sábado, 2 de maio de 2009

Memória: José Gomes Sanches (1936-2009)

Muitas vezes nos encontrámos. Invariavelmente, na Culsete, em Setúbal, à volta de livros e de conversa, motivados pelo seu quê de tertúlia com o Manuel Medeiros. Sempre com uma pasta ou com livros. De poesia. Entremeados com umas folhas manuscritas. De poemas. Por vezes, fez de mim primeiro leitor. E, braços abertos, declamava, que as palavras, quando ditas, podem ser mais próprias e mais intensas do que quando escritas. Gosta? Eram poemas da (sua) vida. Nas sessões culturais animadas pelo Medeiros, na mesma Culsete, ele estava sempre presente. E intervinha. Normalmente com poema. Nem sempre de sua lavra, que Pessoa era um dos seus favoritos.
Hoje, pela manhã, a Fátima telefonou-me, ia eu a caminho de uns livros. “Sabe que morreu o Dr. Sanches?” Logo ali me atacou a saudade e me inundou a memória. E, ao chegar a casa, tive que espreitar alguns dos seus poemas. Reproduzo o soneto "Fuga", que abre o seu último livro:

José dos Reis Gomes Sanches nasceu em Aldeia Velha, no Sabugal, em Janeiro de 1936. Na juventude, estudou em Vila Nova de Gaia. Cursou Direito, tendo estudado em Coimbra mas concluindo a licenciatura em Lisboa. Vivia em Setúbal desde 1977. Deixou publicadas as obras Percurso de circunstâncias (Setúbal: 2002) e Espaço de memórias (Setúbal: 2006), ambas em edição de autor. No prefácio para o seu primeiro livro, notou Resendes Ventura: “Maravilha-me e espanta-me sempre a vibração poética em que permanentemente o vejo. A respeito de tudo, em todas as circunstâncias, é o lado estético que o apanha! Vivendo assim, era inevitável que (…) ficasse com os bolsos cheios de versos (…). É assim, efectivamente, que todos os dias o encontramos e é assim mesmo que gostamos de o encontrar: sempre carregado de versos! Seus e dos seus mestres!”

Às 23h10: A Fátima fez-me chegar uma foto de Gomes Sanches tirada há cinco anos, na sessão sobre o 30º aniversário do 25 de Abril que houve na Culsete. Aqui a deixo. E também um poema de adeus, assinado por Resendes Ventura (Manuel Medeiros), escrito no dia de hoje.

MEU POETA E MEU IRMÃO
In Memoriam para o poeta Gomes Sanches

José meu poeta e meu irmão
quantas vezes me pedias
para te ensinar a ti
o que para mim não sabia
e contigo é que aprendia

agora que me morreste
e à mãe terra vi descer
o corpo que te traía
tão sujeito que me sinto
à mesma dor sem remédio
do tanto que não sabia

como é que vou aprender
o que contigo aprendia

meu poeta e meu irmão
sem ti estou mais sozinho
neste resto de caminho
que me resta percorrer

fique a última lição
que me deixaste ao morrer
em pobreza de saber
e que em pobreza retive
por não sabê-la aprender

“EM MISTÉRIO É QUE SE VIVE”


R. V.
Setúbal, Dia do enterro do poeta Gomes Sanches
2.Maio.2009

1 comentário:

Anónimo disse...

Fica a saudade de quem nos habituou a uma presença culta de temperança e aceitação,nos outros,daquilo q é diferente...
aqrosa