O Outro (Porto: Campo das Letras, 2009), de Ryszard Kapuscinski (1932-2007), reúne um conjunto de seis conferências (cinco datadas de 2004 e uma de 1990) sobre isso mesmo: o Outro, nas imagens e relações que mantemos com ele e na forma como pelo Outro somos definidos ou nos ajudamos a identificar.
No saber que partilha com o leitor, Kapuscinski usa uma linguagem simples e acessível, transparente, forjada na prática da escrita jornalística, na reportagem. A primeira prova do respeito pelo Outro dá-a ele próprio quase no início do texto da primeira conferência (na ordem de publicação, que não na cronológica, uma vez que a ordem por que surgem os textos não segue a linha do tempo em que foram apresentados) ao escrever sobre a autoria do género jornalístico que lhe era mais caro: “Cada reportagem tem vários autores e só um costume mais generalizado determina que assinemos o texto com um só nome. Na realidade, é provavelmente o género literário de escrita mais colectivo, criado por dezenas de pessoas, nossas interlocutoras, encontradas pelos caminhos do mundo, que nos contam histórias da sua vida, da sua comunidade, de acontecimentos que presenciaram ou ouviram falar a outros. Esses Outros, muitas vezes pessoas desconhecidas, não só são para nós uma das fontes mais ricas de conhecimento do mundo, como também nos facilitam o trabalho de várias maneiras, viabilizando contactos, hospedando-nos nas suas casas, ou mesmo salvando-nos a vida.”
O princípio de que Kapuscinski parte para reflectir sobre o Outro é o de um olhar para uma pessoa que se define por duas marcas – o ser humano, “como qualquer um de nós”, e o ser influenciado por características culturais, raciais e de pensamento. Se este princípio é verdadeiro, também não é menos verdade que ele nem sempre foi praticado e a história da forma como os Europeus têm olhado o Outro ao longo dos tempos, por exemplo, prova isso, porque nem sempre esse olhar envolveu a tentativa de compreensão do Outro.
No saber que partilha com o leitor, Kapuscinski usa uma linguagem simples e acessível, transparente, forjada na prática da escrita jornalística, na reportagem. A primeira prova do respeito pelo Outro dá-a ele próprio quase no início do texto da primeira conferência (na ordem de publicação, que não na cronológica, uma vez que a ordem por que surgem os textos não segue a linha do tempo em que foram apresentados) ao escrever sobre a autoria do género jornalístico que lhe era mais caro: “Cada reportagem tem vários autores e só um costume mais generalizado determina que assinemos o texto com um só nome. Na realidade, é provavelmente o género literário de escrita mais colectivo, criado por dezenas de pessoas, nossas interlocutoras, encontradas pelos caminhos do mundo, que nos contam histórias da sua vida, da sua comunidade, de acontecimentos que presenciaram ou ouviram falar a outros. Esses Outros, muitas vezes pessoas desconhecidas, não só são para nós uma das fontes mais ricas de conhecimento do mundo, como também nos facilitam o trabalho de várias maneiras, viabilizando contactos, hospedando-nos nas suas casas, ou mesmo salvando-nos a vida.”
O princípio de que Kapuscinski parte para reflectir sobre o Outro é o de um olhar para uma pessoa que se define por duas marcas – o ser humano, “como qualquer um de nós”, e o ser influenciado por características culturais, raciais e de pensamento. Se este princípio é verdadeiro, também não é menos verdade que ele nem sempre foi praticado e a história da forma como os Europeus têm olhado o Outro ao longo dos tempos, por exemplo, prova isso, porque nem sempre esse olhar envolveu a tentativa de compreensão do Outro.
Os textos de Kapuscinski ajudam a reflectir sobre questões fortes de hoje, como as migrações, o “narcisismo das culturas”, a multiculturalidade, a hibridação, a identidade, os nacionalismos, as ideologias, a ética, o diálogo. Pelo caminho, vão sendo chamadas pistas da cultura clássica, da literatura, da antropologia, da filosofia (não esquecendo as contribuições de Lévinas e de Tischner) e da experiência do autor.
As reflexões apresentadas deixam-nos perante alguns dos paradoxos em que vivemos, qual seja o da “aldeia global” como sinal de afastamento e de indiferença ou da “globalização” como sintoma de superficialidade – “a essência de uma aldeia está na proximidade; todos se conhecem, convivem e partilham da mesma sorte. Contudo, isto não se aplica à sociedade do nosso planeta, que se assemelha mais a uma multidão anónima nalgum grande aeroporto – uma multidão de pessoas a correr, indiferentes e desconhecidas.”
Na última conferência que integra o livro, datada do início de Outubro de 2004 e proferida em Cracóvia, significativamente intitulada “O encontro com o Outro como desafio do século XXI”, há reflexões que podem apontar para uma solução: perante um mundo que, “potencialmente, dá muito” (mas onde “escolher um percurso com atalhos não leva a parte nenhuma”), é necessário que todos “dêem provas de que se tratam a si mesmos a sério”, situação que passa por aquela que foi uma das aprendizagens de Kapuscinski – “a experiência de viver durante anos entre longínquos Outros ensinou-me que só a afabilidade com a outra parte permite despertar nela o sentido da humanidade”. Afinal, a força do diálogo como motor para um olhar diferente sobre o Outro e sobre o Eu, sobre Nós. Uma utopia, talvez. Nada fácil, mas urgente.
As reflexões apresentadas deixam-nos perante alguns dos paradoxos em que vivemos, qual seja o da “aldeia global” como sinal de afastamento e de indiferença ou da “globalização” como sintoma de superficialidade – “a essência de uma aldeia está na proximidade; todos se conhecem, convivem e partilham da mesma sorte. Contudo, isto não se aplica à sociedade do nosso planeta, que se assemelha mais a uma multidão anónima nalgum grande aeroporto – uma multidão de pessoas a correr, indiferentes e desconhecidas.”
Na última conferência que integra o livro, datada do início de Outubro de 2004 e proferida em Cracóvia, significativamente intitulada “O encontro com o Outro como desafio do século XXI”, há reflexões que podem apontar para uma solução: perante um mundo que, “potencialmente, dá muito” (mas onde “escolher um percurso com atalhos não leva a parte nenhuma”), é necessário que todos “dêem provas de que se tratam a si mesmos a sério”, situação que passa por aquela que foi uma das aprendizagens de Kapuscinski – “a experiência de viver durante anos entre longínquos Outros ensinou-me que só a afabilidade com a outra parte permite despertar nela o sentido da humanidade”. Afinal, a força do diálogo como motor para um olhar diferente sobre o Outro e sobre o Eu, sobre Nós. Uma utopia, talvez. Nada fácil, mas urgente.
Passos que ficam
1. "O mundo, para mim, sempre foi uma grande Torre de Babel. Mas uma torre onde Deus misturou não só línguas, mas também culturas, costumes, paixões e interesses, e onde criou, como habitante, um ser ambivalente que une em si um eu e um não-eu, ele próprio e o Outro, o seu Outro e o estranho.”
2. "A multidão é protagonista única do teatro do mundo, caracterizando-se pelo anonimato, a impersonalidade, a falta de identidade e a ausência de rosto.”
3. "O homem sempre usufruiu de três possibilidades (…) e, quando se encontrava com o Outro, podia: optar pela guerra, separar-se erguendo um muro, ou estimular o diálogo.”
4. "Faz-nos falta um elo importante; o elo que falta é o indivíduo, retirado da multidão, um homem concreto, um Eu concreto e um Outro concreto, porque, de acordo, com o pensamento dos filósofos do diálogo, o Eu só pode existir como um ser determinado em relação ao Outro, quando este surgir no horizonte da minha existência, atribuindo-me sentido e estabelecendo o meu papel.”
2. "A multidão é protagonista única do teatro do mundo, caracterizando-se pelo anonimato, a impersonalidade, a falta de identidade e a ausência de rosto.”
3. "O homem sempre usufruiu de três possibilidades (…) e, quando se encontrava com o Outro, podia: optar pela guerra, separar-se erguendo um muro, ou estimular o diálogo.”
4. "Faz-nos falta um elo importante; o elo que falta é o indivíduo, retirado da multidão, um homem concreto, um Eu concreto e um Outro concreto, porque, de acordo, com o pensamento dos filósofos do diálogo, o Eu só pode existir como um ser determinado em relação ao Outro, quando este surgir no horizonte da minha existência, atribuindo-me sentido e estabelecendo o meu papel.”
Sem comentários:
Enviar um comentário