Semáforos ambulantes
Subitamente, descobre-se que é necessário marcar os condutores que transitam ao nosso lado, numa paranóia de evidenciar, publicamente e à ganância, os estatutos dos outros. Assim, há quem proponha ao Ministério da Administração Interna (veio nos jornais de hoje) as tradicionais cores do verde-amarelo-vermelho para assinalar condutores quanto à periculosidade que eles representam, numa escala de risco baixo-médio-máximo, respectivamente. Sabemos que nem todos somos iguais; sabemos que a nosssa forma de conduzir depende de variadíssimas circunstâncias, mesmo pessoais; sabemos que nos cruzamos com muitos outros que só nos interessam na medida em que são pessoas, mas cujas vidas e personalidades pouco ou nada nos dizem; sabemos imensas coisas que, muitas vezes, praticamos de forma contrária, por insuficiência momentânea, por lapso, por reacções inesperadas por parte dos outros. Mas sabemos também que há a condução preventiva que nos aconselha o cuidado. E, apesar de sabermos tudo, por falha nossa, por falha mecânica ou por outras adversas condições, podemos estar sujeitos a ser causadores de acidente.
O que tem tudo isto a ver com esta necessidade pelintra de olhar para os lados para sabermos de que condutores estamos rodeados? Não será isto um pouco da paranóia de termos que classificar tudo e todos, nos mais pequenos gestos, numa linha de condenação ou juízo antecipado, sabendo mesmo que as garantias são mínimas porque um acidente pode acontecer aqui, ali, ao virar a esquina? Vamos fazer da condução um concurso ou um campeonato ao disticozinho verde? E, já agora, porque não há mais originalidade e é sugerida a aplicação de outras cores mais divertidas e menos monótonas? Se esta medida for para a frente, será interessante ver os automobilistas à procura da cor do dístico dos seus comparsas (que divertido e original para a condução!) e mais um tema de conversa ganharão os portugueses - "qual dístico te atribuíram?", "a mim, tramaram-me por causa de uma coisa sem importância", "vou fazer-me ao verde, bolas!" e outras coisas assim. E, nos agregados em que haja dois carros, pode ainda haver o sorteio (vamos no teu dístico ou no meu?") ou, no caso de diferentes tomadores de seguros e de diferentes dísticos, poder-se-á ainda combinar a cor com o tempo ou com o humor de quem vai conduzir... De facto, em Portugal, sempre tem havido a tentação do rótulo por tudo e por nada e para todos e o automóvel, então, tem sido o bombo na festa - eram as famosas matrículas com a letra K (lembram-se?) para assinalar que o carro viera da estranja, são os dísticos bem visíveis do GPL como combustível alternativo, é a exposição da seguradora a que estamos ligados, é a indicação do stand que vendeu ou que repara a viatura, foi o "ovo estrelado" dos 90 para os recém-encartados (recordam-se?)... Tanta curiosidade e tanta exposição pública não serão excessos? E qual é a relação entre a denúncia pública do risco e a prevenção dos acidentes? Desatamos todos a fugir quando virmos um dístico vermelho ao nosso lado? [foto a partir de Vivat Academia, Universidad de Alcalá, nº 40, Nov.2002]
Sem comentários:
Enviar um comentário