quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Baptista-Bastos, Sebastião da Gama, Ramalho Eanes e a ética

Sob o título "O argumento da honra", Baptista-Bastos escreve no Diário de Notícias de hoje:
«A ética republicana iluminava as virtudes do carácter e a grandeza dos princípios. As revoluções, idealmente, não são, apenas, alterações económicas e substituições de regimes. Transportam a ideia feliz de modificar as mentalidades. Essa mistura de sonho e ingenuidade nunca se resolveu. A esperança no nascimento do "homem novo" não é exclusiva dos bolcheviques. O homem das revoluções jamais abandonou o ideal de alterar o curso da História e de modelar os seus semelhantes à imagem estremecida das suas aspirações.
É uma ambição desmedida? Melhor do que ninguém, respondeu Sebastião da Gama: "Pelo sonho é que vamos/comovidos e mudos./Chegamos? Não chegamos?/Partimos. Vamos. Somos." A ética republicana combatia a sociedade do dinheiro, da superstição religiosa, da submissão, e pedia aos cidadãos que fossem instrumentos de liberdade. As "raízes vivas", de que falou Basílio Teles.
Fomos perdendo, sem sobressalto nem indignação, a matriz ética da República. De vez em quando, releio as páginas que narram os desassossegados dezasseis anos que durou o novo regime, obstinadamente defendido por muitos a quem se impunha a consciência do compromisso. Esses, entre o aplauso e o assobio, percorreram o caminho que vai do silêncio à perseguição, do exílio ao assassínio político. Morreram pobres. São os heróis de uma história que se dissipou, porque o fascismo impediu nos fosse contada, nas exactas dimensões das suas luzes e das suas sombras.
Relembrei estes episódios ao tomar conhecimento, pelo semanário Sol, de que Ramalho Eanes prescindira dos retroactivos a que tinha direito, relativos à reforma como general, nunca por ele recebidos. A importância ascende a um milhão e trezentos mil euros. É um assunto cujos contornos conformam uma pequena vindicta política. Em 1984, foi criada uma lei "impedindo que o vencimento de um presidente da República fosse acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência que aufiram do Estado." O chefe do Governo era Soares; o chefe do Estado, Ramalho Eanes, que, naturalmente, promulgou a lei.
O absurdo era escandaloso. Qualquer outro funcionário poderia somar reformas. Menos Eanes. Catorze anos depois, a discrepância foi corrigida. Propuseram ao ex-presidente o recebimento dos retroactivos. Recusou. Eu não esperaria outra coisa deste homem, cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum. Ele reabilita a tradição de integridade de que, geralmente, a I República foi exemplo. Num país onde certas pensões de reforma são pornográficas, e os vencimentos de gestores" atingem o grau da afronta; onde súbitos enriquecimentos configuram uma afronta e a ganância criou o seu próprio vocabulário - a recusa de Eanes orgulha aqueles que ainda acreditam no argumento da honra.»

2 comentários:

Anónimo disse...

Devo já estar «demodée» mas ainda acredito no argumento da honra.
A tradição da integridade não a revejo nos homens da res publica de hoje mas, «demodée» que sou, acredito que será «pelo sonho» que iremos ou irá a geração vindoura.
Assim nós professores nunca nos esqueçamos de tal!
Quer queiramos ou não, somos um exemplo!
MCT

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.