No Público de hoje, uma interessante crónica assinada por Miguel Gaspar, intitulada "A sombra do silêncio". Curiosa, porque estamos numa sociedade que se farta da classe dos políticos que falam por tudo e por nada e que também se incomoda se nessa mesma classe há quem opte por momentos de silêncio. Um problema de senso, apenas? Transcrevo o início e o final da crónica.
«O que é que estamos a dizer quando estamos calados? A pergunta pode parecer paradoxal, mas não é. Enquanto seres humanos, estamos sempre a comunicar. Se não dizemos nada, falamos através dos gestos ou da roupa. E mesmo se desaparecermos do campo visual dos outros seres humanos, estamos a dizer aos outros que desaparecemos. E os outros perguntam: mas afinal de contas, por que é que ele desapareceu?
«O que é que estamos a dizer quando estamos calados? A pergunta pode parecer paradoxal, mas não é. Enquanto seres humanos, estamos sempre a comunicar. Se não dizemos nada, falamos através dos gestos ou da roupa. E mesmo se desaparecermos do campo visual dos outros seres humanos, estamos a dizer aos outros que desaparecemos. E os outros perguntam: mas afinal de contas, por que é que ele desapareceu?
Falar muito ou não dizer nada podem não ser coisas tão diferentes quanto isso. O anterior líder do PSD, Luís Filipe Menezes, era muito falador (e outros antes dele, como Santana Lopes, também). A páginas tantas, apetecia dizer-lhe o mesmo que o rei de Espanha disse a Hugo Chávez: por que não te calas? O longo (mais de um mês) silêncio da actual líder da oposição levou-nos a perguntar: mas por que é que não fala?
Nunca estamos sós quando falamos (ou quando ficamos calados). À volta do que dizemos, os outros constroem uma trama. Por que é que ele disse isto? E por que o disse agora? E por que não disse outra coisa? E por que foi ele a dizê-lo? Essa trama é a soma das inferências que os outros fazem a nosso respeito. Por isso, a vida está cheia de equívocos. É por causa de tramas dessas que passamos a vida a tramar-nos. Assim terá acontecido, dizem alguns (mas por que será que o dizem?), com Manuela Ferreira Leite. Antes de falar, já estava tramada por ter ficado tanto tempo calada. (...)
José Sócrates, como Santana Lopes e Filipe Menezes, é filho de uma geração para quem fazer política é sobretudo uma maneira de fazer televisão. No PSD sempre gostaram de o fazer seguindo o modelo da telenovela, atribuindo-se ao líder o papel do galã. Com José Sócrates é mais tecnologia, tipo The Matrix, um país em forma de realidade virtual onde um dia todos os eleitores serão como Mr. Smith. Manuela Ferreira Leite quer cortar com essa escola, num certo sentido regressando ao passado. Calando-se, tornou-se apenas um duplo dos políticos prolixos. Tem de encontrar o tempo da sua palavra. Não o conseguirá se continuar a viver à sombra do silêncio.»
1 comentário:
"A eloquência do silêncio". Temos que ter Sabedoria para o ouvir. Sobretudo quando,quem está calado, é um grande sofredor. Se o não conseguirmos, podemos ter perdido a única oportunidade de ajudar quem, perante nós, pediu ajuda apenas com o seu silêncio. Para isso é preciso estar disponível para ouvir.É indispensável saber ouvir o silêncio.
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