer um referendo aqui em Portugal teria implicações noutros países e é justo dizer que, no mínimo, agravaria os riscos de o Tratado nunca entrar em vigor”. Afinal, onde reside o problema? Uma vez mais, a acreditar no que a imprensa tem dito, a ratificação parlamentar foi-nos imposta por políticos europeus que nos quiseram como primeiros responsáveis para que nos seus países também a ratificação seja por via parlamentar…
3) “Há, ainda, uma terceira razão pela qual o referendo não se justifica: o Tratado de Lisboa que temos hoje é diferente do antigo projecto de Tratado Constitucional. E – quero lembrar – o compromisso eleitoral para um referendo referia-se, expressamente, a esse Tratado Constitucional e não a outro qualquer. Para que não restem dúvidas, passo a ler o compromisso eleitoral do Partido Socialista. Dizia assim, página 154: «a prioridade do novo Governo será a de assegurar a ratificação do Tratado Constitucional». Repito: «ratificação do Tratado Constitucional». Foi a propósito desse Tratado que o Partido Socialista defendeu no seu Programa, e cito de novo, «que a aprovação e ratificação do Tratado deva ser precedida de referendo popular». Ora, como todos sabem, acontece que o projecto de Tratado Constitucional foi entretanto abandonado e já não existe.” Aqui, temos o poder dos adjectivos a que se verga o discurso… Afinal, a saída encontrada pelo governo deveu-se a um adjectivo. Não estivesse ele lá e não havia argumento!... Como é que ninguém deu por isso? Mas, seguindo o discurso, várias dúvidas se acentuam: o domínio do tal adjectivo foi, de facto, deposto? Note-se: “O Tratado, realmente, mudou. Certamente, foi possível manter muito do que vinha dos Tratados em vigor e até das novidades do projecto de Tratado Constitucional. Mas mudou. Mudou na sua natureza e no seu conteúdo. É um Tratado diferente. Um novo Tratado. E isto não pode deixar de provocar uma profunda alteração de circunstâncias. Foi, aliás, por representar uma mudança substancial que o Tratado de Lisboa obteve um acordo político, depois do fracasso do Tratado Constitucional. Se nada tivesse mudado, posso garantir-vos, a Europa não teria saído do impasse em que estava.” Ora, ainda bem que a substituição do adjectivo pelo complemento preposicional do nome (como reza a TLEBS) resolveu o problema!...
A verdade é que muita gente que defendia o referendo não o queria pelas razões de oposição que o Primeiro-Ministro apresentou, mas sim porque era uma boa oportunidade de aproximar a causa europeia dos cidadãos, de tornar a Europa mais comum, todos sabendo as regras de funcionamento, os direitos e os deveres. E esta foi uma oportunidade perdida. Para que a festa continue a ser feita só nos corredores da diplomacia e das políticas. A partir daqui, há o propósito do Primeiro-Ministro de promover “acções destinadas a informar os cidadãos sobre o conteúdo e as implicações do Tratado de Lisboa”, de forma “simples e acessível”. Obviamente, liofilizadas e servindo a propaganda europeia, mas não a discussão, que seria o que mais interessava! Obviamente, depois de, no seu discurso, ter apresentado um enredo para justificar a subtileza da mudança de opinião!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Há pouco mais de um quarto de milénio...

... em Setúbal, nascia uma criança que viria a receber o nome de Luísa Rosa de Aguiar. Aquela que se supõe ter sido a casa dos primeiros anos dessa menina ainda hoje existe, com lápide evocativa. Fica na zona de Tróino, na Rua da Brasileira, que, em 1753, data do nascimento da futura cantora, se chamava Rua de Coina.
O dia 9 de Janeiro desse ano foi o início do percurso para mais uma celebridade sadina, Luísa Todi. Entrava-se, aliás, num meio-século que viria a ser de ouro para Setúbal, devido às figuras que aqui surgiram e foram contempladas com a fama - dois anos antes, nascera o que viria a ser o poeta Santos e Silva; doze anos depois, era a vez de nascer o poeta Bocage; em 1785, começava a viver Teotónio Banha, militar e pintor; por aqui andou também, nesta época, o pintor José António Benedito Soares da Gama de Faria e Barros, que ficou conhecido por "Morgado de Setúbal" (que, tendo nascido em Mafra em 1752, passaria parte significativa da sua vida na cidade do Sado, onde faleceu em 1809).
Voltando a Luísa Todi, cuja casa tem sido objecto de notícias como futuro museu dedicado à diva, o seu percurso biográfico pode ser conhecido através de três importantes estudos: Luísa Todi - Estudo Crítico, de Joaquim de Vasconcelos (2ª ed. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1929); Luísa Todi, de Mário Moreau (Lisboa: Hugin Editores, 2002); Luísa Todi - A voz que vem de longe, de Victor Luís Eleutério (Lisboa: Montepio Geral, 2003). Para os mais novos, em biblioteca, pode ainda ser encontrada obra A vida fascinante de Luísa Todi, de Maria Isabel Mendonça Soares (Lisboa: Verbo, 1967).
[foto: na Pastelaria "Bambu", em Setúbal, na Fonte Nova]

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Porque muda a gestão das escolas?

A resposta a esta pergunta é dada no Público de hoje, no título da crónica de Santana Castilho: "Porque sim!" Sabemos o que significa o argumento "porque sim" - pouco vale em termos de discussão, uma vez que remete os arrazoados para o prazer pessoal ou para uma aparente ausência de razão. "Porque sim" significa que não há que apresentar razões, quer dizer que se trata de algo que não carece de demonstrações, envolve a nossa vontade pessoal e independente do interesse que possa daí advir para o outro. Daí que neste blogue também escreva... porque sim, como é dito no cabeçalho, isto é: porque gosto de dizer. (E, já agora, se gostarem de me ler, tanto melhor... porque sim!)
O título que Santana Castilho escolheu para o seu artigo - "Porque muda a gestão das escolas? Porque sim!" - é revelador do estado de espírito e da falta de argumentos que pairam quanto à necessidade destoutro modelo anunciado, nunca explicados, nunca expostos, nunca avaliados. Independentemente de haver concordância ou discordância relativamente ao modelo, interessaria conhecer o porquê da sua necessidade e a relação que ele pode ter com as dificuldades que a educação atravessa, que, como se sabe, não assentam no modelo de gestão das escolas.
A dado passo da opinião de Santana Castilho, o estilo envereda por uma quase "carta aberta" dirigida ao Primeiro-Ministro sobre as questões da coerência deste modelo e da política da educação. Não reproduzo o texto na totalidade porque o essencial do pensamento está no excerto que apresento, em análise resultante do normativo em vigor e da proposta de normativo que anda em discussão.
"1. Os dois diplomas apregoam autonomia mas castram toda e qualquer livre iniciativa das escolas. Nada muda. Apenas se refina o cinismo, na medida em que muito do anteriormente facultativo (o pouco que não estava regulamentado) passa agora a obrigatório. Não há uma só coisa que seja importante na vida da escola que o órgão de gestão possa, autonomamente, decidir. Um e outro são uma ode ao centralismo asfixiante.
2. O novo diploma diminui o peso dos professores da escola nos órgãos de gestão dessa escola. Esclareço a aparente redundância trazida pela insistência no vocábulo 'escola' na construção deste parágrafo. É que o novo diploma torna possível que um professor de qualquer escola, mesmo que seja privada, concorra a director de qualquer outra, pública, mediante 'um projecto de intervenção na escola'. Que estranho conceito de escola daqui emana! Como pode alguém que não viveu numa escola, que não se envolveu com os colegas e com os alunos dessa escola, que não sofreu os seus problemas nem respirou o seu clima, conceber 'um projecto de intervenção na escola'? (…)
Mas que está por baixo do celofane? A 'abertura' é uma falácia. O Conselho Geral, com a participação da comunidade, já existe, com outro nome. Chama-se Assembleia. Porém, os casos em que esta participação teve relevância são raros. E quem está nas escolas sabe que não minto. Ora não é por mudar o nome que mudam os resultados. A participação da comunidade não se decreta. Promove-se. Se as pessoas acreditarem que podem mudar algo, começam a interessar-se. Mas o despotismo insaciável que este Governo trouxe às escolas não favorece qualquer tipo de participação. Para que as pessoas possam participar, há décadas que Maslow deu o tom: têm que ter necessidades básicas resolvidas. Aqui, as necessidades básicas são não terem fome, terem tempo e terem uma cultura mínima. (…)
Lideranças fortes? Deixe-me rir enquanto não proíbe o riso. O senhor que só quer uma liderança forte, a sua, que até o seu partido secou e silenciou, quer lideranças fortes nas escolas? É falso o que digo? Prove-o! Surpreenda uma vez e permita que professores independentes discutam publicamente o deserto em que está a transformar a Escola Pública e para que este diploma é o elo que faltava.
"
A propósito do tal "projecto de intervenção na escola", hoje, conversava com colegas sobre o assunto e veio à lembrança uma prática do passado recente do nosso país... Recordam-se da época em que foram constituídas empresas para construir para os seus clientes projectos candidatos a verbas oriundas da União Europeia?
Esta proposta de modelo está em discussão até final do mês. Noto que muitos colegas estão à margem da discussão. Mas seria bom que ela se fizesse. Em elaboração está um manifesto que pode ser lido aqui e que irá recolher assinaturas. Era bom que houvesse mais envolvimento!