Mais Twitter, menos Camões
«(…) Soube-se na semana passada que os britânicos estão a estudar uma reforma do ensino primário que acentua o foco na aprendizagem das novas tecnologias, em particular das redes sociais da Internet, em detrimento dos velhos saberes convencionais. (…) Se me permitirem transferir livremente esta ideia para o universo português, poderíamos dizer por exemplo mais Wikipédia, menos Luís de Camões. É uma ideia potencialmente chocante. Perdida há muito a esperança de ver os jovens aprender a contar as sílabas dos versos alexandrinos - desde o meu tempo e isso foi muito antes de haver Internet -, não parece que o futuro vá passar pela conversão das 12 sílabas dos versos alexandrinos nos 140 caracteres que as mensagens no Twitter não podem ultrapassar.
A ideia dos britânicos faz todo o sentido. E devia fazer pensar este nosso Governo português que só no século XXI descobriu a importância estratégica da tecnologia. Não é mau darmos tecnologia às pessoas, no limite mesmo se implique o folclore deprimente do "computador português", herdeiro moderno do artista português dos antigos anúncios da pasta medicinal Couto (palavras para quê?). O que os trabalhistas britânicos nos estão a dizer é que dar tecnologia não basta, é preciso dar ferramentas às pessoas que lhes permitam usar a tecnologia.
É escusado ter dúvidas. A Internet não é a primeira revolução mediática da história. O livro, o jornal, a rádio e a televisão, todos eles, desde o século XV até aos nossos dias, mudaram a nossa forma de comunicar, interferiram no modo como nos organizamos e afectaram a nossa relação com a política. Mas esta revolução é um bocadinho mais acelerada do que as anteriores. Hoje em dia, todos os dias são ontem.
Então, nada melhor do que começar a partir da escola a familiarizar os miúdos com o ambiente em que vão crescer, socializar-se, arranjar emprego, informar-se e aprender.
Mas não deixou de fazer sentido continuarmos a querer saber de Luís de Camões. A Internet é uma extraordinária ferramenta de conhecimento, mesmo se no universo da Web 2.0 a vertente comunicacional esteja francamente inflacionada. Mas não deixou por isso de ser um enorme armazém de conhecimento e de informação. Com riscos, mas enorme. E com vantagens únicas. E não é por causa dos 140 caracteres do Twitter que o ensino deixou de ser eficaz a explicar-nos a importância das 12 sílabas dos versos alexandrinos.
Um ponto de partida para ligar as duas coisas era perguntar porque não nos indignamos todos os dias com a escassez de conteúdos em português na Wikipédia e na Internet de um modo geral. Uma política da língua e uma política de cultura sérias implicam um investimento estratégico na qualidade e na quantidade desses conteúdos. Dão-se máquinas aos estudantes para acederem à Net, mas não nos preocupamos em produzir para a Web informação relevante para esses alunos. Porque é que tem que ser mais fácil encontrar online dados sobre a história da América do que sobre a história de Portugal? Porque é que a informação na Internet se tornou um assunto dos brasileiros em que os utentes europeus do português são marginais? Ressalvadas as devidas proporções de uns e de outro, a experiência do dia-a-dia mostra claramente as limitações da nossa produção de conteúdos. É só precisar de fazer uma pesquisa para perceber a diferença. Nestes tempos em que se volta a falar da cultura como arma económica contra a crise, passar o paradigma da nossa estratégia para a Internet das máquinas para os conteúdos era uma boa descoberta. Valia um Magalhães.»
A ideia dos britânicos faz todo o sentido. E devia fazer pensar este nosso Governo português que só no século XXI descobriu a importância estratégica da tecnologia. Não é mau darmos tecnologia às pessoas, no limite mesmo se implique o folclore deprimente do "computador português", herdeiro moderno do artista português dos antigos anúncios da pasta medicinal Couto (palavras para quê?). O que os trabalhistas britânicos nos estão a dizer é que dar tecnologia não basta, é preciso dar ferramentas às pessoas que lhes permitam usar a tecnologia.
É escusado ter dúvidas. A Internet não é a primeira revolução mediática da história. O livro, o jornal, a rádio e a televisão, todos eles, desde o século XV até aos nossos dias, mudaram a nossa forma de comunicar, interferiram no modo como nos organizamos e afectaram a nossa relação com a política. Mas esta revolução é um bocadinho mais acelerada do que as anteriores. Hoje em dia, todos os dias são ontem.
Então, nada melhor do que começar a partir da escola a familiarizar os miúdos com o ambiente em que vão crescer, socializar-se, arranjar emprego, informar-se e aprender.
Mas não deixou de fazer sentido continuarmos a querer saber de Luís de Camões. A Internet é uma extraordinária ferramenta de conhecimento, mesmo se no universo da Web 2.0 a vertente comunicacional esteja francamente inflacionada. Mas não deixou por isso de ser um enorme armazém de conhecimento e de informação. Com riscos, mas enorme. E com vantagens únicas. E não é por causa dos 140 caracteres do Twitter que o ensino deixou de ser eficaz a explicar-nos a importância das 12 sílabas dos versos alexandrinos.
Um ponto de partida para ligar as duas coisas era perguntar porque não nos indignamos todos os dias com a escassez de conteúdos em português na Wikipédia e na Internet de um modo geral. Uma política da língua e uma política de cultura sérias implicam um investimento estratégico na qualidade e na quantidade desses conteúdos. Dão-se máquinas aos estudantes para acederem à Net, mas não nos preocupamos em produzir para a Web informação relevante para esses alunos. Porque é que tem que ser mais fácil encontrar online dados sobre a história da América do que sobre a história de Portugal? Porque é que a informação na Internet se tornou um assunto dos brasileiros em que os utentes europeus do português são marginais? Ressalvadas as devidas proporções de uns e de outro, a experiência do dia-a-dia mostra claramente as limitações da nossa produção de conteúdos. É só precisar de fazer uma pesquisa para perceber a diferença. Nestes tempos em que se volta a falar da cultura como arma económica contra a crise, passar o paradigma da nossa estratégia para a Internet das máquinas para os conteúdos era uma boa descoberta. Valia um Magalhães.»
Miguel Gaspar. "Mais twitter, menos Camões". Público: 31.03.2009.
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