quinta-feira, 31 de julho de 2008

Minudências (27)

Dia Mundial... de quê?
Desconhecia que havia um Dia Mundial do Orgasmo. Soube-o a propósito da data de hoje na wikipedia. É uma data como qualquer outra, neste tempo em que se está de haver um dia especial para tudo. Pesquisei e encontrei um artigo na edição online de Isto é – Gente, datado de Agosto de 2003, assinado por Carmita Abdo. A ideia terá surgido em Inglaterra em 1999 a partir de redes de sex-shops, que terão concluído que “80% das mulheres inglesas não atingem o clímax em suas relações”. O artigo de Abdo, psiquiatra e professora da Universidade de São Paulo, abre, dizendo que esta data “tem o objectivo de manter acesa a discussão sobre a libido e as disfunções sexuais que afectam pessoas em todo o mundo”. Podem ser invocadas mil razões, mas… não será este um “dia” publicitário?
Descobri depois que há “sítios” que indicam uma data de Dezembro, bem próxima do Natal, para Dia Mundial do Orgasmo. E, num blogue brasileiro, era dito, em Maio de 2005, que “uma pesquisa com 80 mulheres entre 14 e 51 anos na cidade de Esperantina, no Piauí revelou que 71,25% das esperantinenses nunca atingiram o orgasmo. Considerando a gravidade da situação, os vereadores instituíram o dia 09 de Maio, o Dia do Orgasmo, tornando-se assim, a única cidade do mundo a celebrar esse evento.” Bom, a verdade é que, afinal, não há dia certo e combinado para o orgasmo. Mas isso já a gente sabia…

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Rostos (77)

Inês de Castro, sobre uma varanda, em Alcobaça

Minudências (26)

E depois das massagens?
«Marinha proíbe massagens nas praias algarvias pois 'todos sabem como começam mas ninguém sabe como acabam'». A notícia é do Público de hoje, que continua: «Qualquer gesto que possa ser interpretado como uma "situação mais íntima" nas praias algarvias está proibido, por ordem do Comando Marítimo do Sul (CMS). Pedir ajuda para espalhar protector solar nas costas, ainda vá que não vá, mas se o movimento deslizar para uma prática que possa ser interpretada como massagem, a Polícia Marítima avança para aplicar uma coima, não vá algum turista queixar-se de atentado ao pudor.» Tudo terá a ver com a massagem enquanto prestação de serviços…. Mas não deixa de ser preocupante. Como é que num país com febre regulamentadora as massagens tinham ficado de lado? Ainda bem que há uns puristas dos costumes que olham para esta coisas com olhos de poder!!! Não sei se percebi, mas... o problema não é com as massagens, é com o que pode vir depois, não é? Ah, o depois...
Daqui a 50 anos alguém terá que explicar estes pruridos. Ocorre-me agora uma citação do Mário Zambujal no seu último romance - Já não se escrevem cartas de amor (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008): a história passa-se na Lisboa dos anos 50 do século passado e o narrador relembra o prazer dos chás dançantes de final de tarde, logo acrescentando (para os leitores mais novos, evidentemente) que "quem não viveu essa época, ignora que apalpar a namorada na rua ou dar beijos glutões na boquinha dela era caso de polícia, por atentado ao pudor e à moralidade pública". Daqui a meio século, alguém terá de escrever coisa semelhante sobre o verão de 2008 nas praias do Algarve...

Minudências (25)

Notas & notas (II)
«A média da segunda fase do exame nacional de Matemática A do 12º ano não atingiu os nove valores, registando um resultado pior que o do ano passado (9,3) e contrariando, assim, a tendência positiva da primeira época em que a média foi de 12,5 valores – a melhor dos últimos anos.» O texto é do Público, mas a notícia já começou a ser divulgada ontem. Questiono-me quanto à validade dos argumentos usados pela tutela do Ministério da Educação para explicar a subida dos resultados em Matemática na 1ª fase, quando dizia que esses bons resultados se deviam ao "efeito combinado de três factores": "mais tempo de trabalho e estudo por parte dos alunos acompanhado pelos professores no âmbito do Plano de Acção para a Matemática", "provas de exame correctamente elaboradas, sem erros e com mais tempo de realização" e um "maior alinhamento entre o exame, o programa e o trabalho desenvolvido pelos professores". Aqui temos como as notas dos exames do Ensino Secundário podem ser transformadas num hino de propaganda. Aqui temos como é utópico, por exemplo, avaliar um professor tomando como uma referência o desvio entre as notas que o professor atribuiu e as que os seus alunos obtiveram no exame nacional. Quem garante que as provas de exame são melhores referências do que as provas feitas ao longo de um ano lectivo? Quem garante que os alunos que vão à 1ª fase são melhores do que os que vão à 2ª fase? A análise dos resultados dos alunos não pode resultar de uma precipitação de conveniência temporal, tem que ser estudada e pensada. Só assim terá interesse para melhorar processos e resultados. O resto…

terça-feira, 29 de julho de 2008

Rostos (76)

S. Francisco, em Pavia (Ermida de S. Francisco)

Para uma antologia da região de Setúbal (6): "Nossa Senhora da Anunciada", por Carlos Fernando Russo

Nossa Senhora da Anunciada, em Setúbal, é paróquia desde 1553, instituída pelo mesmo diploma que criou a paróquia de S. Sebastião. O nome da freguesia anda associado a lenda desde o século XIII, mas revela o fervor que ali despontou, ao longo de uma história que nem sempre foi pacífica. O espaço que constituiu a primitiva igreja da Anunciada e o hospital que lhe foi anexo são hoje serviços diocesanos, com estrutura remodelada recentemente, pretexto que levou ao aparecimento do livro Nossa Senhora da Anunciada – Devoção e História no Povo de Setúbal, de Carlos Fernando Russo (Prior Velho: Paulinas, 2008).
Ao longo de meia centena de páginas, Carlos Russo traça a história dos dois edifícios: a igreja, desde o que seria a ermida fora de muralhas em honra da Senhora da Anunciada, passando pela criação da Confraria respectiva, pela protecção régia, pelos desastres provocados pelos terramotos de 1531 e de 1755, pela criação da paróquia, pela igreja que foi dos jesuítas, pelas vicissitudes das misturas de momentos políticos conturbados (implantação da República), pelas utilizações do espaço que foi da igreja para fins absolutamente diferentes dos religiosos; por outro lado, o hospital, desde a sua função de aplicação dos princípios da caridade e das obras de misericórdia até à passagem para a Santa Casa da Misericórdia, com referências à enfermaria dos frades (onde morreu Frei Agostinho da Cruz). O autor confessa a dificuldade na obtenção de documentos que contem a história, mas insere alguns que se revelam importantes para demonstrar a importância deste espaço e deste serviço para Setúbal ao longo dos tempos, seja através de crónicas e testemunhos, seja por meio de diplomas régios.
O livro é ainda constituído por mais três textos, que surgem como “apêndices” – José Luís Neto, arqueólogo, escreve sobre “A intervenção arqueológica no Hospital da Confraria de Nossa Senhora da Anunciada – Dados Preliminares”, tarefa exigida pelo facto de este espaço se situar no centro histórico de Setúbal e ter carecido de movimentações de terras, em que historia a arqueologia urbana em Setúbal e dá conta das sondagens que ali efectuou em 2006; Nathalie Antunes-Ferreira assina “Os indivíduos exumados na Igreja de Nossa Senhora da Anunciada”, a partir da quase centena de inumações, concluindo sobre doenças várias que afectaram os indivíduos (85 adultos, 10 não-adultos, sendo os de sexo feminino mais do dobro relativamente ao masculino); Angelino Gomes, arquitecto, subscreve “Memórias do Projecto de Remodelação da Cúria de Setúbal, Novos Tempos”, apresentando uma memória descritiva das obras de adaptação levadas a cabo, que constituíram tarefa “de difícil génese devido à ocupação de numerosos espaços com paredes anteriores ao terramoto de 1755, o que dificultou a leitura do espaço na sua integralidade”.
Torna-se útil esta obra pelos recuos que faz na memória e na história e por congregar um interessante conjunto de informação pluridisciplinar sobre um espaço importante para a consolidação da cidade de Setúbal.
Carlos Fernando Russo (n. 1961), setubalense, é pároco de Alcochete e é ainda autor de A Ordem de Santiago e o Papado no tempo de D. Jorge: De Inocêncio VIII a Paulo III (Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2007), que constituiu a sua tese de mestrado.

domingo, 27 de julho de 2008

João Ubaldo Ribeiro, o "Camões" de 2008

João Ubaldo Ribeiro (n. 1941) foi o vencedor do Prémio Camões. O que aprecio na sua escrita é o tom de ironia e de coerência, de frontalidade e de conhecimento do homem. E dizer que o seu livro A casa dos Budas ditosos teve venda interdita em Portugal em supermercados por causa da linguagem, corria o final do século XX! É justamente dessa obra, a cujo lançamento assisti no Estoril e em que Ubaldo Ribeiro me ensinou o significado da palavra “xará” ao escrever uma dedicatória, que transcrevo um excerto sobre deuses e religião:
Os católicos são politeístas, botaram os santos no lugar dos deuses especializados. Os gregos e os romanos tinham um deus menor para cada coisa, regras atrasadas, artistas falidos, transações impossíveis, dívidas falimentares, casamentos, músicos bêbedos, agricultores, criadores de cabra, tudo, tudo, tudo. Os católicos substituíram os deuses pelos santos. Os músicos? Santa Cecília. Os ruins da vista? Santa Luzia. As solteironas? Santo António. E por aí, como você sabe. Até lugares. São José de Não Sei Onde? Diana de Éfeso, a mesmíssima coisa. Os deuses não foram derrotados ou eliminados, continuam imortais como sempre foram e somente mudaram de nome, se adaptaram às mudanças.” (A casa dos Budas ditosos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999).
O Prémio Camões, criado ao abrigo do Acordo Cultural Luso-Brasileiro em 1988 por iniciativa de Mário Soares e José Sarney, teve como primeiro vencedor Miguel Torga (1989) e foi já atribuído a outros escritores brasileiros – João Cabral de Melo Neto (1990), Rachel Queirós (1993), Jorge Amado (1994), António Cândido (1998), Autran Dourado (2000), Rubem Fonseca (2003) e Lygia Fagundes Telles (2005).
[foto a partir de www.focojornalistico.com.br]

sábado, 26 de julho de 2008

Rostos (75)

Figura feminina, de Henri Laurens, em Humlebæk (Museu de Arte Moderna Louisiana)

Tróia: até ver...

É um texto de Alice Brito, editado ontem, sobre assunto que anda na ordem do dia em Setúbal: o tarifário da travessia do Sado de barco.
«Se as tarifas de todos os barcos duplicarem no futuro, Tróia, aquela língua de areia, ali mesmo ao alcance dos olhos e das mãos, passará a ser um território tão distante como qualquer outra estância balnear naqueles paraísos improváveis, que a publicidade nos vende, longínquos e inacessíveis.
Na memória difusa desta cidade, de alma calejada por muitas e variadas malfeitorias, há um espaço de alegres afectos, espaço eleito, traçado a preceito pelo instinto do lazer - a praia.
Gerações sucessivas das suas gentes, durante os meses de muito verão, se encaminharam determinadas para os areais de sol de que a cidade era proprietária legítima.
Muita praia tem Setúbal a rendilhar-lhe a orla marítima em bilros líquidos e sedosos, desde a Arrábida, onde um mar de memórias esmeraldas descansa íntimo da serra, até à Figueirinha, cais onde atracam autocarros empanturrados de criançada de chapéu e balde, para não falar de Albarquel, ali à mão de semear, a dispensar transportes. E tantas outras. Galapos, Galapinhos, a Praia dos Coelhos, sucessões felizes de areia luminosa a deixar-se pisar pelos pés descalços dos habitantes da cidade.
Finalmente, Tróia, a península. (...)
»

Caboverdianidade em “Sodade de Cabo Verde”

“No dia seguinte, não havendo calma no Tarrafal, montaríamos o Ilhéu do Boi. Depois abria-se o mar largo. Com rumo de nornoroeste, a proa era a América.” Assim termina a história de Chiquinho, de Baltasar Lopes (com primeira edição em 1947), história em torno de uma personagem que viveu no espaço entre S. Nicolau e S. Vicente e que, depois, rumou através do oceano.
Vem isto a propósito da antologia de entrevistas Sodade de Cabo Verde (ed. Autor, 2008), de Gabriel Raimundo (n. Covilhã, 1945), obra que viaja pela comunidade cabo-verdiana em Portugal, na sua maioria emigrante, em cerca de oitenta conversas passadas a escrito, de retratados que exercem as mais diversas profissões em Portugal (depois de alguns deles já terem andado por outras geografias) – artistas, desportistas, políticos, causídicos, educadores, empresários, agentes da saúde, condutores de autocarros, etc.
A abrir, uma nota do autor das entrevistas não esconde a paixão pelo arquipélago, o que pode ser a motivação forte para este conjunto de vidas visitadas – “Pudesse eu escolher o local de nascimento perante o mapa do mundo e não hesitaria em assinalar as dez estrelinhas que emergem do Atlântico e que brilham como país-arquipélago, baptizado de Cabo Verde”.
Independentemente do tempo que têm de residência em Portugal, alguns mesmo cá nascidos de pais cabo-verdianos, a caboverdianidade passa-lhes pelo sentir e pelo discurso, sobretudo quando justificam o seu afecto por essa pátria – “Primeiro, por pertencer ao povo do país da morabeza, cheio de amizade, de alegria, dotado de uma maneira invulgar de estar na vida. Segundo, é a terra onde eu nasci, dos meus pais. Embora exista pobreza, há uma beleza muito grande em Cabo Verde, a começar pelas pessoas…” (Titina), “Eu tenho muito orgulho em ser cabo-verdiano, mas, se calhar, há em mim um orgulho ainda maior, que é o de querer ser boa pessoa e tentar ser prestativo, duma dimensão humana, partindo do sítio onde eu nasci.” (Corsa Fortes), “Um genuíno cabo-verdiano jamais se desvincula do próprio país! Pelo contrário, deve procurar dar o contributo possível para consolidarmos o nosso orgulho de cidadãos do país independente.” (Antero Ramos), “Cabo Verde é sempre a nossa casa! Eu vim para cá de pequenina, mas fui criada pensando nas coisas de lá, não deixando de falar o crioulo em casa… E é reconfortante sabermos que temos o nosso cantinho, um espaço de acolhimento.” (Elisabeth Tavares), “Nunca me posso esquecer do meu país de origem! Tanto mais que vim de lá com quase 23 anos, ou seja, com uma ideia formada de Cabo Verde. Nunca perdi as raízes, apesar de a minha família se ter espalhado pelos tradicionais países da Diáspora.” (André Moreira)
Nas entrevistas, não são escondidas as dificuldades (racismo, por exemplo), mas está sempre presente uma forte ligação ao espaço de origem, ou porque queiram para lá voltar, ou porque lá vão frequentemente, seja em trabalho, seja por altura de férias. Na mente, estão sempre votos de desenvolvimento para o país, enraizado na sua identidade cultural – “Acho que um dos erros da independência foi a africanização demasiada de Cabo Verde e o esquecer de uma das raízes do país que é a Europa e Portugal.” (Eugénio Tavares Sena), “O que eu gostaria, ao ir lá, (…) era que pudéssemos preservar uma parte ainda selvagem, onde fosse possível usufruir de uma certa tranquilidade, um sítio onde se possa estar calmo, reflectir na vida. Isto, porque ao fim e ao cabo, o que nós temos de bom, a nossa indizível riqueza é o povo cabo-verdiano.” (Neno). A vontade de reencontrar o país melhor mas ainda original é um traço que já vem de longe na expressão cabo-verdiana, tal como o referiu Jorge Barbosa num poema intitulado “Emigrante”: “Quando eu puser os pés no vapor que me levará / quando deitar os olhos para trás / em derradeiro gesto de desprendimento, / não chorem por mim. // Levarei numa pequena mala / entre a minha roupa amarrotada de emigrante / todos os meus poemas / todos os meus sonhos! // (…) // E se eu voltar / se voltar para a pobreza da nossa terra, / tal como fui, / humilde e sem riquezas, / também não chorem por mim / não tenham pena de mim. // Mas se eu trouxer esse ar de felicidade / que fica a arder na chama de charutos caros / que cintila em pedrarias de anéis vistosos / se anuncia em risadas ruidosas / e se garante na abundância das cifras bancárias, / então chorem por mim / tenham pena de mim, / porque a pequena mala do emigrante que fui, / com os meus poemas – os meus sonhos! - // ficou esquecida como coisa inútil, / como peso inútil, / não sei em que parte do mundo!” (in Claridade. S. Vicente: nº 6, Julho.1948, pp. 9-10).
Este Sodade de Cabo Verde constitui um bom documento para conhecer o outro, personificado na comunidade cabo-verdiana, estando nele presentes sugestões, comentários, críticas, desgostos, histórias e esperanças, contributo também válido para nos conhecermos um pouco mais.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Rostos (74)

Vasco Mouzinho de Quevedo, no monumento a Camões, em Lisboa, por Victor Bastos
Quevedo (séc. XVI-XVII), nascido em Setúbal, está representado num conjunto de oito figuras que rodeiam a base do monumento a Camões, construído entre 1860 e 1867. As outras personalidades representadas são Fernão Lopes, Pedro Nunes, Francisco Sá de Meneses, João de Barros , Jerónimo Corte-Real, Gomes Eanes de Azurara e Fernão Lopes de Castanheda .

O "Dicionário Imperfeito", de Agustina Bessa-Luís

O mais recente título de Agustina Bessa-Luís é Dicionário Imperfeito (Lisboa: Guimarães Editores), obra organizada por Manuel Vieira da Cruz e Luís Abel Ferreira, constituído por “ideias-chave, figuras, trechos significativos na obra de Agustina”, conjunto saído da obra não ficcional da escritora. Com esta obra, a editora inicia também a publicação da “opera omnia” agustiniana, seguindo-se os volumes da edição “ne varietur”.
Com quase meio milhar de entradas, entre “adaptação” e “vocação”, este conjunto de citações percorre os fundamentos e as crenças que constituem a trama da obra de Agustina, contributo importante para se perceber a forma como são urdidas as suas histórias e construídas as suas personagens, além de conter reflexões e ensinamentos sobre a identidade do tempo em que se está.
Por este livro perpassam ainda afirmações sobre pessoas (a começar na própria Agustina, em jeito de auto-retrato, e a continuar em Amadeo de Souza-Cardoso, Aquilino, Ingmar Bergman, Mário Botas, Camilo, Camões, Pascoaes, Dostoievski, Erasmo, Ferreira de Castro, Florbela Espanca, Freud, Greta Garbo, Garrett, Inês de Castro, Richter, Kirkegaard, Miguéis, Manoel de Oliveira, Pessoa, Marquês de Pombal, Régio, Francisco Sá Carneiro, Salazar, Santo António, D. Sebastião, Sidónio Pais, Mariana Alcoforado, Van Gogh, Vieira da Silva, Villon, Conde de Vimioso, Virgílio), sobre sítios (desde a “alma dos lugares” e passando por Barral, Brasil, Coimbra, Espanha, Porto, Foz do Douro, Hiroshima, Lisboa, Nova Iorque, Póvoa de Varzim, Rio de Janeiro, Roma, Sintra, Veneza), sobre sentimentos (amar, amizade, gratidão, sinceridade, simulação), sobre arte (artes plásticas, arquitectura, criação, escrita, literatura, poesia), sobre coisas (automóvel, computadores, guarda-chuvas, livros), sobre política (candidato, CEE, democracia, eleitor, governo, governantes, marcelismo, revolução de Abril), sobre personagens (Moby Dick, Tristão, Isolda, José do Telhado).
Na realidade, o que perpassa por este livro é a obra de Agustina e a sua visão do mundo, do tempo, da história e do país. Define a sua obra como “portuguesa, constituída por sentimentos e gente portugueses até à medula” e, se dúvidas houvesse quanto à importância deste livro para o conhecimento da obra da autora, bastaria ler citações como as encontradas para mulher (“O homem faz tentativas duma obra, a mulher opera sem necessidade de completar alguma coisa. Ela é um ser completo, princípio e fim, lugar, caso, dispersão do conflito em que a própria morte se descreve, se anuncia.”), pátria (“Eu amo a minha pátria para além dum comovido aldeanismo; amo-a como símbolo de todos os mundos de que somos parte. Acho que ela está reduzida a um cadáver de ideias e de actividades; a notícia política é como uma poeira que não deixa ver a cara das pessoas e as suas verdadeiras expressões.”), infância (“A infância vive a realidade da única maneira honesta, que é tomando-a como uma fantasia. Não tentem explicar o mundo a uma criança, que ela saberá despistar as provas oferecidas. Não lhe interessam provas, mas sim mistérios. Os adultos desempenham o papel de desmancha-prazeres: porque vigiam, porque ensinam, porque desprezam a imaturidade.”), fama (“Não há mal em não ter muita importância. Todo o calendário do comportamento humano está traçado para mentirmos a respeito dos nossos desejos e dos nossos humores. O homem não quer ser famoso; quando o é, isso resultou da sua harmonia com as suas aptidões e as necessidades colectivas. Mas é coisa que não se força, que não se ordena, apesar de as leis do marketing dizerem o contrário.”) ou educação sexual (“Fala-se do sexo como da colheita do chá em Tabriz, para usar linguagem do Eça. Mas do desejo ninguém fala. O desejo é temível porque nasce do impreciso e da ambiguidade. Todos os programas escolares que versam a educação sexual são duma perfeita boçalidade. O homem não se explica pelo que nele se regista, mas sobretudo pelo que nele se contempla. O desejo escapa à prática. É um espírito e, portanto, volátil. No olhar nublado dum adolescente vereis que ele entende isso, e cala.”).
Útil, pois, esta obra, que pode constituir uma iniciação a Agustina ou uma conclusão de Agustina. Pena, no entanto, que não sejam indicadas as fontes das citações. Ainda que a fonte seja a própria Agustina, certo é que, se houvesse indicações bibliográficas, por mínimas que fossem, seria interessante contextualizar as citações e ficar um repositório de bibliografia sobre a autora.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Rostos (73)

As crianças e os jogos Lego, em Billund (Legoland)

Manuel Alegre - sete partidas entre o Infante e o eu

O último livro de poesia de Manuel Alegre intitula-se Sete partidas (Lisboa: Edições Nelson de Matos) e apresenta-se como um poema dividido em doze partes, cujo título é sugerido pela figura que acompanha todo o poema – o infante D. Pedro (1393-1449), filho de D. João I, homem culto e viajado, que ficou conhecido com o epíteto de “Príncipe das Sete Partidas”.
O texto enuncia situações motivadoras para a escrita de um poema, aí funcionando como justificação para o próprio acto de poetar e de escrever – “pode escrever-se um poema quando as águas / irrompem no caderno e as montanhas se abrem / e do outro lado subitamente aparece // o país que não há”.
A poesia aparece, pois, como a (re)invenção do mundo, mas apresenta-se também como momento de reflexão ou de paragem num percurso. São vários os instantes em que é sugerida uma alteração de rumo – “O poema escreve-se nessa razão misteriosa que leva o Infante a retirar-se / sem saber ou talvez sabendo que ao fazê-lo está / a retirar-se da própria História e a permitir / que sejam outros a fazê-la e a escrevê-la” ou “Chega um tempo em que um homem se interroga / sobre o último sentido ou o sem sentido / o como o quê o para quê e o para onde / um tempo de balanço em que se mede / o vivido e o não vivido.”
O infante D. Pedro é um pretexto e o poema oscila entre a história dessa figura e o tempo de agora, em que o poeta é protagonista também – “eu sei que no mais fundo de mim / por entre pedras provocações insultos / enquanto D. Pedro avança eles atacam / às 20 em ponto na TV. E o poema escreve-se / no dia adverso como um sol inverso.” É, aliás, este indicador de contemporaneidade, aliado a outros (um tratado da Europa em Lisboa, por exemplo), que permite uma leitura deste poema sob a marca da escrita autobiográfica, acentuada em versos como estes, onde o poeta faz coincidir a data de escrita com a data de aniversário de Manuel Alegre: “O poema escreve-se (…) / por dentro / de nós mesmos neste 12 de Maio de 2008 / com tanta carta redigida e ainda não cumprida / tanta História já feita e ainda por fazer / e uma vida já longa na tão curta vida.”
Um poema abre, pois, outras saídas, outros paraísos, formas de dizer e de viver, partidas que existem também para o interior do poeta – “Há sempre outra cidade só na alma / um mar onde só chega o pensamento / um saber como Sócrates que se não sabe / senão que não se sabe e tudo passa / e só nesse passar é que se sabe.”

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Rostos (72)


Estátuas da Fonte do Centenário, em Setúbal (Av. Luísa Todi)
A "Fonte do Centenário", erigida por altura do primeiro centenário de Setúbal como cidade, em 1960, só viria a ter as esculturas em meados de 1971, peças do canteiro Fernando Marques Esteves sobre trabalho do escultor Arlindo Gonçalves da Rocha.

terça-feira, 22 de julho de 2008

José Saramago - "A consistência dos sonhos"

O segundo dia de férias deu-me a possibilidade de fazer uma coisa que vinha a ser sucessivamente adiada: visitar a exposição sobre José Saramago, no Palácio Nacional da Ajuda, produzida pela Fundação César Manrique. Assim, numa ida a Lisboa, depois de resolver compromisso já assumido, rumei com o filho para a Ajuda, na mira de uma "Consistência dos Sonhos", que assim se intitula a exposição. Havia também a ajudar o facto de esta mostra estar quase no seu termo, que sucederá em 27 deste mês...
Gostei. Pudemos ver demoradamente, saboreando o tempo e os instantes, degustando a história de um português que se fez escritor e se fez Nobel. Histórias de livros, de relações culturais, de trajectos, de uma vida. História em retrospectiva de uma formação literária e de um homem que, num dia de 1994, escreveu: "O meu compromisso é com o meu tempo". Muitos manuscritos, muitos dactiloscritos, muitos livros, muita documentação do que é tornar-se escritor; obras inéditas, algumas incompletas, entre as crónicas e os poemas, entre as cartas e o teatro, entre o romance e a intervenção, entre os apontamentos e as provas revistas, entre a investigação para a escrita e a tradução.
Indispensável. Pelo menos, indispensável. E, no final, se se quiser trazer para casa um pouco do que foi a sensação experimentada na visita, há possibilidades de compras - de livros, obviamente, mas também de outros registos. Como elemento bibliográfico saramaguiano, é de todo útil o documento resultante desta exposição, redigido por Fernando Gómez Aguilera - José Saramago: A consistência dos sonhos - Cronobiografia (Lisboa: Caminho, 2008). É uma outra maneira de ler Saramago. E de vermos a sua obra.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Sobre heróis (de ontem e não de hoje...)

Na habitual rubrica “Viagens na história” que assina na revista Tempo Livre, João Aguiar escolheu para título deste mês “Como o tempo passa!” (Tempo Livre. Lisboa: INATEL, nº 195, Julho/Agosto.2008, pg. 54). O texto foi escrito em época das euforias do Euro 2008 e pretende falar de heróis…
Nuno Álvares Pereira (séc. XIV), Luís de Camões (séc. XVI), Luís da Câmara Pestana (1863-1899), Aníbal Augusto Milhais (mais conhecido por “soldado Milhões”, 1895-1970) e Teixeira de Pascoaes (1877-1952) são os cinco heróis portugueses escolhidos por João Aguiar, homens que, “nos seus diversos domínios, conseguiram realizar obras verdadeiramente importantes que marcaram o rumo da nossa História”, cada um deles por uma boa razão – pela genialidade estratégica e pelo misticismo, pela poesia e pelo aventureirismo, pela luta contra a peste bubónica, pela acção na 1ª Grande Guerra e pelo prestígio na cultura, respectivamente.
E que tem isto tudo a ver com o Euro 2008? Eis a conclusão, de necessária leitura para rejeitarmos os excessos que nos foram impingidos, com a ajudinha costumeira da comunicação social, em tempo de simultaneidade de crise e de construção de heróis:

Poderá já vir um pouco fora de tempo, porque a época do Euro 2008 já passou… Mas esta opinião ajuda a perceber a grandeza dos desgostos assim como os excessos a que aderimos!

domingo, 20 de julho de 2008

Rostos (71)

Adamastor, por Jorge Colaço, no Palace Hotel de Buçaco (1907)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Um poema para o aeroporto, que já foi da Ota, de Lisboa e de Rio Frio

São cinco sextilhas que constituem a letra do "Vira da Ota", um poema a propósito de aviões, de obras, de sítios, de escolhas, de Portugal, da autoria de Francisco Pratas, acabado de publicar em O Canto dos Poetas, do Núcleo de Poesia do Grupo Desportivo "Independente" (Setúbal: nº 14, Julho/Setembro de 2008).

Rostos (70)

Eça de Queirós e a Verdade, em Lisboa, no Largo Barão de Quintela

O monumento actual é réplica de um outro, em pedra, de Teixeira Lopes, inaugurado em Novembro de 1903, que foi levado para o Museu da Cidade [de Lisboa] devido aos sucessivos actos de vandalismo. Está legendado com uma máxima da obra queirosiana A Relíquia - "Sob a nudez forte da Verdade o manto diáfano da Fantasia". A homenagem a Eça resultou de uma comissão à frente da qual estava o Conde de Arnoso, mas a forma como o monumento foi encarado não se revelou pacífica, pois os costumes levaram contestatários a manifestarem-se contra o desnudamento, como o fez um leitor do Correio Nacional em finais de Novembro de 1903: "Achei aquela obra por tal forma provocadora e lasciva, que entendo ficar mal a uma cidade consenti-la numa das suas praças. (...) Uma mulher de peregrina beleza, quase nua e naquela posição de lascívia pode, se quiserem, representar a Verdade, mas essa Verdade é daquelas que nem o decoro nem a polícia permitem que se descubram e a seriedade exige que se tapem com pano mais denso que o véu diáfano da fantasia."

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Rostos (69a)

Monumento à geminação de culturas tradicionais, por Kim Prisu, em Pinhal Novo
OBS: Depois de ter publicado fotografia mostrando parte deste monumento, respondo a pedidos no sentido de aparecer o monumento em figura completa.

Marcelo Rebelo de Sousa em entrevista

A revista Magazine - Grande Informação alusiva aos meses de Julho-Agosto (nº 24) contém entrevista com Marcelo Rebelo de Sousa, que, em jeito rápido, responde às perguntas, mantendo o estilo que lhe conhecemos do seu programa semanal de comentador ou dos seus escritos de análise. Eis alguns excertos. onde se nota a valorização do saber, a crítica directa, a preocupação com a educação, a força da auto-imagem, a ausência de complexos na política:
«(...) Se não fosse português, gostaria de ser o quê? Português. Só em terceiro lugar moçambicano. E em quarto brasileiro. Sempre lusófono.
Quais as semelhanças entre Salazar e Cunhal? Tinham ideais, lutavam por eles e essa luta persistente, teimosa, obstinada deixava a sensação de os fins legitimarem os meios. (…)
Qual a notícia que gostaria de ver a abrir o próximo telejornal? Último relatório de PISA dá a educação portuguesa a subir, em qualidade, para um dos cinco primeiros lugares da OCDE. (…)
Acha que os políticos em Portugal são mal pagos? Há-os bem demais. E há-os mal demais. Mas, em geral, deveriam ter estatuto correspondente às suas responsabilidades. E também responsabilidade bem maior do que a que se lhes exige. (…)
Parece-lhe que o processo Casa Pia irá morrer na praia? Que morrerá tarde, parece óbvio. Quando poucos se lembrarão já do início. Se, além disso, for na praia, que desprestígio para a Justiça portuguesa!
Pensa que o comum dos mortais tem razões para confiar nos nossos tribunais? Em termos de celeridade da Justiça, não. Em termos de Justiça no conteúdo das decisões, sim. Ainda. Apesar de denas evitáveis (e lamentáveis) de protagonismos excessivos ou de querelas entre os hoje (mal) chamados operadores judiciários. (…)
Acha-se com capacidade para um dia ser Presidente da República? Capacidade, sim. Condições objectivas, veremos. É uma hipótese possível. Não é uma inevitabilidade. E muito menos uma obsessão. A vida não acaba nem começa em Belém. Para o mal e para o bem. Para o mal – a recandidatura de Mário Soares. Para o bem – a sua pedagogia da Europa, os cargos internacionais de Jorge Sampaio e, mais singularmente, o doutoramento de Ramalho Eanes. (...)»

terça-feira, 15 de julho de 2008

Como a "pen drive" da Maia anda a agitar o mundo

A crónica intitula-se "O mundo inteiro numa pen drive", é assinada por Nuno Pacheco e vem no Público de hoje:
«Se julgavam que o último grito em matéria educativa eram os artifícios para simplificar os exames de Matemática e fazer de todo o aluno um génio em potência, esqueçam. Há mais e bem melhor do que isso. Na Maia, um sistema revolucionário vai permitir aos mais tenros rebentos em idade escolar andarem mais leves e deixarem de vez aquelas terríveis mochilas que os fazem parecer turistas de inter-rail. Além do mais, é simples e conciso. Basta pôr tudo numa pen drive. E a dita cuja no bolso. O velho Caderno Diário do tempo dos avós dará, assim, lugar a um novo Caderno Digital. A heróica tarefa tem já data de arranque e no próximo ano lectivo a felicidade invadirá o básico. Pelo menos os lugares (além da Maia) onde a tal pen drive substituir os pesados livros e cadernos.
Para quem não sabe o que é uma pen drive, digamos que é uma espécie de disco rígido de computador disfarçado de caneta. É pequena e tem vindo a ganhar memória, como se fosse uma esponja ou uma amiba. No curto espaço de escassos centímetros armazena-se hoje o que há 30 anos exigiria salas inteiras. É o progresso. E como deixar as crianças longe dele? De modo algum. Assim, tira-se-lhes peso das costas e põe-se-lhes tudo no bolso. "Menino, onde estão os trabalhos de casa?" "Tá tudo aqui na pen drive, stôr." E os cadernos? E os apontamentos da aula de ontem? Pen drive, claro. E os conteúdos, perdão, os livros? Na pen drive, onde haviam de estar? O projecto tratará do assunto.
E as canetas, os lápis, as borrachas, aquelas coisas que servem para escrever, para apagar, para rascunhar e escrever de novo? No museu. Porque agora há a pen drive. Escrever é só no computador, com teclas. À mão cansa. E a caneta pesa. E não cabe na pen drive.
Neste dilema revolucionário, os alunos vão começar a atirar para a pen drive tudo o que puderem. Até o lanche há-de um dia, miraculosamente, ser-lhes servido numa pen drive. Exagero? Esperem pelo futuro. Até lá, porque as coisas são assim mesmo, há que pensar em que ranhura vão os pequenos estudantes encaixar a respectiva pen drive. Terão um computador para cada um, certo? Ou vão fazer fila no computador único da aula, para descarregar a "mala" enquanto os outros ficam a ver? Dúvidas ridículas. Certamente que os autores do projecto pensaram em tudo. Como tornar produtivo tal sistema, como evitar que as crianças não tragam na pen drive o que habitualmente trazem (jogos, fotos, brincadeiras, etc.), como fazer disto tudo uma coisa eficaz e responsável. Sim, porque até os professores já trazem tudo o que precisam em pen drives. Eles e os gestores, os empresários, os corretores da bolsa. As pastas que trazem na mão é só para disfarçar. Na verdade, tudo aquilo de que realmente necessitam já vem no bolso, no disco de plástico.
Os anos que perdemos numa confusão de papéis! Agora, o admirável mundo novo das pen drives, além das maravilhas na redução de peso, trará conteúdos didácticos, quadros interactivos, jogos pedagógicos. Trará até interfaces da escola com a autarquia. E da escola com os pais. E de todos uns com os outros, que é para isso que estas coisas servem.
Se trará ou não melhores alunos é o que ninguém consegue ainda saber. Mas isso é porque ainda não conseguem metê-los em pen drives, embora o desejassem. Há-de chegar o dia e, nessa altura, serão mais portáteis. Em lugar das carrinhas para levá-los até à escola, bastará um distribuidor de pen drives. E com um saco bem pequeno. Quando finalmente dermos cabo do mundo, podemos deixar as sobras numa pen drive. Assim, os extraterrestres não terão dificuldade em encontrá-lo. Desde que tragam com eles um laptop, claro. Nas viagens intergalácticas, há que andar sempre prevenido.»

"+Museu", de Palmela

Já está em distribuição o nono número do boletim semestral +Museu, do Museu Municipal de Palmela, publicação simpática, coerente, útil, bem apresentada, em meu entender um dos melhores produtos culturais (em publicações) da Câmara Municipal de Palmela.
Preocupada com a história e a memória local, esta publicação apresenta dois trabalhos de fundo: por um lado, dá continuidade ao estudo e apresentação do espólio do Ferreiro Faria (a propósito da oficina de António Teixeira de Faria) iniciado no número anterior, elaborado por Maria Teresa Rosendo, que não se limita a uma síntese descritiva dos utensílios, mas historia e problematiza a profissão; por outro, em “Bandeiras de Adiafa”, Cristina Prata escreve sobre a prática festiva que marca o fim das vindimas, socorrendo-se de vários testemunhos orais, numa história reconstruída de memórias. Como separata, o boletim contém ainda o trabalho “Pinhal Novo em imagens pela máquina de Manuel Giraldes da Silva” (1898-1974), a pretexto do 80º aniversário da criação da freguesia de Pinhal Novo, com registo biográfico do autor por Maria Teresa Rosendo e reprodução de um dezena de fotografias dos anos 20 do século passado alusivas a Rio Frio e ao Pinhal Novo, por onde passam gentes, trabalhos e momentos festivos (recorde-se que foi a partir de fotografias de Giraldes da Silva, falecido no Montijo, que foram criados alguns dos painéis de azulejo que decoram a estação ferroviária de Pinhal Novo e o palácio de Rio Frio).
O conteúdo do boletim é, pois, aliciante para a história local, abre uma imensidão de propostas para a acção pedagógica e enriquece a memória.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

A Oriente, António Manuel Couto Viana

Em Março de 2007, António Manuel Couto Viana proferiu uma conferência na Delegação Económica e Comercial de Macau, em Lisboa, cujo texto foi agora publicado, sob o título O Poeta no Oriente do Oriente (Col. “Mosaico”, Instituto Internacional de Macau, 2008).
Este texto assume um cariz autobiográfico, ainda que a partir de uma história que é contada na 3ª pessoa, protagonizada por uma personagem apenas designada como “Poeta”, mas a que, num poema a pretexto da gruta de Camões, acrescenta o nome próprio como identificação: “António sou (tenho o teu nome) / E escravo, também, da poesia. / Para ela é que estendo, em cada dia, / A mão à minha fome.” Mas o cunho autobiográfico aparece logo no título, ao associar a personagem a uma das obras do próprio poeta.
São quatro os títulos de poesia que António Manuel Couto Viana dedicou ao Oriente: No Oriente do Oriente (1987), Não há outro mais leal e Até ao longínquo China navegou (ambos de 1991) e Orientais (1999), conjunto que, neste texto, serve como referência para explicar o fascínio desde cedo sentido por essa região e para apresentar o seu roteiro iniciático pelo Oriente a partir da sua poesia e de outros poetas portugueses nela evocados, em cuja linhagem Couto Viana se integra.
Convidado para trabalhar no âmbito do teatro em Macau em 1985, Couto Viana deixou-se arrastar pelo apelo do Oriente que já se exercia desde a infância – “O fascínio do Oriente distante e sortílego exercera-se logo sobre o seu espírito, recém-saído do colo materno e do hesitante tem-tem, surpreendendo, pelas salas da casa familiar, um ou outro móvel de exótico fabrico (…); um ou outro prato de faiança delicada e ornado de rosas e aves de comprido pescoço; o azul cantonês dos pagodes (…); a caixa de charão lustroso (…); a lata de chá com figuras estranhas de rabicho e cabaia (…)”. Houve ainda as histórias contadas pelo pai, vindas através de um amigo que conviveu com Camilo Pessanha, e a própria actividade do avô, em cujo comércio havia peças japonesas, “graças às diligências de Wenceslau de Morais”. Houve ainda a descoberta de Macau através da mão (e dos ensinamentos) de Monsenhor Manuel Teixeira e o prazer de redescobrir o Oriente com marcas de portugueses, sobretudo escritores, aqui se mencionando Pessanha, Camões, Bocage, Osório de Castro, António Patrício. E há também uma poesia que se nutre do ambiente das ruas povoadas, das paisagens, do clima, do folclore, da história, das mulheres, dos tufões, do encanto de Á-Má. O poeta vive intensamente o seu tempo macaense: “”Mergulho-me na vida, na voz deste bazar / Com lojas, tendas, vendedores de rua: / É um rio de rumor e cor, tentacular, / que flui, reflui e, de repente, estua.”
Em 1988, Couto Viana regressava a Portugal, vindo de Macau, onde assumiu um papel “de enamorado e pedagogo”. Foi um regresso sentido e difícil. Mas, passados quase vinte anos, é ainda forte o enamoramento por esse Oriente que viveu. Nesta palestra, tudo fica muito próximo do “breve roteiro lírico de Macau”, texto em prosa com que abriu o seu livro No Oriente do Oriente: “Chegas por mar. (…) E, neste primeiro instante, quase lamentas não ter aportado aqui, muitos séculos atrás, ao asilo da praia acolhedora, penetrado de lenda, trajando uns trapos sujos de cabaia do pescador que, por suprema felicidade, transportara no seu junco a divindade de A-Má (…).”
O Poeta no Oriente do Oriente é, assim, a palavra que revisita as terras e o tempo do fascínio, numa peregrinação em que a memória escrita e poética é uma forte aliada.

A diferença nem sempre é para melhor...

sábado, 12 de julho de 2008

Farol do Cabo Espichel em selo

Os faróis voltaram a ser tema numa emissão filatélica dos CTT (em circulação desde 19 de Junho), depois de, em 1987, já o terem sido a partir de desenhos de Maluda. Desta vez, a série é constituída por doze selos, com outros tantos faróis portugueses, sendo 10 do Continente (Montedor, Leça, Penedo da Saudade, Esposende, Santa Marta, Cabo Espichel, Cabo da Roca, Bugio, Cabo Sardão e Cabo de São Vicente), um da Madeira (Ponta do Pargo) e outro dos Açores (Arnel), em desenhos do atelier Acácio Santos / Hélder Soares.
O farol do Cabo Espichel, na zona de Sesimbra, tem construção datada de 1790, com reformulações várias ao longo dos séculos XIX e XX. Com uma altura de 32 metros, o farol tem um alcance de 26 milhas. Em escrito de 1872, Francisco Maria Pereira da Silva apresentou-o desta forma: “A luz deste farol é fixa e branca produzida por dezassete candeeiros de Argand com reflectores parabólicos, distribuídos na respectiva árvore em três ordens horizontais, formando um sector iluminado de 260º, com seis candeeiros na primeira ordem, cinco na segunda e seis na terceira, tendo um alcance de 13 milhas. A lanterna que abriga o aparelho tem 6,80 m de altura com seis faces de 1,30 m cada uma de largo. A cúpula tem uma chaminé no vértice que dá suficiente tiragem ao fumo; mas faltam-lhe em roda tubos para a ventilação e não tem pára-raios. O edifício em que assenta a lanterna é uma torre hexagonal formada de três corpos construídos de grossas paredes de alvenaria (…) A altura de todo o edifício, desde a base da torre até ao vértice da lanterna, é de 30,7 metros. (…) Para o serviço deste farol há só um faroleiro, que tem um homem a quem paga para o coadjuvar, o que bem mostra a necessidade de haver ali mais outro faroleiro para se alternarem naquele serviço, principalmente de noite.”
Na pagela que acompanha esta série, escreve J. Teixeira de Aguilar [também ele autor de uma obra como Onde a terra acaba – História dos faróis portugueses (Pandora, 2005)] que, “diferentemente do que sucede com os mareantes, que neles vêem sobretudo uma ajuda à navegação, os faróis são para o observador desinteressado ou ocasional uma fonte de mistério, que facilmente convoca toda a espécie de mitos e lendas”. Com efeito, o viajante sabe que onde há um farol há uma paisagem para deslumbrar, seja por aquela noção de que se chegou ao fim de uma linha, seja porque a costa se apresenta agressiva na sua natureza, seja porque a nossa imaginação se refugia na solidão e no silêncio deste ponto em que a terra acaba… O Cabo Espichel e o seu farol já foram, de resto, cenário privilegiado para uma história de mistério destinada ao público juvenil, quando Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada resolveram escrever Uma aventura na falésia (Lisboa: Caminho, 1983). Suscitando a aventura ou o mistério ou não, continua Aguilar, “a verdade é que se trata de construções humanas, cuja vida foi desde o início votada a preservar a de quem anda no mar – ontem por necessidade apenas, hoje também por prazer.”

"O estado da nação", por Vasco Pulido Valente

No Público de hoje:
«O"Estado da Nação"? Basta olhar para a Assembleia, quieta e calada, para se perceber o "Estado da Nação". Em nenhum parlamento da "Europa" subsiste um partido como o Partido Comunista Português, que não deixou ainda a "guerra fria" e vê Portugal como o via em 1960. Com uma certa razão. O PCP não é, por assim dizer, o artifício de um fanatismo inexplicável e ridículo: é o produto arcaico de uma economia arcaica e de um Estado autoritário e monstruoso. Num país moderno não existiria; na eterna "modernização" de Portugal prospera. Exactamente como o Bloco, que vem do mundo dúbio da heterodoxia marxista e se alimenta da pobreza letrada e de uma velha história, que só neste ermo, esquecido e miserável, continua. O PC e o Bloco são, segundo as sondagens, 20 por cento do eleitorado.
Fora isto, que já chega, há o "debate" entre os presuntivos representantes da democracia "burguesa". De facto, não há debate - de qualquer espécie. A oposição fala do atraso e da insuficiência do país, que naturalmente quase não varia, e atribui ao Governo a culpa dessa interminável desgraça. O Governo devolve a culpa à oposição, que já foi governo, e gaba os méritos das duas ou três coisas, que no meio da balbúrdia conseguiu fazer. Nunca, em tempo algum, se sai daqui. Assistir a uma sessão é assistir a todas. Nem as personagens mudam; e a realidade, essa, não penetra em S. Bento. Para os participantes neste ritual, a substância de uma questão ou de um argumento não contam. "Ganhar" é a afirmação de uma simples superioridade teatral ou da "esperteza" bronca e bruta, que "apanha" o próximo e que o indígena tanto estima.
Em 1975, a Assembleia ainda sabia gramática e usava com alguma eficiência a língua portuguesa. Hoje papagueia sem vergonha os lugares-comuns da propaganda partidária ou perora num calão administrativo e "técnico", que se destina habilidosamente a esconder a verdade ou o vácuo. A tradição oratória, até a salazarista, desapareceu. Não há memória de um discurso organizado e claro, que tenha tido sobre a opinião pública um efeito profundo e duradouro. A Assembleia é um clube privado que, de quando em quando, a televisão mostra a um país mais do que indiferente.
O "debate" sobre o "Estado da Nação" da última quinta-feira exibiu involuntariamente o país como ele é: a indigência intelectual, a mesquinhez de propósito, a irresponsabilidade política. Daquela gente não se pode esperar nada.»

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Minudências (24)

Notas & Notas
Os resultados dos exames do Ensino Secundário e do Ensino Básico, sobretudo os da disciplina de Matemática (mas também outros), têm alimentado uma discussão um tanto pacóvia e bem à portuguesa. Se os resultados tivessem sido maus (de preferência pior do que os do ano anterior), seria feito o gosto aos catastrofistas, que desancariam a escola, as condições, o Governo e mais mil e uma coisas; como os resultados foram melhores em termos globais, os catastrofistas alimentam a própria catástrofe, duvidando dos resultados, e o Governo explica que o êxito se deveu ao trabalho dos professores e dos alunos e a programas implementados.
Reconheço que o grau de dificuldade de algumas provas foi mais baixo do que em anos anteriores; os próprios alunos o notaram. Reconheço que este quase louvor ao trabalho dos professores é algo estranho, sobretudo depois de toda a ideia que o poder ajudou a criar sobre o trabalho dos professores até há uns meses atrás (pessoalmente, não me agrada este trajecto entre a desconfiança e a confiança tão subitamente implementado). Mas também reconheço que partir dos resultados deste ano para atirar foguetes ou para exagerar nas tintas do facilitismo... não passa de exageros e daquele opinar da mesma maneira sobre tudo e especialmente sobre educação, em que alguns teimam que está tudo cada vez pior.
É fácil fazer demagogia com a educação, seja ela a favor do poder ou contra o poder. É fácil, reconheço. Temo-lo visto. O futuro dirá se houve acasos ou propósitos. Mas também seria necessário que os que se assumem como duvidosos e os que se apresentam como certos e defensores dos métodos se situassem um pouco mais próximos da virtude...

Rostos (69)

Monumento à geminação de culturas tradicionais, por Kim Prisu, em Pinhal Novo

Em Azeitão, nesta noite

A lua subia em Azeitão, onde estão a decorrer as Festas da Arrábida e Azeitão, que vão até ao dia 13. Antes, actuara o Grupo Coral da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, num concerto que entusiasmou. A lua mostrou-se para aplaudir, que o Grupo bem mereceu!

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Rostos (68)

Busto de António Feijó, em Ponte de Lima

Máximas em mínimas (30)

Poesia
As pessoas lêem poesia porque fazem parte da raça humana e a raça humana arde de paixão! Medicina, direito, a banca… Estas coisas são necessárias à vida. Mas poesia, romance, amor, beleza? São estas coisas que nos mantêm vivos! (...) Se toda a gente fosse poeta, o planeta morreria à fome! Mas a poesia tem de existir, e nós temos de reparar nela, reconhecê-la na mais ínfima, na mais insignificante das coisas, ou teremos perdido e deixado passar muito do que a vida tem para nos oferecer.” – afirmações do professor Keating aos seus alunos nas aulas de Inglês.
N. H. Kleinbaum. O Clube dos Poetas Mortos.
Col. “Os Livros do Cinema” (4). Lisboa: “Diário de Notícias”, 2004.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Rostos (67)

"Maternidade", por Fernando Botero (1999), em Lisboa (ao cimo do Parque Eduardo VII)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Em formação

A avaliação do desempenho docente e o facto de ter cargos com ela relacionados levaram-me a uma acção de formação hoje iniciada. E quanto mais penso sobre o assunto mais me convenço de que a inquinação deste processo de avaliação foi grande: depois de tudo o que foi dito, depois dos avanços e recuos, depois do ambiente criado, eis que surge formação – agora – para explicar a filosofia do processo, para o aprofundar… quando muitas escolas e professores já investiram no aprofundamento e apropriação das regras e depois de muitos erros terem sido cometidos, incluindo nos sítios onde mais à frente se quis ir. Esta formação vem fora de tempo útil para um processo que tem que arrancar em Setembro, vem pôr de novo as pessoas a trabalhar à pressa para um processo que vai ser de avaliação. Já devia ter acontecido há muito, logo que o sistema começou a ser montado. Ter-se-iam evitado erros, desgastes e deslizes, independentemente de se concordar ou não com este método de avaliação. Esta formação, no mínimo, já deveria ter acontecido há muito, repito, mesmo para que as pessoas se apropriassem dos princípios e sobre eles reflectissem, optimizando o possível.
[imagem a partir de: www.renascenca.br]

domingo, 6 de julho de 2008

Ensimesmados

Um amigo, que viveu fora de Portugal durante cerca de oito meses e aqui regressou por um tempo de quinze dias, dizia-me no reencontro, no meio de uma conversa sobre o que somos: “É incrível como se chega a um espaço de livros como a fnac e tudo é diferente do que ali vi há oito meses!...” Neste caso, acompanha-se o ritmo das publicações que já mede os livros editados por dia e não por mês ou por semana… Forçosamente, o panorama tinha que ser diferente! “Mas também acho que o país está triste, quase sinto o retrato de um povo deprimido. Quando saí, não se sentia isso assim!...” Vejo-me a concordar com ele. E este resultado não é dado por estatísticas vindas de um organismo estrangeiro que diz que os portugueses são dos povos mais tristes do mundo no presente, não! O país não está na mesma quanto ao seu estado de espírito. Eça teria de arranjar um final diferente para Os Maias, pois não conseguiria pôr Carlos a olhar para uma sociedade que se mantinha igual ao que fora uns anos antes, com os “mesmos” hábitos, a “mesma” vida, as “mesmas” figuras nos “mesmos” sítios da “mesma” maneira e com o “mesmo” ar, sobretudo quando olhasse o vulgar cidadão da rua…

sábado, 5 de julho de 2008

Rostos (66)

Elemento do conjunto escultórico "Onde o tempo passa 1", de Manuel Seita,
em Almodôvar (área de serviço da A2, no sentido sul-norte)

Hoje, no "Correio de Setúbal"

DIÁRIO DA AUTO-ESTIMA – 82
Futebol – O desempenho da Selecção Nacional foi o que foi e os resultados são o que são. Teria sido bom que a equipa portuguesa tivesse ido mais longe; mas teria sido muito melhor que essa mesma equipa não tivesse sido transformada (como foi) na poção milagrosa que anestesiou o país por uns tempos. Ainda antes de o campeonato europeu começar, já se apontava Portugal como um provável vencedor, gesto que nos vem dessa mania de que tudo é fácil perante a nossa força e que nos leva a subestimar o empenho dos concorrentes que estão ao nosso lado. Felizmente, o filme acabou e a vida passou a ser mais próxima da realidade – com dificuldades, com agruras, com dores e com alegrias também. Regressávamos de uma anestesia ou de uma ficção como aquelas que vamos construindo para nos alhearmos da dureza quotidiana? Somos um povo de excessos de que a publicidade se vai aproveitando mas com os quais pouco ganhamos. E tem sido muitas vezes assim. Só que teimamos em não aprender…
Sair – Uma boa sugestão para quem viva por Setúbal ou aqui venha é uma ida ao Parque Urbano de Albarquel, recentemente inaugurado. É um passeio alegre, descontraído, higiénico. Longe dos ruídos citadinos (ainda que à saída da cidade), com uma paisagem de cenário feliz, com árvores que vestem a paz, com brisas que nos cumprimentam à passagem. A gente vê e sente e pensa: de que tem Setúbal estado à espera para que haja espaços destes? O que impede que a cidade se volte para as pessoas? A existência daquele espaço leva-nos a pensar que é triste não haver outros idênticos na longa frente que a cidade tem para o Sado, que todos temos andado a desperdiçar tempo de costas voltadas para a beleza que rodeia a cidade. Lamentavelmente. Vale a pena um passeio a este parque também para se ver o que não temos aproveitado.
Ver – Para quem goste de fotografia, aliás, para quem aprecie os momentos do tempo associados aos fragmentos do dia e à vida dos sentidos, uma outra proposta: Fragmentos de Emoção (Lisboa: Editorial Minerva, 2008), antologia de quase meia centena de fotógrafos amadores e amantes dos instantes em que se repara no que está. No total, quase centena e meia de fotografias, por onde perpassa a cor e o preto-e-branco, as coisas e as pessoas, a paisagem e o mundo próximo, os sentimentos e o outro, a luz e a recriação, a vida e a descoberta, o dia e os reflexos, o fascínio e a sensibilidade, a aventura e os afectos. O livro vê-se e lê-se com gosto, assim como num assomar às janelas do mundo para espreitar a energia dos momentos.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Rostos (65)

À moda da Nazaré, na Nazaré

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Viriato Soromenho-Marques: uma autobiografia que reconhece os amigos e assenta na reflexão

Desde há uns anos, o JLJornal de Letras, Artes e Ideias – tem dedicado a sua última página a um género literário específico: o autobiográfico, convidando personalidades de diversas áreas à partilha com os leitores das suas “autobiografias”. Esta, como muitas outras razões, pode ser uma boa causa para o exercício da escrita autobiográfica. Na edição desta quinzena (nº 985, 2.Julho.2008, pg. 44), o mergulho na narrativa do eu dá-se pela pena do setubalense Viriato Soromenho-Marques, que a inicia da seguinte forma: “Aos 50 anos já é possível fazer essa narrativa, sempre parcial e omissa de rigor, que se traduz numa meditação autobiográfica. Trata-se de contar como a nossa vida tocou e foi tocada por outras vidas.”
Assim explicado o género (porque de uma explicação ou justificação se trata), Soromenho-Marques cumpre escrupulosamente as consequências do arrazoado, povoando o seu registo com uma dose qb de reflexão e com uma maior dose de inscrição dos amigos. Partindo da raiz, não apenas geográfica, mas sobretudo familiar, para cada uma das seis partes que desenvolvem o texto, há pistas de reflexão e de crenças, há notações de experiências e de percursos e há os amigos que a propósito dessas áreas entraram no caminho.
Que reflexões? Sobre “Mar e montanha”: “A minha relação com o mar foi sempre directa, sem a mediação de barcos, pranchas ou fatos de mergulho”. Sobre “Livros”: “De certo modo os livros têm sido para mim uma prática de orientação. Cristalização de ordem, num fluxo erosivo e em constante mudança. Marcos miliários assinalando rumos e estados do mundo.” Sobre “Guerra e paz”: em 1983 (estava Soromenho-Marques na Alemanha), “a guerra nuclear surgia como o típico risco ontológico da nossa era. (…) Vencer a guerra-fria permitiria, assim o julgava, ganharmos tempo para combater outro risco ontológico, o da crise global do ambiente.” Sobre “Estudar”: “Talvez a paixão maior. Dentro e fora do espaço Escola. A aprendizagem é o diálogo organizado e disciplinado.” Sobre “Grandeza”: “Não concebo um mundo habitável sem grandeza. Ela é o equivalente ético do sublime natural. É um bem escasso, numa era de mercado em que tudo se troca.”
Mas este registo autobiográfico de Soromenho-Marques não se fica pelo passado, como frequentemente acontece neste género de escrita. Numa curta última parte, intitulada “Futuro”, há uma mensagem que não é apenas para os outros, mas é sobretudo uma convicção própria: “O futuro antes estava garantido, hoje temos de lutar por ele. Pelo presente dos nossos filhos. A morte de cada um só é definitiva se toda a memória for abolida. A nossa civilização corre para um colapso, que, contudo, ainda pode ser evitado. Teremos a coragem de encontrar no serviço do futuro um critério de valor para as nossas vidas?”
Um texto que vai falando da relação do eu com os outros e com o mundo termina a falar de um “nós”, em que, por razões de consciência cívica, o eu se insere porque o futuro e o seu desafio são colectivos.

Rostos (64)

"O segredo" (pormenor), de Lagoa Henriques (1972), em Lisboa (Jardim Amália Rodrigues)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Associação Cultural Sebastião da Gama - "Boletim" nº 5

O quinto número do Boletim Informativo da Associação Cultural Sebastião da Gama, datado de Junho, já está em distribuição. Publicação semestral, com 16 páginas nesta edição, por lá passam títulos como: “A propósito de uma caricatura…” (sobre o livro de curso da licenciatura do poeta), “10 de Abril de 2008 – O primeiro Dia Municipal da Arrábida” (relato dos acontecimentos dessa celebração, com comunicações, discursos e fotografias), “Sebastião da Gama em Lamego e em Moimenta”, “Sebastião da Gama na Secundária de Caneças” e “Em Pegões, na Escola, com alunos e com Sebastião da Gama” (registos de acções levadas a cabo pela Associação nas respectivas escolas), “Sebastião da Gama estudado por Alexandre Santos em investigação de mestrado” (sobre provas de mestrado que tiveram a obra do poeta de Azeitão como objecto de estudo, prestadas na Universidade Aberta), “Relatório de Actividades e contas referentes aos anos de 2006 e de 2007”, “Pintores em homenagem a Sebastião da Gama” (sobre exposição promovida pela Associação), “Sebastião da Gama na Vila Faia” (a presença do monumento a Sebastião da Gama na telenovela), “O poeta beija tudo…” (sobre reportagem divulgada na net alusiva a Sebastião da Gama), “In memoriam” (a propósito dos falecimentos de Artur Pascoal Cardoso, de Manuel Pereira Pires e de Maria Alice Botelho Moniz, respectivamente familiar, aluno e colega de Sebastião da Gama), “A Serra da Arrábida” (texto da mais jovem associada da Associação, com 12 anos), “Sebastião da Gama oferecido ao Concurso Nacional de Leitura do Distrito de Setúbal”, “Sebastião da Gama e os brinquedos” (sobre livro alusivo aos brinquedos populares editado pelas Câmaras de Fundão, Marinha Grande, Montemor-o-Novo e Vila Real de Santo António), “A proximidade da poesia” (a propósito de antologia organizada por Alice Vieira), “António Osório lembra Sebastião da Gama” (a partir de livro de memórias de outro poeta de Azeitão, que conheceu Sebastião da Gama), “Matilde Rosa Araújo celebra aniversário com novo livro para crianças” (sobre evento recentemente ocorrido) e “Já temos uma sede” (sobre as instalações da Associação, em Azeitão).
O Boletim, de distribuição gratuita, teve tiragem de 2000 exemplares e pode ser pedido à Associação Cultural Sebastião da Gama (Praça da República, 37 – 1º Esq, em Azeitão) ou ao responsável por este blogue (utilizando o e-mail indicado em cabeçalho).

União ibérica em torno do futebol

Este é o cartoon que Luís Afonso publica no Público de hoje. Humor qb, claro! Também diz muito de nós... e dos outros, resumindo a história do europeu de futebol ao início e ao final, porque pelo meio ficou todo o espectáculo (bom e menos bom, exagerado e supérfluo) a que assistimos.

Les uns... et les autres

Um professor de Setúbal, António Galrinho de seu nome, vê, no Público de hoje, uma sua carta publicada na rubrica "Cartas ao Director". O tema é, no mínimo, actual - o que une polícias, professores e juízes, aliás, o que distingue estes mesmos grupos profissionais? Um indicador a partir das agressões de que uns e outros têm sido vítimas... E ainda: qual o papel dos políticos para este estado de coisas?
«Os polícias sempre ganharam mal e sempre trabalharam sem as condições que a sua actividade exige. Contudo, seria de esperar que, pelo menos, fossem respeitados pelos cidadãos e pelos governantes, mas isso não acontece. Manifestam-se, mas não lhes dão ouvidos. São agredidos e não podem utilizar a força para se defender. A autoridade está desprovida de autoridade. Polícias agredidos (às dezenas!) "são casos isolados"; diz quem nos governa que não há caso para alarme. Os professores deixaram de ter a consideração devida por serem transmissores de conhecimentos para as novas gerações se prepararem para o futuro, que se quer sempre melhor. Quem governa trata-os por bandidos, assim como alguns fazedores de opinião. Manifestam-se, mas quem devia não lhes dá ouvidos. Também são desrespeitados e agredidos (às centenas, no mínimo!), quer por alunos, quer por encarregados de educação. Diz quem nos governa que "são casos isolados", nada que possa gerar preocupação. Recentemente, foram agredidos dois juízes (só dois!). Aqui sim, a coisa apresenta-se feia! Juízes agredidos... é coisa impensável, que não pode acontecer num estado de direito. Mas, quem trata os polícias e os professores como tem tratado não se devia admirar com as agressões aos juízes, até porque são só dois "casos isolados". Ironia, claro!Que dirá quem nos governa quando os políticos forem alvo de agressões idênticas? Provavelmente vai dizer que os polícias não garantem segurança, que os professores não sabem educar e que os juízes não sabem aplicar a justiça, e que tal se reflecte na sociedade. Não está mal pensado, não senhor. Quem semeia ventos, está à espera de colher o quê?»