sábado, 16 de maio de 2009

Memória: Miguel de Castro, aliás, Jasmim Rodrigues da Silva (1925-2009)

Acabo de receber a notícia da morte do meu amigo Jasmim, aliás, Miguel de Castro, poeta, apreciador do mundo, grande leitor, "descoberto" por Sebastião da Gama. Sabia que estava hospitalizado em Setúbal há cerca de duas semanas, mas, quando ainda há menos de uma semana falei com ele ao telefone, deixámos um encontro marcado para logo que regressasse a casa. Coisas... Sinto ainda a comoção da surpresa, porque o Jasmim, aliás, o Miguel quis ser meu amigo. Foi graças a ele que conheci Luiz Pacheco, com ele muito viajei na poesia, com o seu humor me diverti. E a visita ficou subitamente suspensa. Abaixo reproduzo o texto que postei aquando do seu aniversário no ano passado, um pouco em jeito de memória.Em 1 de Junho de 1950, a partir da Arrábida, Sebastião da Gama escrevia uma carta a Vasco de Lima Couto, dizendo: “A Távola publicará esta semana o nº 6. Lê com atenção o Miguel de Castro, um rapaz espantosamente Poeta. É electricista e apareceu-me há três anos a mostrar uns versos para eu dizer se eram bons. Em geral, nem sabe quanto vale o que faz. E é hoje um menino querido de Setúbal, que, apesar de não querer saber de Literatura, terá destas carinhosas admirações". Esta colaboração de Miguel de Castro na revista Távola Redonda foi a primeira de três (participaria ainda no número 7 e no duplo 16/17).
Miguel de Castro prosseguiria o seu caminho poético, alicerçado em Sebastião da Gama, com o apoio e entusiasmo do qual publicou, em 1950, Fruto Verde, seguindo-se-lhe Mansarda, em 1953, dedicado aos pais e a Sebastião da Gama (que falecera no ano anterior). Colaborou em publicações como Bandarra e Colóquio-Letras e em jornais regionais e só voltaria a publicar em livro já na década de 90 – Terral (1990) e A sinfonia do cu (1993). O seu último livro, Os sonetos, data já de 2002.
Quando, em 1997, estudei o papel da revista Távola Redonda, pedi a Miguel de Castro um testemunho sobre Sebastião da Gama, que não demorou a chegar: “Aos primeiros versos que lhe mostrei, o Sebastião embandeirou em arco e garantiu-me que eu era Poeta, que nenhuma dúvida tinha, perante os versos que lhe mostrava. (...) Debaixo da sua orientação, fui melhorando a minha escrita, a minha poesia, (...) e, um dia, num memorável dia, disse-me para escolher alguns dos meus melhores poemas, a fim de serem publicados nas Folhas de Poesia Távola Redonda. Fiquei para morrer. Sebastião da Gama era muito exigente na escolha dos poemas para a Távola, (...) mas procurava saber, em primeiro lugar, da autenticidade do Poeta. Se ele era verdadeiro, o caminho estava aberto."
Este espanto resulta de um jovem, de formação autodidacta, que se dedicava às letras por sua conta e risco, ao mesmo tempo que prestava serviço na União Eléctrica Portuguesa. Quanto à sua poesia, quem melhor a definiu foi David Mourão-Ferreira, no prefácio para o livro de 1990: “Nítida e misteriosa, envolvente e evasiva, de sussurrada musicalidade, carregada de sugestões na sua sábia concisão, com mágicas zonas de sombra – e de assombro – a despeito da luz mediterrânea (ou quase) em que aparentemente se recorta: assim se me transmite e se me impõe, desde há cerca de quarenta anos, a poesia de Miguel de Castro.”
Miguel de Castro é o pseudónimo literário de Jasmim Rodrigues da Silva, a residir em Setúbal desde a juventude, mas nascido em Valadares em 1925.
[foto: Guia de Eventos, Câmara Municipal de Setúbal]

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