quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Um retrato alternativo (que nada nos agrada, mas que é um retrato)

«(...) Vivemos um embuste que, apesar de todos os esforços de propaganda, começa a surgir lentamente aos olhos dos portugueses. Com algumas excepções - caso da reforma da Segurança Social, que mesmo assim podia ter ido mais longe do que foi -, o problema do nosso famoso défice não foi resolvido, pois tudo indica que vai regressar em todo o seu esplendor. Na aparência diminuiu, mas isso aconteceu sobretudo porque pagamos hoje mais impostos, nos reformamos mais tarde e o Estado cortou drasticamente no investimento público, amealhando para este ano eleitoral. O resto, ou boa parte do resto, ficou lá, mas escondido debaixo do tapete. O famoso défice da saúde para os hospitais-empresa e, quando estes não pagam aos fornecedores, tudo segue directamente para a contabilidade da dívida. O mesmo se está a passar nas empresas públicas que, como segunda-feira se soube após uma auditoria do Tribunal de Contas, já acumulam uma dívida equivalente a 11 por cento do produto interno bruto. Anteciparam-se receitas através de esquemas manhosos, como sucedeu na prorrogação dos prazos de concessão das barragens. Fizeram-se despesas que terão de ser pagas pelos nossos filhos e netos, como acontece com as Scut. E até se conseguiu o "milagre" de deixar de gastar dinheiro na rede rodoviária e passar a receber receita. Agora, que a crise internacional expôs a fragilidade da nossa economia e os limites das reformas do "grande chefe reformista", há sinais de que se está a perder o norte e, também, o pudor. A notícia dada ontem pelo Jornal de Negócios de que o ministro das Obras Púbicas, Mário Lino, enviou uma circular a todas as empresas sob a sua tutela, e até a empresas privadas cotadas em bolsa, como a Portugal Telecom, para que o informassem de todas as inaugurações ou anúncios para deles fazer uma festa da propaganda é apenas uma pequena parte da ponta do icebergue e a confirmação da notícia que demos em Dezembro sobre a utilização pelo Governo das empresas e dos seus orçamentos para acções em que o protagonismo é dos ministros ou mesmo do primeiro-ministro. E a insistência despudorada na dispensa de concurso público para obras até cinco milhões de euros (a França fez o mesmo mas colocou o tecto nos... 20 mil euros) mostra que começa a valer tudo menos arrancar olhos.Tudo isto custa mesmo muito. Sobretudo porque o que a Standard & Poor's nos disse ao prever um crescimento anémico para os próximos cinco anos foi que estamos apenas a meio de mais uma década perdida.»
José Manuel Fernandes. "A meio de mais uma década perdida". Público: 14.01.2009.

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