Há uns anos – bastantes, talvez 15! –, a Adelina foi minha aluna numa disciplina em que se estudavam as literaturas africanas de expressão portuguesa. As aulas passaram por autores como Francisco José Tenreiro, Pepetela, Baltasar Lopes, Manuel Rui, entre muitos outros (pois os alunos puderam ainda escolher autores, lê-los e trabalhá-los). E também por contos tradicionais africanos. E ainda por poemas diversificados (quanto às épocas, às nacionalidades dos autores e aos temas).
A Adelina deixou-se levar pelo entusiasmo com que se falava de todas estas coisas e, um dia, trouxe-me um livro para eu ver. Era Poesia de Angola (Luanda: Ministério da Educação e Cultura, 1976). Era também a poesia da sua Angola, das suas raízes. Perante o meu interesse, deixou-me ficar o livro para ler. A título de empréstimo, claro.
No entanto, as aulas acabaram e eu deixei aquele estabelecimento de ensino. Perdi o contacto da Adelina e o livro, depois de lido, foi repousando, à espera de um encontro casual ou de qualquer outra possibilidade que o levasse até à origem.
Passaram anos. Um dia, no Centro de Saúde de Palmela, por mera coincidência, encontrei a Adelina. Houve troca de contactos e conversa sobre o livro. Havíamos de ter um encontro e a devolução seria efectuada.
Mais um ano passou, no entanto. E, numa manhã de Dezembro passado, lia o seguinte mail: «Caro João, será que se lembra de mim? tudo bem? Daqui Adelina, sua ex aluna (…). Estivemos juntos no hospital de Palmela há tempo. Sim, a aluna que há mais de 12 anos emprestou-lhe um livro de poemas de escritores angolanos, relíquia do meu adorado e falecido pai. Por favor e, encarecidamente, peço-lhe de volta o meu livro. É exactamente nesta quadra festiva que que mais falta sinto dele, gostaria de poder dedicar ao meu filho os belos poemas que o meu estimado cota recitava em família. Por favor joão da-me este presente de Natal.”
Senti a urgência de lhe devolver o livro. Palavras tocantes, sentimentos, poemas… tudo se misturava. Tivemos encontro marcado para antes do Natal. Impossível, por posteriores compromissos dela.
Remarcámos e encontrámo-nos hoje, com a alegria de qualquer reencontro, acrescida do motivo. Fiquei a saber que os pais dela se tinham conhecido através da poesia - o pai recitava poemas para a mãe. Depois, o pai lera-lhe poemas de autores angolanos e oferecera-lhe o livro. Agora, com um filho de 10 anos, queria ler ao rebento os poemas do encantamento que o pai lhe transmitira. Agarrou o livro como a melhor prenda. Ou como a tábua de salvação de uma viagem pelo imaginário. Ia cumprir-se a tradição. Ia cumprir-se o encontro com as raízes, a identidade. Fiquei feliz pelo reencontro e por esta história. Vulgar, eu sei (há tantos livros "desaparecidos" e, por vezes, reencontrados!...). Mas forte!
Poesia de Angola tem prefácio assinado por António Jacinto, à data Ministro da Educação angolano, que assim fazia valer a força dos poetas do seu país: «Literatura da clandestinidade, cantada na clandestinidade, ressurge, à luz clara do dia, nas Escolas. Literatura de revolta, de afirmação combativa, de luta, de guerrilha, irá cumprir uma missão didáctica. (...)"
A Adelina deixou-se levar pelo entusiasmo com que se falava de todas estas coisas e, um dia, trouxe-me um livro para eu ver. Era Poesia de Angola (Luanda: Ministério da Educação e Cultura, 1976). Era também a poesia da sua Angola, das suas raízes. Perante o meu interesse, deixou-me ficar o livro para ler. A título de empréstimo, claro.
No entanto, as aulas acabaram e eu deixei aquele estabelecimento de ensino. Perdi o contacto da Adelina e o livro, depois de lido, foi repousando, à espera de um encontro casual ou de qualquer outra possibilidade que o levasse até à origem.
Passaram anos. Um dia, no Centro de Saúde de Palmela, por mera coincidência, encontrei a Adelina. Houve troca de contactos e conversa sobre o livro. Havíamos de ter um encontro e a devolução seria efectuada.
Mais um ano passou, no entanto. E, numa manhã de Dezembro passado, lia o seguinte mail: «Caro João, será que se lembra de mim? tudo bem? Daqui Adelina, sua ex aluna (…). Estivemos juntos no hospital de Palmela há tempo. Sim, a aluna que há mais de 12 anos emprestou-lhe um livro de poemas de escritores angolanos, relíquia do meu adorado e falecido pai. Por favor e, encarecidamente, peço-lhe de volta o meu livro. É exactamente nesta quadra festiva que que mais falta sinto dele, gostaria de poder dedicar ao meu filho os belos poemas que o meu estimado cota recitava em família. Por favor joão da-me este presente de Natal.”
Senti a urgência de lhe devolver o livro. Palavras tocantes, sentimentos, poemas… tudo se misturava. Tivemos encontro marcado para antes do Natal. Impossível, por posteriores compromissos dela.
Remarcámos e encontrámo-nos hoje, com a alegria de qualquer reencontro, acrescida do motivo. Fiquei a saber que os pais dela se tinham conhecido através da poesia - o pai recitava poemas para a mãe. Depois, o pai lera-lhe poemas de autores angolanos e oferecera-lhe o livro. Agora, com um filho de 10 anos, queria ler ao rebento os poemas do encantamento que o pai lhe transmitira. Agarrou o livro como a melhor prenda. Ou como a tábua de salvação de uma viagem pelo imaginário. Ia cumprir-se a tradição. Ia cumprir-se o encontro com as raízes, a identidade. Fiquei feliz pelo reencontro e por esta história. Vulgar, eu sei (há tantos livros "desaparecidos" e, por vezes, reencontrados!...). Mas forte!
Poesia de Angola tem prefácio assinado por António Jacinto, à data Ministro da Educação angolano, que assim fazia valer a força dos poetas do seu país: «Literatura da clandestinidade, cantada na clandestinidade, ressurge, à luz clara do dia, nas Escolas. Literatura de revolta, de afirmação combativa, de luta, de guerrilha, irá cumprir uma missão didáctica. (...)"
Esta era apenas uma impressão. O livro pretendia fazer face ao programa de Literatura Angolana, dividindo-se em três partes: "Poesia tradicional", "Precursores da poesia angolana" e "Geração moderna (anos 40-70)". Quem passava por estas páginas? Um povo e uma identidade, é claro. A tradição, também. E, entre os precursores: José da Silva Maia Ferreira, J. Cândido Furtado, Eduardo Neves, Cordeiro da Matta, Lourenço do Carmo Ferreira e Jorge Rosa. No período dos anos 40-70 do século XX: Tomás Vieira da Cruz, Maurício de Almeida Gomes, Aires Almeida Santos, Viriato da Cruz, António Jacinto, Agostinho Neto, Tomás Jorge (filho do citado Tomás Vieira da Cruz), Alda Lara, Alexandre Dáskalos, António Cardoso, Arnaldo Santos, Costa Andrade, Ernesto Lara (Filho), Henrique Guerra, João Abel, Deolinda Rodrigues, Emanuel Corgo, Nicolau Spencer, Ngudia Wendel, Rui de Matos, Sá Cortez, Joffre Rocha (pseudónimo de Roberto de Almeida), Ruy Duarte Carvalho,João Maria Vilanova, David Mestre, Manuel Rui Monteiro, Jorge Macedo, Samuel de Sousa e Adriano Botelho de Vasconcelos. Acima de três dezenas de nomes, pois. Que cantavam a guerra, o amor, a infância, o combate, o lirismo. Poesia, é evidente.
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