quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Como o prémio de Cristiano Ronaldo nos faz lembrar a "escola inclusiva"...

Há dias, houve grande regozijo generalizado com o facto de Cristiano Ronaldo ter sido eleito o melhor jogador de futebol do mundo. E não se pode dizer que o motivo não justifique tal regozijo! Podemos mesmo acrescentar, em nome da lusofonia e do que une os falantes da língua portuguesa, que o regozijo deveria ainda ter sido maior porque a melhor jogadora de futebol do mundo, Marta, comunica também na nossa língua. E Pélé, outro falante de português (apesar de ter discursado em inglês) e jogador famoso, entrou também na equipa de palco na cerimónia de entrega dos galardões. A lusofonia tem, assim, razões para se sentir bem. Nós temos razões para sentir orgulho, pois, sem que isso signifique criação de mitos. Por outro lado, esta situação, que despoleta em muitos jovens a vontade de imitar Cristiano Ronaldo (conhecemos estas tendências de imitação associadas a desejo de sucesso e de possibilidade de se ser herói), pode merecer uma série de leituras, talvez todas úteis, talvez todas para nos provocarem o pensar. É o caso da opinião de Helena Matos, saída no Público de hoje – a gente lê e não pode ficar indiferente. O prémio atribuído a Cristiano Ronaldo não nos pode causar apenas orgulho e alegria; também tem que nos fazer pensar. Reproduzo desse texto a parte final, muito válida pela ligação à ideia da “escola inclusiva”…
«(…) O falhanço de todas as incensadas políticas em favor de uma "escola inclusiva", "que promova a igualdade", "que não seja para ricos"... não só criou assimetrias sociais tremendas como, por grotesca ironia, converteu os filhos dos pobres no bode expiatório do falhanço ideológico e profissional daqueles que construíram confortáveis carreiras na política e na administração sob o lema do combate à pobreza e à discriminação. Que em qualquer actividade uns são melhores do que os outros é algo que o próprio Ronaldo mostra à exaustão, mas que a nossa escola dita inclusiva demorou a assumir (sendo certo que no dia em que tal assumiu adoptou como doutrina a tese de que os filhos dos pobres nivelam por baixo). Desgraçadamente, não só este determinismo social se instituiu na escola portuguesa - e recordo que nem sempre assim foi - como vemos banalizar-se também um discurso igualmente vexatório para os mais pobres quando se associam baixos rendimentos e desemprego com aumento da criminalidade. Confrontado com um problema de violência nas escolas, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento, explicou o fenómeno acusando os desempregados ou quiçá os seus filhos: "Se há gente a mais no litoral, se não há emprego, se fecha a indústria, o que é que a gente nova vai fazer? Estamos a falar de gente nova, porque não são as pessoas de 50 ou 60 anos que estão a criar problemas. O que vão fazer as pessoas que estão a começar a vida? (...) A escola é um reflexo disto". E o próprio procurador-geral da República, Pinto Monteiro, entendeu por bem avisar-nos de que o desemprego e a exclusão social podem motivar neste ano de 2009 uma verdadeira "explosão de violência".
Por outras palavras, caso Ronaldo não tivesse optado pelo futebol, e a fazer fé nas profecias sociológicas vigentes, não só teria deixado a escola cumprindo o que dele se esperava - ou seja, nada - como os seus baixos rendimentos levariam a que também, segundo as mesmas doutrinas, pudesse vir a integrar os números da delinquência violenta, aquela que se estima venha a aumentar por causa da crise e do desemprego.
Numa sociedade que passa a vida a vasculhar sinais de discriminação, não encontro nada mais discriminatório do que estas teses aparentemente consensuais da nossa Justiça e Educação. Tal como também não consegui encontrar até agora qualquer notícia sobre assaltantes e outros criminosos mais ou menos violentos que se tenham dedicado a essas práticas por terem ficado desempregados.
Ao contrário do que se gosta de acreditar, os pobres raramente se revoltam. O mais que se consegue é que ocupem o seu lugar mais ou menos folclórico em revoltas que outros, mais abonados, lideram e arquitectam. Quanto a dizer em Portugal, no ano de 2009, que a criminalidade nasce da pobreza parece-me um óbvio insulto àqueles que todos os dias saem de casa para receberem ordenados baixíssimos e terem uma vida muito mais massacrada pelo Estado com taxas, contribuições, multas e demais imposições do que aqueles seus vizinhos que se dedicam ao crime.
Por tudo isso, honra seja feita ao mundo do futebol e doutras modalidades desportivas que, ao contrário da Escola e da Justiça, manda os fatalismos sociológicos às malvas e faz milhares de miúdos acreditar que podem ser os melhores do mundo. E sobretudo que não se chega ao topo por passagem administrativa e muita caridadezinha.
»
Helena Matos. “E se o Ronaldo não jogasse futebol?”. Público: 15.01.2009.

Sem comentários: