“No dia seguinte, não havendo calma no Tarrafal, montaríamos o Ilhéu do Boi. Depois abria-se o mar largo. Com rumo de nornoroeste, a proa era a América.” Assim termina a história de Chiquinho, de Baltasar Lopes (com primeira edição em 1947), história em torno de uma personagem que viveu no espaço entre S. Nicolau e S. Vicente e que, depois, rumou através do oceano.
Vem isto a propósito da antologia de entrevistas Sodade de Cabo Verde (ed. Autor, 2008), de Gabriel Raimundo (n. Covilhã, 1945), obra que viaja pela comunidade cabo-verdiana em Portugal, na sua maioria emigrante, em cerca de oitenta conversas passadas a escrito, de retratados que exercem as mais diversas profissões em Portugal (depois de alguns deles já terem andado por outras geografias) – artistas, desportistas, políticos, causídicos, educadores, empresários, agentes da saúde, condutores de autocarros, etc.
A abrir, uma nota do autor das entrevistas não esconde a paixão pelo arquipélago, o que pode ser a motivação forte para este conjunto de vidas visitadas – “Pudesse eu escolher o local de nascimento perante o mapa do mundo e não hesitaria em assinalar as dez estrelinhas que emergem do Atlântico e que brilham como país-arquipélago, baptizado de Cabo Verde”.
Independentemente do tempo que têm de residência em Portugal, alguns mesmo cá nascidos de pais cabo-verdianos, a caboverdianidade passa-lhes pelo sentir e pelo discurso, sobretudo quando justificam o seu afecto por essa pátria – “Primeiro, por pertencer ao povo do país da morabeza, cheio de amizade, de alegria, dotado de uma maneira invulgar de estar na vida. Segundo, é a terra onde eu nasci, dos meus pais. Embora exista pobreza, há uma beleza muito grande em Cabo Verde, a começar pelas pessoas…” (Titina), “Eu tenho muito orgulho em ser cabo-verdiano, mas, se calhar, há em mim um orgulho ainda maior, que é o de querer ser boa pessoa e tentar ser prestativo, duma dimensão humana, partindo do sítio onde eu nasci.” (Corsa Fortes), “Um genuíno cabo-verdiano jamais se desvincula do próprio país! Pelo contrário, deve procurar dar o contributo possível para consolidarmos o nosso orgulho de cidadãos do país independente.” (Antero Ramos), “Cabo Verde é sempre a nossa casa! Eu vim para cá de pequenina, mas fui criada pensando nas coisas de lá, não deixando de falar o crioulo em casa… E é reconfortante sabermos que temos o nosso cantinho, um espaço de acolhimento.” (Elisabeth Tavares), “Nunca me posso esquecer do meu país de origem! Tanto mais que vim de lá com quase 23 anos, ou seja, com uma ideia formada de Cabo Verde. Nunca perdi as raízes, apesar de a minha família se ter espalhado pelos tradicionais países da Diáspora.” (André Moreira)
Nas entrevistas, não são escondidas as dificuldades (racismo, por exemplo), mas está sempre presente uma forte ligação ao espaço de origem, ou porque queiram para lá voltar, ou porque lá vão frequentemente, seja em trabalho, seja por altura de férias. Na mente, estão sempre votos de desenvolvimento para o país, enraizado na sua identidade cultural – “Acho que um dos erros da independência foi a africanização demasiada de Cabo Verde e o esquecer de uma das raízes do país que é a Europa e Portugal.” (Eugénio Tavares Sena), “O que eu gostaria, ao ir lá, (…) era que pudéssemos preservar uma parte ainda selvagem, onde fosse possível usufruir de uma certa tranquilidade, um sítio onde se possa estar calmo, reflectir na vida. Isto, porque ao fim e ao cabo, o que nós temos de bom, a nossa indizível riqueza é o povo cabo-verdiano.” (Neno). A vontade de reencontrar o país melhor mas ainda original é um traço que já vem de longe na expressão cabo-verdiana, tal como o referiu Jorge Barbosa num poema intitulado “Emigrante”: “Quando eu puser os pés no vapor que me levará / quando deitar os olhos para trás / em derradeiro gesto de desprendimento, / não chorem por mim. // Levarei numa pequena mala / entre a minha roupa amarrotada de emigrante / todos os meus poemas / todos os meus sonhos! // (…) // E se eu voltar / se voltar para a pobreza da nossa terra, / tal como fui, / humilde e sem riquezas, / também não chorem por mim / não tenham pena de mim. // Mas se eu trouxer esse ar de felicidade / que fica a arder na chama de charutos caros / que cintila em pedrarias de anéis vistosos / se anuncia em risadas ruidosas / e se garante na abundância das cifras bancárias, / então chorem por mim / tenham pena de mim, / porque a pequena mala do emigrante que fui, / com os meus poemas – os meus sonhos! - // ficou esquecida como coisa inútil, / como peso inútil, / não sei em que parte do mundo!” (in Claridade. S. Vicente: nº 6, Julho.1948, pp. 9-10).
Este Sodade de Cabo Verde constitui um bom documento para conhecer o outro, personificado na comunidade cabo-verdiana, estando nele presentes sugestões, comentários, críticas, desgostos, histórias e esperanças, contributo também válido para nos conhecermos um pouco mais.
Vem isto a propósito da antologia de entrevistas Sodade de Cabo Verde (ed. Autor, 2008), de Gabriel Raimundo (n. Covilhã, 1945), obra que viaja pela comunidade cabo-verdiana em Portugal, na sua maioria emigrante, em cerca de oitenta conversas passadas a escrito, de retratados que exercem as mais diversas profissões em Portugal (depois de alguns deles já terem andado por outras geografias) – artistas, desportistas, políticos, causídicos, educadores, empresários, agentes da saúde, condutores de autocarros, etc.
A abrir, uma nota do autor das entrevistas não esconde a paixão pelo arquipélago, o que pode ser a motivação forte para este conjunto de vidas visitadas – “Pudesse eu escolher o local de nascimento perante o mapa do mundo e não hesitaria em assinalar as dez estrelinhas que emergem do Atlântico e que brilham como país-arquipélago, baptizado de Cabo Verde”.
Independentemente do tempo que têm de residência em Portugal, alguns mesmo cá nascidos de pais cabo-verdianos, a caboverdianidade passa-lhes pelo sentir e pelo discurso, sobretudo quando justificam o seu afecto por essa pátria – “Primeiro, por pertencer ao povo do país da morabeza, cheio de amizade, de alegria, dotado de uma maneira invulgar de estar na vida. Segundo, é a terra onde eu nasci, dos meus pais. Embora exista pobreza, há uma beleza muito grande em Cabo Verde, a começar pelas pessoas…” (Titina), “Eu tenho muito orgulho em ser cabo-verdiano, mas, se calhar, há em mim um orgulho ainda maior, que é o de querer ser boa pessoa e tentar ser prestativo, duma dimensão humana, partindo do sítio onde eu nasci.” (Corsa Fortes), “Um genuíno cabo-verdiano jamais se desvincula do próprio país! Pelo contrário, deve procurar dar o contributo possível para consolidarmos o nosso orgulho de cidadãos do país independente.” (Antero Ramos), “Cabo Verde é sempre a nossa casa! Eu vim para cá de pequenina, mas fui criada pensando nas coisas de lá, não deixando de falar o crioulo em casa… E é reconfortante sabermos que temos o nosso cantinho, um espaço de acolhimento.” (Elisabeth Tavares), “Nunca me posso esquecer do meu país de origem! Tanto mais que vim de lá com quase 23 anos, ou seja, com uma ideia formada de Cabo Verde. Nunca perdi as raízes, apesar de a minha família se ter espalhado pelos tradicionais países da Diáspora.” (André Moreira)
Nas entrevistas, não são escondidas as dificuldades (racismo, por exemplo), mas está sempre presente uma forte ligação ao espaço de origem, ou porque queiram para lá voltar, ou porque lá vão frequentemente, seja em trabalho, seja por altura de férias. Na mente, estão sempre votos de desenvolvimento para o país, enraizado na sua identidade cultural – “Acho que um dos erros da independência foi a africanização demasiada de Cabo Verde e o esquecer de uma das raízes do país que é a Europa e Portugal.” (Eugénio Tavares Sena), “O que eu gostaria, ao ir lá, (…) era que pudéssemos preservar uma parte ainda selvagem, onde fosse possível usufruir de uma certa tranquilidade, um sítio onde se possa estar calmo, reflectir na vida. Isto, porque ao fim e ao cabo, o que nós temos de bom, a nossa indizível riqueza é o povo cabo-verdiano.” (Neno). A vontade de reencontrar o país melhor mas ainda original é um traço que já vem de longe na expressão cabo-verdiana, tal como o referiu Jorge Barbosa num poema intitulado “Emigrante”: “Quando eu puser os pés no vapor que me levará / quando deitar os olhos para trás / em derradeiro gesto de desprendimento, / não chorem por mim. // Levarei numa pequena mala / entre a minha roupa amarrotada de emigrante / todos os meus poemas / todos os meus sonhos! // (…) // E se eu voltar / se voltar para a pobreza da nossa terra, / tal como fui, / humilde e sem riquezas, / também não chorem por mim / não tenham pena de mim. // Mas se eu trouxer esse ar de felicidade / que fica a arder na chama de charutos caros / que cintila em pedrarias de anéis vistosos / se anuncia em risadas ruidosas / e se garante na abundância das cifras bancárias, / então chorem por mim / tenham pena de mim, / porque a pequena mala do emigrante que fui, / com os meus poemas – os meus sonhos! - // ficou esquecida como coisa inútil, / como peso inútil, / não sei em que parte do mundo!” (in Claridade. S. Vicente: nº 6, Julho.1948, pp. 9-10).
Este Sodade de Cabo Verde constitui um bom documento para conhecer o outro, personificado na comunidade cabo-verdiana, estando nele presentes sugestões, comentários, críticas, desgostos, histórias e esperanças, contributo também válido para nos conhecermos um pouco mais.
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