sábado, 21 de março de 2009

Em louvor da poesia, no seu dia

Em meados de Setembro de 1951, Sebastião da Gama estava no Norte de Portugal. Um dos objectivos dessa viagem, feita na companhia de Joana Luísa, sua mulher, era visitar Teixeira de Pascoaes e assim conhecê-lo, por fim, pessoalmente. Esse encontro realizou-se e é público, por testemunho publicado pelo poeta da Arrábida, que entusiasmou os dois escritores.
Chegado desse périplo nortenho, Sebastião da Gama escrevia, em 22 desse mês, uma carta a Manuel Breda Simões, director da revista Sísifo, respondendo a uma missiva chegada de Coimbra. O teor era um conjunto de respostas a quatro perguntas, que Breda Simões tinha enviado, em jeito de questionário, esclarecimentos que constariam, segundo o seu autor, numa antologia da poesia portuguesa a publicar.
A quarta (e última) pergunta era: "Que pensa da Poesia em geral e da sua própria Poesia?". Sebastião da Gama respondeu-lhe desta forma: "Minhas ideias acerca da poesia. Vide: 'Louvor da Poesia', in Campo Aberto. Será tudo? Olhe que a resposta ao nº 4 não é para posar. É que só nos versos sei o que penso da Poesia."
Sebastião da Gama já não chegou a ver as suas respostas impressas. Elas saíram no nº 4 da Sísifo, número que abria com a notícia da morte de Sebastião da Gama, entretanto ocorrida (7 de Fevereiro de 1952). Além dessa notícia e da carta de Sebastião da Gama, a revista publicava ainda o poema "Anunciação", até aí inédito (integrado no livro póstumo Pelo sonho é que vamos, publicado em 1953), e o referido "Louvor da Poesia" (que fora publicado em Campo aberto, em 1951).
Este poema ficou, então, como um testamento poético, quase. Mais recentemente, aquando da construção do Parque dos Poetas, em Oeiras, em 2003, esse poema foi escolhido para ser gravado no chão do Parque, numa das entradas, a chamar a atenção para a defesa da poesia.
Foi também esse o texto que escolhi para assinalar o Dia Mundial da Poesia que hoje se celebra.


Louvor da Poesia


Dá-se aos que têm sede,
não exige pureza.
Ah!, se fôssemos puros,
p'ra melhor merecê-la...


Sabe a terra, a montanhas,
caules tenros, raízes,
e no entanto desce
da floresta dos mitos.


Água tão generosa
como a gente que a bebe,
fuja dela Narciso
e quem não tenha sede.
[Foto: Parque dos Poetas, em Oeiras]

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