«(...) Quem ler a reacção do porta-voz do PS, Vitalino Canas, à mensagem de Ano Novo do Presidente da República fica com a certeza de que com um pouco de rins todos os textos podem ser lidos ao sabor das conveniências. "Foi um discurso importante e realista, que fala dos tempos difíceis que aí vêm, mas também cria confiança. Existe, por isso, uma grande convergência entre o discurso do Presidente da República e o do Governo", afirmou o dirigente socialista. Convergência, quando Cavaco Silva denuncia "vulnerabilidades sérias" na economia portuguesa, enquanto dias antes José Sócrates se esforçara por garantir que o Governo está agora em condições de "responder melhor às dificuldades económicas que nos chegam"? Convergência, quando o Presidente reclama "uma atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos", dando suporte aos avisos que chegam via PSD ou de outros sectores da vida pública? Convergência quando (...) o discurso presidencial refere por diversas vezes a necessidade de "falar verdade" sobre a crise?
Apesar do uso ponderado de palavras ou expressões para não alimentar conflitos com o Governo, o discurso de Cavaco Silva trouxe a exigência da verdade para o centro de gravidade da vida política, lembrando que a verdade é uma condição imprescindível para "para a existência de um clima de confiança entre os cidadãos e os governantes". Ou, por outras palavras, "não é com ilusões que os portugueses podem ser mobilizados para enfrentar as exigências que o futuro lhes coloca". Com este argumento, Cavaco cola-se claramente às denúncias que a oposição em bloco, e principalmente o PSD, têm feito em relação ao que consideram ser a "propaganda" do Governo. E desvaloriza os recursos de que José Sócrates diz dispor para "ajudar as famílias, os trabalhadores e as empresas a superarem as dificuldades". (...)
O que o Presidente disse é que o país não pode continuar a viver a normalidade displicente dos últimos anos. Se as crises não surgem nem se sentem de um dia para o outro, estão à nossa frente todos os sinais de que desta vez os seus efeitos vão ser duros e que, pelo menos, todos sentiremos os efeitos do agravamento do desemprego ou da exclusão social. Por muito que o Governo nos tente tranquilizar com a folga orçamental - que é verdadeira -, saibamos também pela voz do Presidente que a vulnerabilidade do país impõe a recuperação de níveis de endividamento aceitáveis para a nossa realidade. Convergência nos discursos? Só se for nos apelos à energia e coragem dos portugueses para lidar com a dureza dos tempos que se anunciam. Apelos que fazem falta, desde que não nos levem a acreditar que, com a mão do Governo e uma boa dose de improviso, a crise será uma miragem. Falar verdade é responder a esta crença com um rotundo não.»
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