Americanos – “Americano consegue ser chato e cagar regra até em suruba, são muito piores do que os alemães, que, quando botam coisa no juízo, ficam completamente despirocados e não respeitam regra nenhuma. Nos Estados Unidos há um manual e um curso para tudo e sem dúvida lá muito se trepa de acordo com os manuais.”
Escrever – “Chega ao ponto de muitos débeis mentais se orgulharem de falar como se escreve, como se a grafia não fosse uma tentativa muito defeituosa de engessar as palavras em símbolos metidos a fonéticos, como se se pudesse pedir a um chinês para falar como se escreve, como se a escrita tivesse precedido a fala.”
Feminino – “Viver numa sociedade em que a honra feminina é portada entre as pernas, que coisa mais besta, meu Deus do céu. Mas, não é, não é? Às vezes me dá vontade de fazer um comício. Quantas vidas se perderam, quantos destinos se estragaram, quantas tragédias não houve, quantos conventos não foram abarrotados desumanamente, por causa da honra de tantas e tantas infelizes?”
França – “O que se fala e escreve de merda engalanada na França é inacreditável, eu mesma nunca engoli nada dessa empulhação que confunde ininteligibilidade e chatice com profundidade, nem Lacan, nem Godard, nem Robbe-Grillet, nada dessas merdas, tudo chute e chato, e quem gosta é porque foi chantageado a gostar e, no fundo, se sente burro.”
Ler – “As pessoas lêem romances, biografias, confissões e memórias porque querem saber se as outras pessoas são como elas. Não somente por isso, mas muito por isso. Querem saber se aquilo de vergonhoso que sentem é também sentido por outros, querem olhar mesmo pelo buraco da fechadura e, quanto mais olham, mais precisam olhar, nunca estarão saciadas. Faz bem, é reconfortante.”
Memória – “A gente pensa que lembra como eram as coisas, mas não lembra, há sempre filtros, filtros da memória, filtros das neuroses, filtros do voluntarismo, tudo quanto é tipo de filtro.”
Mistério – “É bom que haja mistérios insondáveis em nossas biografias.”
Palavrão – “É mais fácil dizer palavrão do que escrever palavrão, há exigência de passaporte para as palavras passarem do falado ao escrito, algumas não conseguem nunca, a humanidade é muito estranha.”
Pecado – “Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.”
Religião – “Os católicos são politeístas, botaram os santos no lugar dos deuses especializados. Os gregos e os romanos tinham um deus menor para cada coisa, regras atrasadas, artistas falidos, transações impossíveis, dívidas alimentares, casamentos, músicos bêbedos, agricultores, criadores de cabra, tudo, tudo, tudo. Os católicos substituíram os deuses pelos santos. Os músicos? Santa Cecília. Os ruins da vista? Santa Luzia. As solteironas? Santo António. E por aí, como você sabe. Até lugares. São José de Não Sei Onde? Diana de Éfeso, a mesmíssima coisa. Os deuses não foram derrotados ou eliminados, continuam imortais como sempre foram e somente mudaram de nome, se adaptaram às mudanças.”
Terceira Idade – “Eu abomino a expressão terceira idade, hipocrisia de americano, entre as muitas que já importámos, americano é o rei do eufemismo.”
Verdade – “A verdade dói, a verdade machuca, a verdade contunde, a verdade fere, a verdade maltrata, a verdade mata.”
Vida – “A vida devia ser duas; uma para ensaiar, outra para viver a sério. Quando se aprende alguma coisa, está na hora de ir.”
Escrever – “Chega ao ponto de muitos débeis mentais se orgulharem de falar como se escreve, como se a grafia não fosse uma tentativa muito defeituosa de engessar as palavras em símbolos metidos a fonéticos, como se se pudesse pedir a um chinês para falar como se escreve, como se a escrita tivesse precedido a fala.”
Feminino – “Viver numa sociedade em que a honra feminina é portada entre as pernas, que coisa mais besta, meu Deus do céu. Mas, não é, não é? Às vezes me dá vontade de fazer um comício. Quantas vidas se perderam, quantos destinos se estragaram, quantas tragédias não houve, quantos conventos não foram abarrotados desumanamente, por causa da honra de tantas e tantas infelizes?”
França – “O que se fala e escreve de merda engalanada na França é inacreditável, eu mesma nunca engoli nada dessa empulhação que confunde ininteligibilidade e chatice com profundidade, nem Lacan, nem Godard, nem Robbe-Grillet, nada dessas merdas, tudo chute e chato, e quem gosta é porque foi chantageado a gostar e, no fundo, se sente burro.”
Ler – “As pessoas lêem romances, biografias, confissões e memórias porque querem saber se as outras pessoas são como elas. Não somente por isso, mas muito por isso. Querem saber se aquilo de vergonhoso que sentem é também sentido por outros, querem olhar mesmo pelo buraco da fechadura e, quanto mais olham, mais precisam olhar, nunca estarão saciadas. Faz bem, é reconfortante.”
Memória – “A gente pensa que lembra como eram as coisas, mas não lembra, há sempre filtros, filtros da memória, filtros das neuroses, filtros do voluntarismo, tudo quanto é tipo de filtro.”
Mistério – “É bom que haja mistérios insondáveis em nossas biografias.”
Palavrão – “É mais fácil dizer palavrão do que escrever palavrão, há exigência de passaporte para as palavras passarem do falado ao escrito, algumas não conseguem nunca, a humanidade é muito estranha.”
Pecado – “Quem peca é aquele que não faz o que foi criado para fazer.”
Religião – “Os católicos são politeístas, botaram os santos no lugar dos deuses especializados. Os gregos e os romanos tinham um deus menor para cada coisa, regras atrasadas, artistas falidos, transações impossíveis, dívidas alimentares, casamentos, músicos bêbedos, agricultores, criadores de cabra, tudo, tudo, tudo. Os católicos substituíram os deuses pelos santos. Os músicos? Santa Cecília. Os ruins da vista? Santa Luzia. As solteironas? Santo António. E por aí, como você sabe. Até lugares. São José de Não Sei Onde? Diana de Éfeso, a mesmíssima coisa. Os deuses não foram derrotados ou eliminados, continuam imortais como sempre foram e somente mudaram de nome, se adaptaram às mudanças.”
Terceira Idade – “Eu abomino a expressão terceira idade, hipocrisia de americano, entre as muitas que já importámos, americano é o rei do eufemismo.”
Verdade – “A verdade dói, a verdade machuca, a verdade contunde, a verdade fere, a verdade maltrata, a verdade mata.”
Vida – “A vida devia ser duas; uma para ensaiar, outra para viver a sério. Quando se aprende alguma coisa, está na hora de ir.”
João Ubaldo Ribeiro. A casa dos budas ditosos. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1999.
1 comentário:
“A vida devia ser duas; uma para ensaiar, outra para viver a sério. Quando se aprende alguma coisa, está na hora de ir.”
Nada li de J.U. Ribeiro. Mas depois de ler esta sua frase, fico com vontade de o fazer.
Será que o que distingue um escritor de um não-escritor é a capacidade de passar à palavra o que ambos sentem?
Sinto o que ele diz e só tenho pena de não acreditar no nosso regresso a uma nova vida.
É que depois do ensaio, faria certamente melhor!
MCT
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