...bom 2009 para todos os leitores!
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
Sobre "O barulho das chaves", de Philippe Claudel
Comecemos pelo fim. “A pequena frase que fazia sonhar todos os reclusos que seguiam as minhas aulas, porque ela abria todas as portas, frase que proferi milhares de vezes frente aos intercomunicadores: ‘Claudel, professor…’, frase que, doravante, não voltarei a proferir.” É o último parágrafo de O Barulho das Chaves, curta narrativa de Philippe Claudel (Alfragide: Edições ASA, 2008 – ed. orig.: Le bruit des trousseaux, 2006), que, à boa maneira da escrita autobiográfica, acaba por identificar o narrador, nunca nomeado ao longo da história, com a personagem que une todas as pequenas histórias que vão sendo contadas e com o autor, sobrepondo-os.
Narrativa autobiográfica, onde se acumulam memórias de momentos, de encontros, de histórias, de um período ao longo do qual Claudel foi professor de francês num estabelecimento prisional, onde, ao longo de 11 anos, se deslocou três vezes por semana. O título é sugestivo e recorda o som inconfundível do molho de chaves que se agita na abertura das portas gradeadas. O livro revela a vida da prisão, em jeito fragmentado, vista e sentida por alguém que lá convive e a quem a prisão esmaga.
Logo no início, a primeira reacção de quem sai da prisão pela primeira vez que a visita: “No passeio, na primeira vez que saí da prisão, não consegui começar a caminhar de imediato. Deixei-me estar, alguns minutos, imóvel. Pensava que, se quisesse, podia deslocar-me para a esquerda, ou para a direita, ou ainda sempre em frente, e que ninguém teria nada a dizer. Pensava ainda que, se quisesse, podia ir beber uma cerveja, um Ricard, ou ainda um cappuccino num qualquer café, ou então regressar a casa e tomar um duche, dois duches, três duches, tantos duches quantos quisesse. Compreendi nesse momento que fruíra até então de uma liberdade da qual ignorava a extensão e as aplicações mais comuns, ou mesmo a exacta e quotidiana dimensão.” Este início confronta o leitor com a sua capacidade de ser livre, com as pequenas liberdades que, no quotidiano, se nos apresentam e de que usufruímos, insignificantes, não notadas, de banais. Mas confronta-o também com a riqueza de poder decidir, graças a essa mesma liberdade, aqui valorizada pelo que se viu dentro das grades, onde tudo surge controlado, visado, calculado, com regras próprias.
Depois, as histórias. “Cenas isoladas”, que não demoram mais do que um parágrafo. Muitas, telegráficas, incisivas. E sempre o confronto com a liberdade – “Terminado o meu tempo, saía da prisão. Não saía de prisão. Nunca senti tão intensamente que a presença ou a ausência de um simples artigo definido abrisse ou fechasse tão imensas perspectivas numa língua.”
No final, depois de passar por histórias humanas e de expressar sentimentos relativamente ao visto, o narrador justifica o termo do livro, quase em jeito de desculpa por não ter levado a experiência da prisão até à exaustão e para, simultaneamente, não lhe ser retirado crédito ao vivido: “Enfim, creio ter dito tudo. Dito tudo o que sabia, o que fixei. Pode ser um testemunho, ou mais exactamente um falso testemunho, pois falta-me um coisa essencial para falar da prisão: ter passado uma noite lá dentro. No fundo, não sei se será possível falar da prisão sem nunca lá ter dormido. As horas que passei dentro daquelas paredes formam dias, sim, mesmo meses, mas nenhuma noite, nem uma. Além disso, o que reforça o meu falso testemunho é o facto de ter conhecido apenas um dos lados da prisão.”
Narrativa autobiográfica, onde se acumulam memórias de momentos, de encontros, de histórias, de um período ao longo do qual Claudel foi professor de francês num estabelecimento prisional, onde, ao longo de 11 anos, se deslocou três vezes por semana. O título é sugestivo e recorda o som inconfundível do molho de chaves que se agita na abertura das portas gradeadas. O livro revela a vida da prisão, em jeito fragmentado, vista e sentida por alguém que lá convive e a quem a prisão esmaga.
Logo no início, a primeira reacção de quem sai da prisão pela primeira vez que a visita: “No passeio, na primeira vez que saí da prisão, não consegui começar a caminhar de imediato. Deixei-me estar, alguns minutos, imóvel. Pensava que, se quisesse, podia deslocar-me para a esquerda, ou para a direita, ou ainda sempre em frente, e que ninguém teria nada a dizer. Pensava ainda que, se quisesse, podia ir beber uma cerveja, um Ricard, ou ainda um cappuccino num qualquer café, ou então regressar a casa e tomar um duche, dois duches, três duches, tantos duches quantos quisesse. Compreendi nesse momento que fruíra até então de uma liberdade da qual ignorava a extensão e as aplicações mais comuns, ou mesmo a exacta e quotidiana dimensão.” Este início confronta o leitor com a sua capacidade de ser livre, com as pequenas liberdades que, no quotidiano, se nos apresentam e de que usufruímos, insignificantes, não notadas, de banais. Mas confronta-o também com a riqueza de poder decidir, graças a essa mesma liberdade, aqui valorizada pelo que se viu dentro das grades, onde tudo surge controlado, visado, calculado, com regras próprias.
Depois, as histórias. “Cenas isoladas”, que não demoram mais do que um parágrafo. Muitas, telegráficas, incisivas. E sempre o confronto com a liberdade – “Terminado o meu tempo, saía da prisão. Não saía de prisão. Nunca senti tão intensamente que a presença ou a ausência de um simples artigo definido abrisse ou fechasse tão imensas perspectivas numa língua.”
No final, depois de passar por histórias humanas e de expressar sentimentos relativamente ao visto, o narrador justifica o termo do livro, quase em jeito de desculpa por não ter levado a experiência da prisão até à exaustão e para, simultaneamente, não lhe ser retirado crédito ao vivido: “Enfim, creio ter dito tudo. Dito tudo o que sabia, o que fixei. Pode ser um testemunho, ou mais exactamente um falso testemunho, pois falta-me um coisa essencial para falar da prisão: ter passado uma noite lá dentro. No fundo, não sei se será possível falar da prisão sem nunca lá ter dormido. As horas que passei dentro daquelas paredes formam dias, sim, mesmo meses, mas nenhuma noite, nem uma. Além disso, o que reforça o meu falso testemunho é o facto de ter conhecido apenas um dos lados da prisão.”
Frases vivas
1. “A prisão é o lugar onde se dita o que é correcto, admissível, incorrecto, inadmissível. (…) A prisão não elimina as diferenças. Não é de modo nenhum igualitária: o rico continua a ser rico. O pobre é muito pobre. Mas a prisão estabelece a relação entre seres que, em liberdade, nunca se veriam nem falariam.”
2. “As cores da prisão, raramente alegres ou vivas. As paredes eram pintadas frequentemente mas pareciam sempre sujas, talvez por a própria tinta ser encardida. Lembro-me de amarelos pálidos, de cinzentos um pouco azulados, de beges a tender para o castanho desbotado. A própria luz parecia trabalhada nestas direcções, alimentando uma leve penumbra que nos obrigava a fixar o olhar para distinguir os rostos.”
3. “Na prisão encontram-se representadas quase todas as idades da vida: bebés nas celas com as mães; velhos, mulheres e homens maduros, adolescentes, vocês, eu. A gravidade dos delitos não depende da idade. Lembro-me de uma rapariga de catorze anos presa por ter estrangulado uma colega da escola, de rapazes da mesma idade à espera de serem julgados por violação colectiva, de um velho, um padre, acusado de pedofilia. A prisão contraria todas as estatísticas, estereótipos, colunas de números tranquilizadores, Limita-se a reflectir o mundo. Muda com ele.”
2. “As cores da prisão, raramente alegres ou vivas. As paredes eram pintadas frequentemente mas pareciam sempre sujas, talvez por a própria tinta ser encardida. Lembro-me de amarelos pálidos, de cinzentos um pouco azulados, de beges a tender para o castanho desbotado. A própria luz parecia trabalhada nestas direcções, alimentando uma leve penumbra que nos obrigava a fixar o olhar para distinguir os rostos.”
3. “Na prisão encontram-se representadas quase todas as idades da vida: bebés nas celas com as mães; velhos, mulheres e homens maduros, adolescentes, vocês, eu. A gravidade dos delitos não depende da idade. Lembro-me de uma rapariga de catorze anos presa por ter estrangulado uma colega da escola, de rapazes da mesma idade à espera de serem julgados por violação colectiva, de um velho, um padre, acusado de pedofilia. A prisão contraria todas as estatísticas, estereótipos, colunas de números tranquilizadores, Limita-se a reflectir o mundo. Muda com ele.”
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terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Máximas em mínimas (39)
Silêncio
“Os silêncios são um ritmo, uma respiração. Acrescentam um significado suplementar ao que é dito. Eles ajudam a suportar a enorme violência do que é, por vezes, dito. Permitem continuar a proferir palavras. São o momento da troca de olhares.”
Philippe Besson. Em tempos de guerra (2008) [orig.: En l'absence des hommes, 2001]
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segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
Uma noite com Luiz Pacheco
São cerca de três dezenas os textos que compõem Raio de luar (Lisboa: Oficina do Livro, 2003), conjunto de “artigalhada” produzida para jornais, em que revemos Luiz Pacheco na sua força e na sua coerência, apetecendo dizer com Rui Zink (que prefacia o livro): “Já fiz mais-valia com a leitura de Luiz Pacheco. Tradução: já ganhei muito com a sua leitura. E garanto que, nestes tempos cinzentos, não é coisa pouca, encontrar livros que nos dêem mais-valia.”
Pelas páginas de Raio de luar perpassam memórias e olhares sobre o mundo e sobre a cultura portuguesa, ao mesmo tempo que vai ficando um rasto autobiográfico assumido. Pacheco escreve sobre os outros para também falar de si. A variedade temática é grande, ocupando destacado e principal lugar a literatura, seja pelos nomes que são invocados, seja pelos assuntos trazidos (censura e liberdade, epistolografia, movimentos, vida editorial), seja pelas leituras que vão sendo acusadas.
A ironia e o riso surpreendem em muitas ocasiões, numa escrita que acompanha o gesto do próprio “escriba” – “onde o destempero das duas manas me deu enorme vontade de rir, foi quando a Clarinha revelou que tem medo do futuro. Medo de ficar sem emprego. É boa!” Mas também a pedagogia entra neste conjunto de textos, haja em vista a história de uma consulta no hospital de S. José, contada em “Granito? Não, obrigado”, que bem poderia constituir um texto de importância para o atendimento hospitalar… ainda que conclua com a promessa de, numa próxima consulta, transportar “uma moca tipo riomaior”…
Embora falando preferencialmente do que vê e lê, não esquece também as pequenas histórias do que viveu, em muitas ocasiões deixando que o eu se exponha – pelos sítios que frequenta (entre Palmela, no lar, e Setúbal, nas livrarias e na Biblioteca, por exemplo), pelo ambiente do seu quotidiano (o olhar sobre os companheiros de residência), pelas considerações quanto ao que lhe falta (“em Palmela, há um castelo, mas livrarias, que é delas?”, “Setúbal, cidade sob vários aspectos periférica em termos culturais”), pelas identificações (“o que mais me encanta neste livro é a alegria que ali julgo surpreender no acto da escrita”, dirá a propósito de O manto, de Agustina), pelas memórias agradáveis guardadas de alguns professores (Câmara Reys, que lhe indicou leituras, Vitorino Nemésio, o “labioso volúvel” que apreciava, ou António Gedeão, aliás Rómulo de Carvalho, verdadeiro “exemplo do humano”), pelo recuo até à infância alentejana (a propósito de uns poemas de Manuel Alegre), pelos “fait-divers” (como a sua entrada no filme Conversa acabada), pelo seu gosto e orgulho enquanto editor (“se há coisa que me encha de cagança é essa minha actividade de Editor, a qual excede de longe a de Autor e lanço daqui mesmo um desafio: não pode haver em Portugal nenhuma bibliotecazinha decente que não tenha lá um livro editado por mim – poesia ou teatro, cinema, ficção, ensaio”) e pela sua exposição do que considera ser um “escritor maldito” (título com que o cognominaram) em texto que encerra o livro.
Raio de luar lê-se de seguida, que o difícil é parar. E por essa escrita vai passando o tom oralizante de Pacheco, quase como se numa conversa estivéssemos… mas apenas ouvindo-o. Lendo-o, aliás.
Pelas páginas de Raio de luar perpassam memórias e olhares sobre o mundo e sobre a cultura portuguesa, ao mesmo tempo que vai ficando um rasto autobiográfico assumido. Pacheco escreve sobre os outros para também falar de si. A variedade temática é grande, ocupando destacado e principal lugar a literatura, seja pelos nomes que são invocados, seja pelos assuntos trazidos (censura e liberdade, epistolografia, movimentos, vida editorial), seja pelas leituras que vão sendo acusadas.
A ironia e o riso surpreendem em muitas ocasiões, numa escrita que acompanha o gesto do próprio “escriba” – “onde o destempero das duas manas me deu enorme vontade de rir, foi quando a Clarinha revelou que tem medo do futuro. Medo de ficar sem emprego. É boa!” Mas também a pedagogia entra neste conjunto de textos, haja em vista a história de uma consulta no hospital de S. José, contada em “Granito? Não, obrigado”, que bem poderia constituir um texto de importância para o atendimento hospitalar… ainda que conclua com a promessa de, numa próxima consulta, transportar “uma moca tipo riomaior”…
Embora falando preferencialmente do que vê e lê, não esquece também as pequenas histórias do que viveu, em muitas ocasiões deixando que o eu se exponha – pelos sítios que frequenta (entre Palmela, no lar, e Setúbal, nas livrarias e na Biblioteca, por exemplo), pelo ambiente do seu quotidiano (o olhar sobre os companheiros de residência), pelas considerações quanto ao que lhe falta (“em Palmela, há um castelo, mas livrarias, que é delas?”, “Setúbal, cidade sob vários aspectos periférica em termos culturais”), pelas identificações (“o que mais me encanta neste livro é a alegria que ali julgo surpreender no acto da escrita”, dirá a propósito de O manto, de Agustina), pelas memórias agradáveis guardadas de alguns professores (Câmara Reys, que lhe indicou leituras, Vitorino Nemésio, o “labioso volúvel” que apreciava, ou António Gedeão, aliás Rómulo de Carvalho, verdadeiro “exemplo do humano”), pelo recuo até à infância alentejana (a propósito de uns poemas de Manuel Alegre), pelos “fait-divers” (como a sua entrada no filme Conversa acabada), pelo seu gosto e orgulho enquanto editor (“se há coisa que me encha de cagança é essa minha actividade de Editor, a qual excede de longe a de Autor e lanço daqui mesmo um desafio: não pode haver em Portugal nenhuma bibliotecazinha decente que não tenha lá um livro editado por mim – poesia ou teatro, cinema, ficção, ensaio”) e pela sua exposição do que considera ser um “escritor maldito” (título com que o cognominaram) em texto que encerra o livro.
Raio de luar lê-se de seguida, que o difícil é parar. E por essa escrita vai passando o tom oralizante de Pacheco, quase como se numa conversa estivéssemos… mas apenas ouvindo-o. Lendo-o, aliás.
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domingo, 28 de dezembro de 2008
Coisas que não foram previstas - a I Grande Guerra
«(...) Ninguém viu chegar a Revolução Francesa. Ninguém previu a queda do Muro de Berlim, a implosão da União Soviética e o fim do comunismo, que encerraram o século XX. Durante essa euforia, também não se imaginou que imediatamente se lhe seguiria a carnificina na ex-Jugoslávia. Se 1989 a todos surpreendeu, também ninguém previu o acontecimento fundador do século XX, a I Guerra Mundial (1914-18). É a mais eloquente introdução à incerteza e à irracionalidade na História.
Dela nasceram as tragédias do século. Sem ela, são inconcebíveis a vitória do comunismo na Rússia, a ascensão dos fascismos, Hitler e o Holocausto. A guerra fria foi o seu derradeiro produto.
A Grande Guerra, como foi designada pelos contemporâneos, iniciou o declínio da Europa, fez emergir a hegemonia americana, abriu inclusive o caminho ao futuro imperialismo japonês. Foi uma chacina, com quase nove milhões de mortos e 20 milhões de feridos e estropiados. Provocou uma catástrofe demográfica. A grande inflação dos anos 1920, que precedeu a crise económica de 1929, não só arruinou grupos sociais inteiros como corroeu a segurança dos europeus nas instituições, minou a credibilidade do Estado liberal e glorificou os autoritarismos. E, acima de tudo, foi um laboratório de barbárie: tornou irrisório o valor da vida humana, o que terá uma importância determinante na mentalidade da primeira metade do século.
Esta tragédia tem outra dimensão assustadora: a guerra nasce de uma inimaginável combinação de erros de cálculo por parte de todos os actores, o que desencadeia uma engrenagem incontrolável. O atentado de Sarajevo (28 de Junho de 1914), em que um terrorista sérvio assassinou o arquiduque austríaco Francisco-Fernando, foi o pretexto que a Áustria-Hungria tentou aproveitar para resolver a seu favor a questão balcânica, esmagando a Sérvia. A declaração de guerra a Belgrado é feita a 28 de Julho. Em poucos dias o conflito está generalizado.
Discute-se ainda hoje se a Alemanha queria a guerra. A querer, não seria esta. Berlim foi arrastada por Viena, o seu mais importante aliado, com base num duplo equívoco: a convicção de que a Rússia não interviria e de que a Inglaterra se manteria de lado. A Rússia, para quem o ultimato austríaco à Sérvia era inaceitável, precipitou a mobilização e encostou à parede a França, que não podia também abandonar o seu principal aliado contra a Alemanha. Londres envolveu-se na engrenagem apostando em que a diplomacia faria recuar Berlim e travaria Viena. Pior: todos os políticos e estados-maiores concebiam uma "pequena guerra", de semanas ou escassos meses. Todos tinham objectivos geopolíticos limitados.
O que melhor explica a extensão da guerra, escreveu o historiador Jean-Jacques Becker, não são os interesses imperialistas mas a explosão dos sentimentos nacionais, que, uma vez iniciado o conflito, o tornaram inexorável e total. Em polémica com historiadores marxistas, escreveu Raymond Aron: "Se os homens de Estado e os povos tivessem agido segundo a racionalidade económica, a guerra de 1914 não teria tido lugar. Nem os monopólios nem a dialéctica teriam tornado inevitável o que era irracional." (...)»
Jorge Almeida Fernandes. "A história prevê-se depois de acontecer". Público (revista "Pública"): 28.Dezembro.2008.
[foto: tropas canadianas na trincheira, em 1918 - arquivo da revista Life]
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Primeira Guerra Mundial
Um voto de António Barreto para 2009 (que subscrevo)
«(...) Gostaria que, entre o Governo, os sindicatos e os movimentos de professores se estabelecesse, pelo menos até às eleições, uma trégua ou uma moratória honrosa, que permitisse reflectir, estudar e imaginar novas soluções para as questões da avaliação e da carreira de docentes. Toda a gente ficava a ganhar, sobretudo os estudantes e os pais. As eleições, com os debates indispensáveis, poderiam ajudar muito a esclarecer os problemas e a resolvê-los gradualmente, com tentativas e experiências sucessivas, fora do clima de guerra que se criou e que nada oferece de bom. (...)»
António Barreto. "Gostaria". Público: 28.Dezembro.2008
sábado, 27 de dezembro de 2008
Ainda sobre os 90 anos do fim da I Grande Guerra
Uma página do Expresso de hoje é dedicada ao fim da Primeira Guerra Mundial, a propósito dos 90 anos que, neste ano, passaram sobre esse acontecimento. O texto é simples, enunciando uma série de coisas sabidas sobre as consequências desse conflito. Associa a infografia e desenhos com alguns dados sobre os truques que o belicismo da época usou – dirigível, tanque, metralhadora, gás ou submarino – e indica alguns “mitos e curiosidades” associados – gripe pneumónica, o transporte de reservas em táxis para a frente do Marne, o ataque alemão ao Funchal, o fogo sobre Paris e os mortos portugueses em África.
No texto, de Rui Cardoso, é dito que a efeméride dos 90 anos sobre o Armistício (passados em Novembro) foi comemorada “em quase toda a Europa, excepção feita a Portugal, também país beligerante”. A verdade é que, nesse conflito, Portugal teve mais de 7 mil mortos, a maior parte dos quais no norte de Moçambique.
Habitualmente, fala-se da presença de Portugal na Primeira Grande Guerra no cenário da Flandres, esquecendo-se o esforço que foi feito nos cenários de África (Moçambique e Angola), questão que já na altura foi contestada, porque os louros da memória (se os havia) iam sempre para os soldados que tinham rumado para a Flandres e quase nunca para os que tinham combatido ou perdido a vida em África.
Mas a memória tem destas coisas. Os 90 anos sobre o Armistício passaram e Portugal quase não se manifestou. Ainda houve, mais ou menos por essa altura de Novembro, uma reportagem na televisão sobre a guerra de trincheiras. Mas, na verdade… nada mais se ouviu dizer. Que contraste com o que se passou noutros países europeus que, como nós, viveram essa guerra, mas, tão diferentemente de nós, continuam a honrar os compromissos da memória! As razões podem ser muitas, históricas mesmo. Mas sobressai uma, que é a de uma má relação com a memória, que em Portugal se vai aboletando…
No último número de Ligne de Front, dedicado à Guerra de 1914-1918, Franck Segrétain escreveu sobre a participação portuguesa, considerando-a um “effort trop lourd pour le Portugal”, assim descrita: “De 1916 à 1918, le Portugal a envoyé en France 3374 officiers et 51709 hommes. Ils ont perdu 74 officiers et 2012 hommes morts, 256 officiers et 4968 hommes blessés et 7740 prisonniers de guerre. Au total, il a mobilisé 108100 hommes et perdu 35623 tués et blessés sur le front Ouest mais aussi sur mer et en Afrique, notamment en Mozambique”.
No texto, de Rui Cardoso, é dito que a efeméride dos 90 anos sobre o Armistício (passados em Novembro) foi comemorada “em quase toda a Europa, excepção feita a Portugal, também país beligerante”. A verdade é que, nesse conflito, Portugal teve mais de 7 mil mortos, a maior parte dos quais no norte de Moçambique.
Habitualmente, fala-se da presença de Portugal na Primeira Grande Guerra no cenário da Flandres, esquecendo-se o esforço que foi feito nos cenários de África (Moçambique e Angola), questão que já na altura foi contestada, porque os louros da memória (se os havia) iam sempre para os soldados que tinham rumado para a Flandres e quase nunca para os que tinham combatido ou perdido a vida em África.
Mas a memória tem destas coisas. Os 90 anos sobre o Armistício passaram e Portugal quase não se manifestou. Ainda houve, mais ou menos por essa altura de Novembro, uma reportagem na televisão sobre a guerra de trincheiras. Mas, na verdade… nada mais se ouviu dizer. Que contraste com o que se passou noutros países europeus que, como nós, viveram essa guerra, mas, tão diferentemente de nós, continuam a honrar os compromissos da memória! As razões podem ser muitas, históricas mesmo. Mas sobressai uma, que é a de uma má relação com a memória, que em Portugal se vai aboletando…
No último número de Ligne de Front, dedicado à Guerra de 1914-1918, Franck Segrétain escreveu sobre a participação portuguesa, considerando-a um “effort trop lourd pour le Portugal”, assim descrita: “De 1916 à 1918, le Portugal a envoyé en France 3374 officiers et 51709 hommes. Ils ont perdu 74 officiers et 2012 hommes morts, 256 officiers et 4968 hommes blessés et 7740 prisonniers de guerre. Au total, il a mobilisé 108100 hommes et perdu 35623 tués et blessés sur le front Ouest mais aussi sur mer et en Afrique, notamment en Mozambique”.
Veteranos ingleses da Primeira Grande Guerra Henry Allingham, Harry Patch e Bill Stone, nas cerimónias de Novembro de 2008 em Londres (revista Hello, 1048, 25.Nov.2008)
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
Andersen visto por Spencer Johnson e Zé Paulo
“Era uma vez… um rapazinho chamado Hans Christian Andersen, que vivia, há muitos, muitos anos, na aldeia de Odense, na Dinamarca.” Assim começa A maravilhosa história de Hans Christian Andersen (Lisboa: Vega, 2008), escrita por Spencer Johnson (bem conhecido por títulos como Quem mexeu no meu queijo?) e ilustrada por Zé Paulo (1937-2008, autor português de bd, com ampla obra, que faleceu nas vésperas deste Natal).
E o leitor acompanha a história do escritor dinamarquês a partir da sua infância, sofrida e modesta, sempre acalentando a esperança de um futuro mais ridente. Um dia, Hans, sentado na margem do rio, encontrou-se com um patinho “feio, atarracado, com as patas muito grandes para o corpo e um bico que era demasiado largo”, que ali recebeu o nome de Hamlet. Está o leitor a lembrar a história do “Patinho Feio”, escrita pelo mesmo Andersen…
Ora, nesta história, Hamlet nunca mais largará a companhia de Hans. Segue-o para as fábricas onde tenta empregar-se; para Copenhaga, quando Hans tem 14 anos; para os espectáculos e para a escola, num trajecto de dificuldades e de respostas negativas; na edição dos seus livros e nas suas viagens. Sempre a acompanhar a evolução de Andersen e a zelar por que ele conseguisse o seu sonho de vir a ser conhecido. Quase no final da história, o patito confessou a Hans: “Vou dizer-te um segredo, Hans Christian Andersen. Gosto mais das tuas histórias de fadas do que do teu romance”, um género de profecia para a boa fortuna dos contos andersenianos.
E a narrativa acaba com um desafio aos leitores: “Deve haver momentos em que também tens fantasias – em que contas a ti próprio histórias e sonhos. As tuas fantasias podem não ser sobre reis, princesas, sereias ou rouxinóis. São capazes de ser bem diferentes. E, se calhar, nem pensas vir a ser famoso. Mas se conseguires arranjar tempo na tua vida para os sonhos, quaisquer que eles sejam – e teres um bocadinho de tempo para fantasiar – verás que te sentirás mais feliz.” O convite pretende reeditar o percurso de Hans Christian Andersen, que, de sofrido e lutador, conseguiu ser motivo de orgulho para a sua cidade, porque não esqueceu a sua fantasia – a história da companhia permanente do patito Hamlet é a metáfora dessa mesma imaginação. Não é por acaso que Hamlet o orienta e incentiva na sua escrita: “Não achas engraçado contares histórias de fadas [às] crianças? (…) Elas falam de força, amor, bondade, vida e esperança, não falam?”
E o leitor acompanha a história do escritor dinamarquês a partir da sua infância, sofrida e modesta, sempre acalentando a esperança de um futuro mais ridente. Um dia, Hans, sentado na margem do rio, encontrou-se com um patinho “feio, atarracado, com as patas muito grandes para o corpo e um bico que era demasiado largo”, que ali recebeu o nome de Hamlet. Está o leitor a lembrar a história do “Patinho Feio”, escrita pelo mesmo Andersen…
Ora, nesta história, Hamlet nunca mais largará a companhia de Hans. Segue-o para as fábricas onde tenta empregar-se; para Copenhaga, quando Hans tem 14 anos; para os espectáculos e para a escola, num trajecto de dificuldades e de respostas negativas; na edição dos seus livros e nas suas viagens. Sempre a acompanhar a evolução de Andersen e a zelar por que ele conseguisse o seu sonho de vir a ser conhecido. Quase no final da história, o patito confessou a Hans: “Vou dizer-te um segredo, Hans Christian Andersen. Gosto mais das tuas histórias de fadas do que do teu romance”, um género de profecia para a boa fortuna dos contos andersenianos.
E a narrativa acaba com um desafio aos leitores: “Deve haver momentos em que também tens fantasias – em que contas a ti próprio histórias e sonhos. As tuas fantasias podem não ser sobre reis, princesas, sereias ou rouxinóis. São capazes de ser bem diferentes. E, se calhar, nem pensas vir a ser famoso. Mas se conseguires arranjar tempo na tua vida para os sonhos, quaisquer que eles sejam – e teres um bocadinho de tempo para fantasiar – verás que te sentirás mais feliz.” O convite pretende reeditar o percurso de Hans Christian Andersen, que, de sofrido e lutador, conseguiu ser motivo de orgulho para a sua cidade, porque não esqueceu a sua fantasia – a história da companhia permanente do patito Hamlet é a metáfora dessa mesma imaginação. Não é por acaso que Hamlet o orienta e incentiva na sua escrita: “Não achas engraçado contares histórias de fadas [às] crianças? (…) Elas falam de força, amor, bondade, vida e esperança, não falam?”
Uma biografia fantasiada de Andersen, pois. No entanto, no final, em duas páginas, são referidos “factos históricos” da vida do escritor dinamarquês, não sendo omitido que, em 1866, viajou em Portugal, entre os meses de Maio e Agosto, disso tendo deixado relato escrito em Uma visita a Portugal em 1866.
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A escola na mensagem de Natal de D. José Policarpo
«(...) Nas últimas semanas os acontecimentos levaram-nos a fixar a nossa atenção num grupo de pessoas cuja missão é decisiva para o futuro de Portugal: os professores, os formadores das nossas crianças e dos nossos jovens. Que ninguém ouse transformar este sofrimento em simples arma de luta política, porque na batalha da educação os únicos vencedores têm de ser os vossos filhos. Para estes esta batalha não é política ou sindical: é a batalha da vida, que eles só vencerão com a generosidade, a competência e a coragem de todos nós. (...)»
D. José Policarpo (Patriarca de Lisboa). "Mensagem de Natal" (Dezembro.2008)
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quarta-feira, 24 de dezembro de 2008
Boas Festas
Sei que, nos tempos que correm, não há tempo para ler grandes mensagens, mesmo que sejam de Natal! A vida tem-nos feito assim!...
Gostaria de enviar o mais bonito poema, o mais elucidativo quadro, a mais brilhante prenda. Gostaria, é certo. Mas, como não consigo escrevê-lo, pintá-lo ou construí-la, limitar-me-ei a convidar para que a melhor prenda sejamos nós próprios. Seria bem bom e contribuiríamos para uma ordenação dos valores.
Até que consigamos realizar isso, votos de Boas Festas, com um Santo e Feliz Natal e um 2009 que seja o melhor possível, na companhia de quem seja mais próximo!
(Depois de ontem a ter enviado aos amigos e aos alunos, partilho agora a mensagem com os leitores, acrescentando-lhe o Natal que o Francisco concebeu.)
Uma adivinha de Santana Castilho e sua reflexão sobre a resposta
Era, mas já não é. O que é?
Era necessário observar aulas de professores avaliados, mas já não é. Só a pedido, para quem aspire a ser muito bom ou excelente. Era necessário observar três aulas, mas já não é. Duas chegam, a pedido. Era o coordenador que avaliava os colegas de departamento, mas já não é. Agora pode vir alguém de fora, rigor científico protegido. Era muito importante cumprir objectivos previamente definidos, mas já não é. Os resultados escolares e as taxas de abandono deixaram de contar. Era necessário fazer reuniões entre avaliadores e avaliados, mas já não é. Basta que estejam de acordo. Era um processo para todos, mas já não é. Ficam de fora os contratados para determinadas áreas tecnológicas e artísticas, não pertencentes aos grupos de recrutamento, e os que se reformarão até 2011. Tudo somado, uns belos milhares. Era preciso desdobrar um monte de fichas numa montanha de parâmetros para chegar a uma avalanche de itens, mas já não é. Caiu o número quê bê. O que é? A saga da avaliação do desempenho no seu melhor, a política a descer ao charco. A juventude socialista foi para a porta das escolas doutrinar os alunos com manifestos apelativos. Nos jornais, os de distribuição gratuita incluídos, em prática antes nunca vista, publicam-se anúncios, pagos com o dinheiro dos nossos impostos, para arregimentar o pagode. Os endereços electrónicos dos professores, facultados para outros fins, protegidos pela ética da protecção de dados, ora mandada às malvas, são usados pelo Ministério da Educação, para manipular e pressionar. A remuneração complementar dos futuros directores das escolas, os peões que a visão napoleónica de Sócrates começa a colocar no terreno, subiu quase 50 por cento. Aos saltimbancos da profissão acenou-se com um generoso aumento de vagas para o próximo concurso. O que é? A investida do Governo para dividir e desmobilizar os professores, no sentido de esvaziar a greve marcada para 19 de Janeiro.
Já aqui escrevi que a avaliação é um epifenómeno menor de uma política desastrosa para a qualidade da educação. Neste conflito, já perdeu o país. Já perderam os alunos. Já perdeu o Governo, o primeiro-ministro e a ministra da Educação. Podem agora perder os professores se não perceberem, como classe com responsabilidade social particular, que é a dignidade deles e a qualidade da escola pública que estão em jogo. Talvez possamos ser indulgentes para com os pobres que vendem o voto por electrodomésticos distribuídos porta a porta. Mas não esperem os professores indulgência se cederem às primeiras facilidades e aceitarem sinecuras sem princípios. Um grupo de professores convidou-me há dias para partilhar com eles a minha visão sobre o actual momento político. No debate que se seguiu evidenciaram-se sinais preocupantes, narrados por quem está no terreno. Há quem tenha assumido documentalmente a recusa a ser avaliado e tenha entregue, sob sigilo, os objectivos requeridos pelo processo? Tem expressão relevante o grupo dos que, sob pretexto de não serem ultrapassados por oportunistas, deixam cair compromissos pessoais anteriores e engrossam a onda daqueles que dizem que a simplificação consumada mudou o cenário? Estas perguntas foram feitas aos presentes por um dos participantes. As respostas que ouvi deixaram-me perplexo. Várias perguntas que me foram dirigidas versavam questões sobre o efeito que o conflito tem produzido na opinião pública. Respondi recordando processos de outras classes profissionais. Naturalmente que comecei pelos médicos, cuja recente ameaça de greve, terrível para o julgamento público, chegou para meter na gaveta a ideia peregrina de lhes aumentar desumanamente o tempo de trabalho, ainda por cima sem qualquer compensação remuneratória. E falei também dos juízes e dos militares. Naquele grupo, todos estivemos de acordo sobre a necessidade de pôr princípios e dignidade à frente da opinião pública, nem sempre esclarecida, tantas vezes envenenada. Não sei se aquele grupo é representativo do que sente a classe.
Santana Castilho. "Era, mas já não é. O que é?". Público: 24.Dezembro.2008
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terça-feira, 23 de dezembro de 2008
Azulejos de Setúbal e de Azeitão em livro
O mundo dos azulejos da região de Setúbal e Azeitão já tem um guia. Ou, pelo menos, um contributo para a orientação e para a preservação. É uma obra colectiva e intitula-se Património Azulejar de Setúbal e Azeitão (Setúbal: LASA, 2008), apresentado publicamente no passado fim-de-semana.
O trabalho nasceu da constituição de um Núcleo do Património dentro da LASA (Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão) e estava protocolado com a Câmara Municipal de Setúbal desde 2000. Nesta edição, são recolhidos espécimes azulejares das duas localidades, existentes no exterior de edifícios, levantamento confinado aos respectivos centros históricos, ainda que, no caso de Setúbal, a área tenha sido alargada ao Bairro Salgado, dada a sua riqueza em azulejos exteriores. O objectivo da obra surge expresso no texto introdutório: “alertar para a beleza e singularidade de um legado artístico que, com a acção do tempo e do Homem, se tem vindo a degradar, sendo substituído de forma gratuita por revestimentos menos nobres, levando ao empobrecimento do tecido edificado setubalense e azeitonense.”
A obra divide-se em cinco partes: “azulejo de padrão” (liso, relevado e de figura avulsa), “frisos e frontões” (decorativos e eclécticos quanto aos motivos), “painéis” (decorativos, simbólicos e comerciais), “registos azulejares” (representações hagiográficas que invocam a protecção ou a bênção) e “placas toponímicas”.
No final das cerca de seis dezenas de páginas, há novamente o apelo para a “necessidade de salvaguarda de valores” identitários que constituem um legado patrimonial como são os azulejos que surgem espalhados por Setúbal e Azeitão, que contam uma história (não apenas social, mas também do gosto) e que permitem um passeio pela história do azulejo de exterior desde o séc. XVIII.
As reproduções constantes na obra surgem localizadas a nível de ruas, mas bem podia haver mais alguma informação quanto à localização, como número de porta ou mapa, de forma a facilitar a procura. Fora este pormenor, a obra reveste-se de toda a utilidade, quer pelo que consegue guardar, quer pelo que revela, uma vez que, quanto a este tipo de património, “tantas vezes olhamos para ele, mas não o vemos”.
O trabalho nasceu da constituição de um Núcleo do Património dentro da LASA (Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão) e estava protocolado com a Câmara Municipal de Setúbal desde 2000. Nesta edição, são recolhidos espécimes azulejares das duas localidades, existentes no exterior de edifícios, levantamento confinado aos respectivos centros históricos, ainda que, no caso de Setúbal, a área tenha sido alargada ao Bairro Salgado, dada a sua riqueza em azulejos exteriores. O objectivo da obra surge expresso no texto introdutório: “alertar para a beleza e singularidade de um legado artístico que, com a acção do tempo e do Homem, se tem vindo a degradar, sendo substituído de forma gratuita por revestimentos menos nobres, levando ao empobrecimento do tecido edificado setubalense e azeitonense.”
A obra divide-se em cinco partes: “azulejo de padrão” (liso, relevado e de figura avulsa), “frisos e frontões” (decorativos e eclécticos quanto aos motivos), “painéis” (decorativos, simbólicos e comerciais), “registos azulejares” (representações hagiográficas que invocam a protecção ou a bênção) e “placas toponímicas”.
No final das cerca de seis dezenas de páginas, há novamente o apelo para a “necessidade de salvaguarda de valores” identitários que constituem um legado patrimonial como são os azulejos que surgem espalhados por Setúbal e Azeitão, que contam uma história (não apenas social, mas também do gosto) e que permitem um passeio pela história do azulejo de exterior desde o séc. XVIII.
As reproduções constantes na obra surgem localizadas a nível de ruas, mas bem podia haver mais alguma informação quanto à localização, como número de porta ou mapa, de forma a facilitar a procura. Fora este pormenor, a obra reveste-se de toda a utilidade, quer pelo que consegue guardar, quer pelo que revela, uma vez que, quanto a este tipo de património, “tantas vezes olhamos para ele, mas não o vemos”.
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segunda-feira, 22 de dezembro de 2008
O Cabo Espichel pelo olhar de José Arsénio
O fascínio da paisagem do Cabo Espichel no seu quê de encontro com o horizonte, de envolvimento místico, de abrupto final de terra que se confronta com o mar, de sítio histórico e religioso, pode ser visto nas fotografias de José Arsénio, editadas no terceiro volume da colecção “Patrimónios” que a autarquia sesimbrense tem a seu cargo (Cabo Espichel. Sesimbra: Câmara Municipal de Sesimbra, 2008)
A publicação mostra e conta o sítio a partir de vários ângulos, com a ajuda de uma objectiva que se intromete no tempo e na história, num jogo entre os longes e o perto, entre a distância do tempo e actualidade. Paralelamente, corre o texto (devido a Luís Jorge Gonçalves, Anabela Santos e Paulo Sá Caetano), que conta histórias vividas no Cabo, sobretudo de cunho religioso: desde a lenda do aparecimento da imagem de Nossa Senhora (séc. XV) até à construção do santuário da Senhora do Cabo (séc. XVIII), com passagem pelas Casas dos Círios; desde o patrocínio que a este encontro deram reis e populares até às marcas pictóricas e arquitectónicas da arte que faz viver o sítio e contar a história; desde os cómodos proporcionados aos romeiros pela “mãe-d’água” (séc. XVIII) até ao recinto festivo, onde o profano convivia com o peregrinar da fé; desde a ponta que, do lado do mar, anuncia a Arrábida até à importância arqueológica do local, não esquecendo os registos de dinossauros.
O leitor pode acompanhar a evocação do lugar, seja pelas imagens apelativas (dos espaços exteriores ou do interior do santuário, com destaque para as reproduções do seu tecto), seja pelas notícias históricas que, em breves apontamentos, vão sendo dadas, havendo mesmo a possibilidade de acompanhar a romagem que aqui fez o príncipe herdeiro D. João em 1784, seja pela forma de contar a história desde o aparecimento da imagem até à construção do santuário que o conjunto azulejar da Ermida da Memória permite. É uma memória, um olhar sobre o presente o passado, na contemplação do tempo, da paisagem e da história.
A publicação mostra e conta o sítio a partir de vários ângulos, com a ajuda de uma objectiva que se intromete no tempo e na história, num jogo entre os longes e o perto, entre a distância do tempo e actualidade. Paralelamente, corre o texto (devido a Luís Jorge Gonçalves, Anabela Santos e Paulo Sá Caetano), que conta histórias vividas no Cabo, sobretudo de cunho religioso: desde a lenda do aparecimento da imagem de Nossa Senhora (séc. XV) até à construção do santuário da Senhora do Cabo (séc. XVIII), com passagem pelas Casas dos Círios; desde o patrocínio que a este encontro deram reis e populares até às marcas pictóricas e arquitectónicas da arte que faz viver o sítio e contar a história; desde os cómodos proporcionados aos romeiros pela “mãe-d’água” (séc. XVIII) até ao recinto festivo, onde o profano convivia com o peregrinar da fé; desde a ponta que, do lado do mar, anuncia a Arrábida até à importância arqueológica do local, não esquecendo os registos de dinossauros.
O leitor pode acompanhar a evocação do lugar, seja pelas imagens apelativas (dos espaços exteriores ou do interior do santuário, com destaque para as reproduções do seu tecto), seja pelas notícias históricas que, em breves apontamentos, vão sendo dadas, havendo mesmo a possibilidade de acompanhar a romagem que aqui fez o príncipe herdeiro D. João em 1784, seja pela forma de contar a história desde o aparecimento da imagem até à construção do santuário que o conjunto azulejar da Ermida da Memória permite. É uma memória, um olhar sobre o presente o passado, na contemplação do tempo, da paisagem e da história.
domingo, 21 de dezembro de 2008
Neste dia, em 1805...
... morreu Bocage, o poeta setubalense que se deixara adoptar pelo Sado no pseudónimo que escolheu. Trago para aqui a sua evocação através do trabalho em vitral de Isabel Fidalgo e da poesia de Mário Beirão.
Bocage
Passaste como o vento em desalinho,
Funesta imagem de ilusão cruel,
Dos desenganos o amargoso fel
Libando em taças de inebriante vinho!
Ó santo, a quem deteve no caminho
Das paixões o fantástico tropel,
A tua imagem sangra num painel
Que o Tempo mostra à multidão, escarninho!
Mais pálido que os lírios dos sepulcros,
Tombas no escuro eterno, entressonhando
Da Virgem-Mãe os doces olhos pulcros…
- Estrelas, alumiai o peregrino,
Mais os que seguem, pela noite, errando,
Às lágrimas, aos fados, ao Destino!
Passaste como o vento em desalinho,
Funesta imagem de ilusão cruel,
Dos desenganos o amargoso fel
Libando em taças de inebriante vinho!
Ó santo, a quem deteve no caminho
Das paixões o fantástico tropel,
A tua imagem sangra num painel
Que o Tempo mostra à multidão, escarninho!
Mais pálido que os lírios dos sepulcros,
Tombas no escuro eterno, entressonhando
Da Virgem-Mãe os doces olhos pulcros…
- Estrelas, alumiai o peregrino,
Mais os que seguem, pela noite, errando,
Às lágrimas, aos fados, ao Destino!
Mário Beirão. Lusitânia (1917)
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sábado, 20 de dezembro de 2008
Hoje, no "Correio de Setúbal"
Diário da Auto-Estima – 92
Escola – As recentes negociações entre o Ministério da Educação e a Plataforma Sindical pautaram-se pela desconfiança. E, enquanto tal, tiveram o resultado que mereciam: o peso da irredutibilidade, da obstinação e da teimosia, com resultado de empate. Era esperado mais de parte a parte – pelo respeito que deveriam merecer a Escola, a sociedade, os alunos e os professores. A presença no(s) poder(es) não pode ser a justificação para todos os fins. E a verdade, como disse recentemente Licínio Lima, é que, em educação, a pedagogia foi substituída pela economia. A semelhança está apenas na rima. É quase certo que, no futuro, ambas vão perder por causa desta confusão. Mas todos perderemos muito mais do que elas. Se me estiver a enganar, ficarei feliz…
Deputados – Haverá ainda algo para dizer sobre aquela cena maquiavélica que se passou na Assembleia da República quanto à presença ou ausência de deputados, voltada a notar porque uma votação que parecia ser escaldante volveu votação vencida? Haverá ainda algo a dizer sobre a sugestão de que a sexta-feira fosse libertada do trabalho dos deputados? Não podemos estar a ver o trabalho no Parlamento como uma coisa de somenos, como algo que soa a jogo combinado. Que interesse terão os cidadãos em aproximar-se dos políticos se as políticas andam distantes, se as aprovações parlamentares mais fazem lembrar estratégias do que convicções? E o pior é que o sistema se reproduz – quantas vezes se vê, em sessões públicas, alguns dos intervenientes a sair da sala no momento das votações, só para que o seu nome não lhes esteja associado? Creio que não é para isto que se vota…
Sebastião da Gama – O poeta da Arrábida tem um estudo que merecia e que já aqui sugeri na última crónica. Sebastião da Gama - Milagre de vida em busca do Eterno é o título de que se fala, devido a Alexandre Santos. Linguagem acessível (apesar de ser um trabalho académico), com dose quanto baste de registos biográficos que ilustram o passeio pela obra publicada. Uma chave para entender a escrita e o sonho do poeta de Azeitão, deambulando pela sua poesia e pelo seu Diário, na busca da alegria de viver e na construção de um caminho de amor feito. E fica a convicção de que o poeta, o homem e o pedagogo funcionavam em conjunto, num todo, numa forma poética de ser vida. E também a de que Sebastião da Gama ultrapassa em muito o interesse eventualmente apenas regional, antes sendo uma expressão importante da cultura portuguesa do seu tempo. A ler, obrigatoriamente.
2009 – O ano que está a chegar tem números redondos para gostos plurais. Eis algumas hipóteses de trabalho com a memória: 900 anos do nascimento de Afonso Henriques, 250 anos da morte de Bernardo Gomes de Brito, 200 anos do nascimento de José Estêvão, 150 anos do nascimento de António Feijó, centenário do nascimento de Soeiro Pereira Gomes, de António Pedro e de Adolfo Simões Muller, 90 anos do nascimento de Ricardo Alberty, 60 anos da morte de António Aleixo e 50 anos das mortes de António Botto e de Gago Coutinho. No que à região de Setúbal respeita, as oportunidades de celebrar a vida, a cultura e a memória são também algumas: 390 anos da morte de Frei Agostinho da Cruz, 200 anos da morte do Morgado de Setúbal, 150 anos do nascimento do Padre Cruz e de João Vaz, 80 anos do nascimento de José Afonso, 35 anos da morte de Celestino Alves e de Antoine Velge e, finalmente, 60 anos sobre o início da escrita do Diário de Sebastião da Gama.
Votos – Boas Festas é o desejo inevitável nesta quadra, que gostaria de transmitir a todos os leitores, ainda que sabendo que a realidade dos tempos é difícil. Seja com o calor do presépio, seja com o ritmo comercial e global do Pai Natal, votos de Boas Festas, pois! E também de um 2009 que seja o melhor possível!
Deputados – Haverá ainda algo para dizer sobre aquela cena maquiavélica que se passou na Assembleia da República quanto à presença ou ausência de deputados, voltada a notar porque uma votação que parecia ser escaldante volveu votação vencida? Haverá ainda algo a dizer sobre a sugestão de que a sexta-feira fosse libertada do trabalho dos deputados? Não podemos estar a ver o trabalho no Parlamento como uma coisa de somenos, como algo que soa a jogo combinado. Que interesse terão os cidadãos em aproximar-se dos políticos se as políticas andam distantes, se as aprovações parlamentares mais fazem lembrar estratégias do que convicções? E o pior é que o sistema se reproduz – quantas vezes se vê, em sessões públicas, alguns dos intervenientes a sair da sala no momento das votações, só para que o seu nome não lhes esteja associado? Creio que não é para isto que se vota…
Sebastião da Gama – O poeta da Arrábida tem um estudo que merecia e que já aqui sugeri na última crónica. Sebastião da Gama - Milagre de vida em busca do Eterno é o título de que se fala, devido a Alexandre Santos. Linguagem acessível (apesar de ser um trabalho académico), com dose quanto baste de registos biográficos que ilustram o passeio pela obra publicada. Uma chave para entender a escrita e o sonho do poeta de Azeitão, deambulando pela sua poesia e pelo seu Diário, na busca da alegria de viver e na construção de um caminho de amor feito. E fica a convicção de que o poeta, o homem e o pedagogo funcionavam em conjunto, num todo, numa forma poética de ser vida. E também a de que Sebastião da Gama ultrapassa em muito o interesse eventualmente apenas regional, antes sendo uma expressão importante da cultura portuguesa do seu tempo. A ler, obrigatoriamente.
2009 – O ano que está a chegar tem números redondos para gostos plurais. Eis algumas hipóteses de trabalho com a memória: 900 anos do nascimento de Afonso Henriques, 250 anos da morte de Bernardo Gomes de Brito, 200 anos do nascimento de José Estêvão, 150 anos do nascimento de António Feijó, centenário do nascimento de Soeiro Pereira Gomes, de António Pedro e de Adolfo Simões Muller, 90 anos do nascimento de Ricardo Alberty, 60 anos da morte de António Aleixo e 50 anos das mortes de António Botto e de Gago Coutinho. No que à região de Setúbal respeita, as oportunidades de celebrar a vida, a cultura e a memória são também algumas: 390 anos da morte de Frei Agostinho da Cruz, 200 anos da morte do Morgado de Setúbal, 150 anos do nascimento do Padre Cruz e de João Vaz, 80 anos do nascimento de José Afonso, 35 anos da morte de Celestino Alves e de Antoine Velge e, finalmente, 60 anos sobre o início da escrita do Diário de Sebastião da Gama.
Votos – Boas Festas é o desejo inevitável nesta quadra, que gostaria de transmitir a todos os leitores, ainda que sabendo que a realidade dos tempos é difícil. Seja com o calor do presépio, seja com o ritmo comercial e global do Pai Natal, votos de Boas Festas, pois! E também de um 2009 que seja o melhor possível!
sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Nuno Júdice vai dirigir a "Colóquio-Letras"
«Nuno Júdice é o novo director da revista Colóquio-Letras, na sequência da decisão do Conselho de Administração da Fundação Gulbenkian de nomear uma nova direcção e um conselho editorial para a revista, de modo a garantir a sua publicação regular e os compromissos assumidos perante o público e os assinantes. O conselho editorial da Colóquio-Letras será presidido por Eduardo Lourenço.» A informação foi divulgada hoje em nota da Fundação Calouste Gulbenkian.
A revista Colóquio-Letras, publicação de referência na área da literatura em Portugal, surgida em 1971, teve como directores anteriores Hernâni Cidade, Jacinto do Prado Coelho, David Mourão-Ferreira e Joana Varela.
A revista Colóquio-Letras, publicação de referência na área da literatura em Portugal, surgida em 1971, teve como directores anteriores Hernâni Cidade, Jacinto do Prado Coelho, David Mourão-Ferreira e Joana Varela.
O último número que saiu (nº duplo 168/169) finalizou a publicação dos textos de "Imagens da Poesia Europeia", de David Mourão-Ferreira. A Colóquio-Letras surgiu em substituição da revista Colóquio (1959-1970) e coexistiu com Colóquio-Artes (também criada em 1971 e já extinta), Colóquio-Ciência (criada em 1988) e Colóquio-Educação e Sociedade (surgida em 1992).
Nuno Júdice é professor universitário, poeta e ensaísta e foi já director da revista Tabacaria, da Casa Fernando Pessoa (números 0 a 8, entre 1996 e 1999).
"Sopa de pedra", por Manuel António Pina
«Nos anos de chumbo da Guerra Fria, a propaganda ocidental comparava a economia soviética a um comboio parado dentro do qual, para que quem estivesse de fora acreditasse que a coisa estava em movimento, os passageiros, sob a batuta do PCUS, se iam inclinando ritmadamente para a frente e para trás. Passa-se algo parecido com o famoso modelo de avaliação que o ME desencantou, pronto a vestir, no Chile e importou com a louvável intenção de "chilenizar" a escola portuguesa.
Tendo-se os custos da coisa, principalmente os políticos, descontrolado, neste momento, a ministra já não quer saber do modelo para nada, só estando preocupada, ela e o Governo, que quem estejade fora acredite que a "reforma" vingou. Depois de todas as simplificações, alterações, excepções e derrogações em matérias que ainda no dia anterior eram "essenciais", agora são os professores que se reformarem até 2011 que já não "têm direito" a ser avaliados. O modelo de avaliação da ministra tornou-se numa sopa de pedra ao contrário. Vai-lhe tirando, um a um, todos os ingredientes e condimentos, desde que fique, ao menos, a pedra.»
Tendo-se os custos da coisa, principalmente os políticos, descontrolado, neste momento, a ministra já não quer saber do modelo para nada, só estando preocupada, ela e o Governo, que quem estejade fora acredite que a "reforma" vingou. Depois de todas as simplificações, alterações, excepções e derrogações em matérias que ainda no dia anterior eram "essenciais", agora são os professores que se reformarem até 2011 que já não "têm direito" a ser avaliados. O modelo de avaliação da ministra tornou-se numa sopa de pedra ao contrário. Vai-lhe tirando, um a um, todos os ingredientes e condimentos, desde que fique, ao menos, a pedra.»
Manuel António Pina. "Sopa de pedra". Jornal de Notícias. 19.Dezembro.2008.
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quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Ética e actualidade, por Viriato Soromenho-Marques
Onde é que a ética se mistura com a actualidade que nos é contemporânea, que vivemos e sofremos? Uma leitura de Viriato Soromenho-Marques, a que não somos indiferentes [clicar sobre a imagem para ler]!
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Professores e mudança de profissão
“Quase 75 por cento dos professores mudavam de profissão se tivessem alternativa e 81 por cento admitem que, se pudessem, pediam a aposentação, mesmo com penalizações, segundo um inquérito a mais de mil docentes que será apresentado hoje.”
Os resultados merecem a atenção com que se olha para todas as sondagens ou inquéritos. E, neste caso, o inquérito a cerca de um milhar de docentes, promovido pelo Observatório da Avaliação de Desempenho, criado pela Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e pelo Instituto Superior de Educação e Trabalho, dá estes resultados, colhidos ao longo dos dois últimos meses.
Os resultados merecem a atenção com que se olha para todas as sondagens ou inquéritos. E, neste caso, o inquérito a cerca de um milhar de docentes, promovido pelo Observatório da Avaliação de Desempenho, criado pela Federação Nacional dos Sindicatos da Educação e pelo Instituto Superior de Educação e Trabalho, dá estes resultados, colhidos ao longo dos dois últimos meses.
A primeira observação que estes dados me merecem contém alguma ironia, porque, há anos, perguntando numa turma a alunos de 9º ano que profissões gostariam de ter, dois escreveram que... gostariam de ser aposentados. Fiquei perplexo com o rumo que uma sociedade poderia tomar...
Por outro lado, não faltará, com estes resultados, quem comente com um apressado e primário “se não estão bem…”! No entanto, mesmo que consideremos arrojados estes números, o certo é que o descontentamento ainda aí e não se vislumbra maneira de o arredar. E não é por uma questão de exigência de regalias; é mais por se ver que, na educação, se está sozinho, rodeado de muitos interesses que não os da educação ou da formação; é mais por se ver que foi cavalgada a onda da desconsideração sem necessidade; é mais por se ver que a eficácia das políticas não é aquilo que elas mesmas apregoam.
Para se falar de projecto de sucesso nas escolas não é preciso desconsiderar ninguém; basta dar à escola a importância que ela tem que ter, valorizá-la. Para se falar de avaliação de desempenho docente, não é preciso encetar uma contenda ou uma guerra ou lá o que queiram chamar-lhe; basta assumir a avaliação como uma ferramenta necessária à melhoria das práticas e à dignificação da escola, dos profissionais e dos utentes.
Ora, não tem sido isto que tem acontecido, apesar da demagogia dos discursos que têm acompanhado todo este movimento de desgaste e de caça a culpados. O prestígio que se exige não é para ser usado em termos pessoais; é para ser utilizado em prol da sociedade e da escola, em prol de valores interessantes e importantes para o bem-estar. O respeito que se reivindica não é para criar privilégios; é para que a escola seja olhada com seriedade e sem que ela sirva para a instrumentalização feita pela política, pelo caciquismo ou pelo favor concedido aos correligionários.
Nada disto tem acontecido. E, paralelamente, os problemas que têm sido impeditivos de alguns rasgos de autonomia, de maior qualidade na educação, mantêm-se. “E os portugueses sabem isso”, para usar uma frase muito do agrado do Primeiro-Ministro, independentemente do que ela queira dizer…
E, já agora, quanto à avaliação de desempenho e ao seu estado, que credibilidade me pode ela oferecer, a mim, que nela terei que participar, se, depois de ter sido apresentada pelo ângulo de um modelo de exigência, em cada dia que passa leva com uma onda de simplificação, de alteração, de mudança de rumo? Não seria, de facto, melhor interromper a marcha em abono da credibilidade (naturalmente, para a retomar logo que haja consenso e caminho iluminado)? Obviamente, a (in)satisfação na profissão não é um drama; mas também não é uma coisa boa. Para ninguém. Na escola, que o digam os alunos (quando têm o azar de sentir um professor pouco motivado ou interessado); na sociedade, que o digamos todos!
Por outro lado, não faltará, com estes resultados, quem comente com um apressado e primário “se não estão bem…”! No entanto, mesmo que consideremos arrojados estes números, o certo é que o descontentamento ainda aí e não se vislumbra maneira de o arredar. E não é por uma questão de exigência de regalias; é mais por se ver que, na educação, se está sozinho, rodeado de muitos interesses que não os da educação ou da formação; é mais por se ver que foi cavalgada a onda da desconsideração sem necessidade; é mais por se ver que a eficácia das políticas não é aquilo que elas mesmas apregoam.
Para se falar de projecto de sucesso nas escolas não é preciso desconsiderar ninguém; basta dar à escola a importância que ela tem que ter, valorizá-la. Para se falar de avaliação de desempenho docente, não é preciso encetar uma contenda ou uma guerra ou lá o que queiram chamar-lhe; basta assumir a avaliação como uma ferramenta necessária à melhoria das práticas e à dignificação da escola, dos profissionais e dos utentes.
Ora, não tem sido isto que tem acontecido, apesar da demagogia dos discursos que têm acompanhado todo este movimento de desgaste e de caça a culpados. O prestígio que se exige não é para ser usado em termos pessoais; é para ser utilizado em prol da sociedade e da escola, em prol de valores interessantes e importantes para o bem-estar. O respeito que se reivindica não é para criar privilégios; é para que a escola seja olhada com seriedade e sem que ela sirva para a instrumentalização feita pela política, pelo caciquismo ou pelo favor concedido aos correligionários.
Nada disto tem acontecido. E, paralelamente, os problemas que têm sido impeditivos de alguns rasgos de autonomia, de maior qualidade na educação, mantêm-se. “E os portugueses sabem isso”, para usar uma frase muito do agrado do Primeiro-Ministro, independentemente do que ela queira dizer…
E, já agora, quanto à avaliação de desempenho e ao seu estado, que credibilidade me pode ela oferecer, a mim, que nela terei que participar, se, depois de ter sido apresentada pelo ângulo de um modelo de exigência, em cada dia que passa leva com uma onda de simplificação, de alteração, de mudança de rumo? Não seria, de facto, melhor interromper a marcha em abono da credibilidade (naturalmente, para a retomar logo que haja consenso e caminho iluminado)? Obviamente, a (in)satisfação na profissão não é um drama; mas também não é uma coisa boa. Para ninguém. Na escola, que o digam os alunos (quando têm o azar de sentir um professor pouco motivado ou interessado); na sociedade, que o digamos todos!
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Máximas em mínimas (38)
SONHO
“Podes voar e ser livre mesmo sem ser um pássaro! Até aqueles que vivem presos podem ser sempre livres e voar através dos seus sonhos.”
Mariana Correia. “A Menina Pássaro”. A Menina pássaro e outros contos. Lisboa: Verbo, 2008, pg. 13.
Em 2008 passaram 50 anos sobre a criação de uma editora de referência em Portugal: a Verbo, casa com responsabilidade em muitas áreas do mundo editorial, com destaque para o grupo das generalidades (relembre-se a célebre Enciclopédia Luso-Brasileira, por exemplo) e para o campo da literatura infanto-juvenil, entre muitas outras. Para este aniversário, uma das actividades promovidas pela editora foi o concurso literário “Os Escritores do Futuro”, destinado a jovens entre os 10 e os 13 anos, que, a partir de uma citação de um autor juvenil da editora, deveriam construir um conto. O resultado aí está, neste livro que reúne nove narrativas de outros tantos jovens.
Mariana Correia, de quem escolhi a citação, é autora do conto que empresta título à colectânea, tem 11 anos e estuda em Lisboa, na Escola Fernando Pessoa. Os outros autores são, pela ordem de entrada na antologia: Ricardo Cerejo (11 anos, Lisboa, autor de "O gang das biclas"), Alexandre Pancadas (12 anos, Portimão, autor de "Os tigres azuis"), Mariana Dias (11 anos, Torres Vedras, autora de "Chuva na praia"), Maria Inês Pedro (12 anos, Leiria, autora de "Há festa na escola"), Ana Francisca Correia (12 anos, Maia, autora de "Força da natureza"), Rita Pereira (13 anos, Moscavide, autora de "Grande pesadelo!"), Rui Fonseca (12 anos, Rio Tinto, autor de "O caracol") e Rita Pina (12 anos, Viseu, autora de "A noite acordou à noite"). Resta dizer que as citações que serviram de pretexto a estes autores têm a assinatura de Ana Meireles, Maria Teresa Maia Gonzalez, Nuno Magalhães Guedes, Maria do Rosário Pedreira, Maria do Carmo Rodrigues, Maria da Conceição Ferreira, Margarida Castel-Branco, Maria Isabel Mendonça Soares e Maria Alberta Menéres, respectivamente.
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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
domingo, 14 de dezembro de 2008
Sebastião da Gama lido por Alexandre Ferreira dos Santos
Sebastião da Gama – Milagre de vida em busca do eterno (Lisboa: Roma Editora, 2008), de Alexandre Ferreira Santos, é o título do mais recente estudo sobre a obra do poeta que a vida levou aos 27 anos, em 1952, resultante de um trabalho académico defendido como tese de mestrado na Universidade Aberta em Maio deste ano. Matilde Rosa Araújo e Maria Barroso, colegas que foram de Sebastião da Gama, escreveram o prefácio e o posfácio a esta obra, respectivamente.
Alexandre Santos cruza poemas, testemunhos, leituras, correspondência e o ambiente cultural e literário da época e dá-nos um retrato que ajuda a entender a obra deste poeta, primeiro passo para descobrirmos que a escrita, o sentir, a vida e a pessoa, no caso de Sebastião da Gama, são indissociáveis, são os pilares de uma mesma catedral.
Este texto transporta verdades que demonstram um caminhar a passo que Alexandre Santos fez pela obra de Sebastião da Gama, com nítida e notável simpatia, com esclarecido e assumido envolvimento. Repare-se, a título de exemplo, em afirmações que faz sobre Sebastião da Gama, que pressupõem o conhecimento da obra, mas também o fascínio que essa mesma obra exerceu sobre o seu leitor e estudioso: “um hino luminoso à sagração da Vida” é a metáfora escolhida para contrapor e classificar o trajecto dos 27 anos que Sebastião da Gama viveu; sobre a escrita, acentuará que é constituída por “páginas vivas e coloridas, cheias do brilho e do calor coloquial que ele era tão exímio a transmitir”; sobre a humanidade de um percurso de vida, afirma que “Sebastião da Gama, alma genuinamente sensível e profunda, descobriu que a vida é uma conquista diária feita de contínuas quedas e voos, de fraquezas e de triunfos”; sobre o trajecto poético, a sua autonomia e independência, entende que Sebastião da Gama “pretendia ser genuíno e livre, fazendo da poesia o reflexo da vida e do pulsar do seu coração, nunca se submetendo à tutela de qualquer corrente ou ideologia”.
No final deste primeiro capítulo, a conclusão só pode ser uma: “para Sebastião da Gama, a poesia, mais do que um modo de fazer, um comportamento, era, sobretudo, um modo de ser, uma atmosfera espiritual, uma ética de acção, um transcendente exercício de um sacerdócio.”
O ciclo mais biográfico, enraizado numa vasta leitura da obra, fecha-se e o segundo capítulo traz-nos “o poeta e o pedagogo”, logo não nos surpreendendo que um e outro coexistam numa íntima abordagem.
Em primeiro lugar, aparece o ciclo das obras publicadas pelo autor, a saber: Serra Mãe (1945), Cabo da boa esperança (1947) e Campo aberto (1951). A leitura dos poemas é convenientemente anotada nas suas linhas temáticas e de amadurecimento, num caminho que segue a chamada da poesia: desde a busca da perfeição (seja no texto, seja na mensagem a fazer passar) até um “grito à alegria, à vida e à esperança”, numa leitura simbólica da estrutura dos livros, ajudada, por exemplo, pelos títulos dos dois últimos poemas de Serra Mãe, respectivamente “Alegria” e “Claridade”, uma forma eufórica e luminosa de concluir um trajecto, de atingir, como Sebastião da Gama referia numa carta a Luís Amaro, o “Presente Eterno”, mensagem por demais bonita e promissora.
O trajecto por estes livros continua em Cabo da boa esperança, roteiro de descoberta da poesia por toda a parte de onde surja vida, género de oferta que se expõe ao poeta, aprendizagem na lição dada pela Natureza, de onde não está ausente Deus nem um diálogo com Ele. Em 1951, Campo aberto fecha esta espécie de trilogia, já com maior maturidade, onde surgem ecos de grandes poetas como Torga ou Pessoa, por exemplo. E continua a ser significativo o domínio do simbólico e das associações neste percurso – é que o fecho da trilogia é feito com dois poemas, um dedicado a “Cristo” e outro à “Senhora da Lapa”, modelo com quem dialoga, um, e protectora, a outra; e não pouco significativo é que os dois últimos versos que Sebastião da Gama publicou em livro tenham sido “Em Tuas mãos me entrego / como se ao Mar me desse”.
Depois deste ciclo da trilogia, um outro é estudado por Alexandre Santos: o da obra que Sebastião da Gama deixou preparada, com título escolhido, mas que não chegou a ver publicada. Falo de Pelo sonho é que vamos, publicado em 1953, quase dois anos após a sua morte, obra que atesta a maturidade do poeta e que, convictamente, afirma aquelas que são as características da construção dos seus poemas – “simplicidade, espontaneidade e aproximação à oralidade”, talvez a chave que explica a tão grande adesão à leitura dos textos de Sebastião da Gama e constitui, em simultâneo, o cadinho em que assegurou também a sua prática pedagógica, conforme se pode ver no Diário.
Aqui chegados, a este “poema do pedagogo”, curiosa designação para um livro em prosa, em que o leitor é banhado pela espuma dos dias de um professor em contacto com os seus alunos! Tal como os poemas, pela sua espontaneidade, também as melhores aulas de Sebastião da Gama aconteciam “de repente”, com dose acentuada de “improviso”. E Alexandre Santos regista o essencial, o ponto de união da poesia com a vida, da prosa do Diário com os poemas dos livros, ao dizer: “O amor não é para Sebastião da Gama apenas uma palavra, mas sim o acontecimento soberano da vida humana, o centro de toda e qualquer teoria educativa. E aqui está a essência da pedagogia deste mestre que irá pautar toda a sua actividade de Poeta e professor que semeia ternura em tudo o que faz. Para ele, fazer alguma coisa é pura e simplesmente amar.” E todos nos lembramos daquelas duas linhas do Diário, escritas em 23 de Março de 1949: “Tens muito que fazer? Não. Tenho muito que amar.” E acrescentava Sebastião da Gama: “Não entendo ser professor de outra maneira.” (Que bela mensagem para a escola dos tempos que correm e para todos aqueles que nela intervêm!...)
Este Diário é outro livro de maturidade, assumida enquanto processo de construção, obra iniciada há quase 60 anos, data redonda que ocorrerá daqui a menos de um mês – precisamente em 11 de Janeiro, dia desse distante 1949 em que aconteceu a primeira página do Diário, obra que considero dever ser de leitura obrigatória na formação de professores (e que, já agora, deveria ser de conhecimento não menos obrigatório para pais e governantes preocupados com a educação!...).
A conclusão do estudo de Alexandre Santos dá-se com o capítulo intitulado “Em demanda de uma arte poética”, que tenta fazer o laço com todos os fios percorridos: quanto à liberdade de inspiração e de imaginação, Sebastião da Gama surge na linha dos poetas românticos; conhece os clássicos e domina as técnicas por eles seguidas; a poesia é revelação que se assume na forma de “captar o universo poético contemplado”; a poesia é “a mais perfeita expressão do ser humano”; o poema é espontâneo e dá voz ao poeta (tão espontâneo que Sebastião da Gama quase não apresenta versões melhoradas ou diferentes dos seus poemas); os temas são o que são, mas a poesia nasce de sentimentos, de “momentos de alma e momentos da paisagem”; a sua poesia é diurna, apolínea, num elogio à vida, revela a verdade. Em conclusão, a espontaneidade de Sebastião da Gama é um processo em que “está latente todo um percurso, não raro longo e árduo, que, partindo do alerta inicial de um símbolo visto ou sentido, abrange, além deste momento de génese, uma fase mais ou menos prolongada da gestação poética até ao auge da epifania modulada em música”. No poema, em suma.
Alexandre Santos não esconde, como já disse no início, o fascínio de leitor perante o dizer de Sebastião da Gama, confessando ter-se sentido impressionado “vivamente” com “a extraordinária vitalidade que [a sua obra] irradia para o leitor”, fenómeno explicável pela reconstituição que esta poesia faz entre o homem, a Natureza e as coisas, não estando ausente uma relação com o divino. E assim se lê a poesia de “um adulto que soube conservar em si o deslumbramento, a simplicidade e a ternura de criança”.
Não fique o leitor pelas imagens que de palavras se vão fazendo. Este livro contém também o registo fotográfico, em 30 páginas, de passos da vida de Sebastião da Gama e dos espaços de influência e de bem-estar que motivaram poesia, com particular destaque para a Arrábida. É uma agradável forma de partilhar textos, ambientes, paisagens, olhares e dizeres, numa não menos agradável obra que, tendo um propósito inicial académico, soube trazer para o fácil acesso a chave da poesia de Sebastião da Gama, disponível para todos.
Alexandre Santos cruza poemas, testemunhos, leituras, correspondência e o ambiente cultural e literário da época e dá-nos um retrato que ajuda a entender a obra deste poeta, primeiro passo para descobrirmos que a escrita, o sentir, a vida e a pessoa, no caso de Sebastião da Gama, são indissociáveis, são os pilares de uma mesma catedral.
Este texto transporta verdades que demonstram um caminhar a passo que Alexandre Santos fez pela obra de Sebastião da Gama, com nítida e notável simpatia, com esclarecido e assumido envolvimento. Repare-se, a título de exemplo, em afirmações que faz sobre Sebastião da Gama, que pressupõem o conhecimento da obra, mas também o fascínio que essa mesma obra exerceu sobre o seu leitor e estudioso: “um hino luminoso à sagração da Vida” é a metáfora escolhida para contrapor e classificar o trajecto dos 27 anos que Sebastião da Gama viveu; sobre a escrita, acentuará que é constituída por “páginas vivas e coloridas, cheias do brilho e do calor coloquial que ele era tão exímio a transmitir”; sobre a humanidade de um percurso de vida, afirma que “Sebastião da Gama, alma genuinamente sensível e profunda, descobriu que a vida é uma conquista diária feita de contínuas quedas e voos, de fraquezas e de triunfos”; sobre o trajecto poético, a sua autonomia e independência, entende que Sebastião da Gama “pretendia ser genuíno e livre, fazendo da poesia o reflexo da vida e do pulsar do seu coração, nunca se submetendo à tutela de qualquer corrente ou ideologia”.
No final deste primeiro capítulo, a conclusão só pode ser uma: “para Sebastião da Gama, a poesia, mais do que um modo de fazer, um comportamento, era, sobretudo, um modo de ser, uma atmosfera espiritual, uma ética de acção, um transcendente exercício de um sacerdócio.”
O ciclo mais biográfico, enraizado numa vasta leitura da obra, fecha-se e o segundo capítulo traz-nos “o poeta e o pedagogo”, logo não nos surpreendendo que um e outro coexistam numa íntima abordagem.
Em primeiro lugar, aparece o ciclo das obras publicadas pelo autor, a saber: Serra Mãe (1945), Cabo da boa esperança (1947) e Campo aberto (1951). A leitura dos poemas é convenientemente anotada nas suas linhas temáticas e de amadurecimento, num caminho que segue a chamada da poesia: desde a busca da perfeição (seja no texto, seja na mensagem a fazer passar) até um “grito à alegria, à vida e à esperança”, numa leitura simbólica da estrutura dos livros, ajudada, por exemplo, pelos títulos dos dois últimos poemas de Serra Mãe, respectivamente “Alegria” e “Claridade”, uma forma eufórica e luminosa de concluir um trajecto, de atingir, como Sebastião da Gama referia numa carta a Luís Amaro, o “Presente Eterno”, mensagem por demais bonita e promissora.
O trajecto por estes livros continua em Cabo da boa esperança, roteiro de descoberta da poesia por toda a parte de onde surja vida, género de oferta que se expõe ao poeta, aprendizagem na lição dada pela Natureza, de onde não está ausente Deus nem um diálogo com Ele. Em 1951, Campo aberto fecha esta espécie de trilogia, já com maior maturidade, onde surgem ecos de grandes poetas como Torga ou Pessoa, por exemplo. E continua a ser significativo o domínio do simbólico e das associações neste percurso – é que o fecho da trilogia é feito com dois poemas, um dedicado a “Cristo” e outro à “Senhora da Lapa”, modelo com quem dialoga, um, e protectora, a outra; e não pouco significativo é que os dois últimos versos que Sebastião da Gama publicou em livro tenham sido “Em Tuas mãos me entrego / como se ao Mar me desse”.
Depois deste ciclo da trilogia, um outro é estudado por Alexandre Santos: o da obra que Sebastião da Gama deixou preparada, com título escolhido, mas que não chegou a ver publicada. Falo de Pelo sonho é que vamos, publicado em 1953, quase dois anos após a sua morte, obra que atesta a maturidade do poeta e que, convictamente, afirma aquelas que são as características da construção dos seus poemas – “simplicidade, espontaneidade e aproximação à oralidade”, talvez a chave que explica a tão grande adesão à leitura dos textos de Sebastião da Gama e constitui, em simultâneo, o cadinho em que assegurou também a sua prática pedagógica, conforme se pode ver no Diário.
Aqui chegados, a este “poema do pedagogo”, curiosa designação para um livro em prosa, em que o leitor é banhado pela espuma dos dias de um professor em contacto com os seus alunos! Tal como os poemas, pela sua espontaneidade, também as melhores aulas de Sebastião da Gama aconteciam “de repente”, com dose acentuada de “improviso”. E Alexandre Santos regista o essencial, o ponto de união da poesia com a vida, da prosa do Diário com os poemas dos livros, ao dizer: “O amor não é para Sebastião da Gama apenas uma palavra, mas sim o acontecimento soberano da vida humana, o centro de toda e qualquer teoria educativa. E aqui está a essência da pedagogia deste mestre que irá pautar toda a sua actividade de Poeta e professor que semeia ternura em tudo o que faz. Para ele, fazer alguma coisa é pura e simplesmente amar.” E todos nos lembramos daquelas duas linhas do Diário, escritas em 23 de Março de 1949: “Tens muito que fazer? Não. Tenho muito que amar.” E acrescentava Sebastião da Gama: “Não entendo ser professor de outra maneira.” (Que bela mensagem para a escola dos tempos que correm e para todos aqueles que nela intervêm!...)
Este Diário é outro livro de maturidade, assumida enquanto processo de construção, obra iniciada há quase 60 anos, data redonda que ocorrerá daqui a menos de um mês – precisamente em 11 de Janeiro, dia desse distante 1949 em que aconteceu a primeira página do Diário, obra que considero dever ser de leitura obrigatória na formação de professores (e que, já agora, deveria ser de conhecimento não menos obrigatório para pais e governantes preocupados com a educação!...).
A conclusão do estudo de Alexandre Santos dá-se com o capítulo intitulado “Em demanda de uma arte poética”, que tenta fazer o laço com todos os fios percorridos: quanto à liberdade de inspiração e de imaginação, Sebastião da Gama surge na linha dos poetas românticos; conhece os clássicos e domina as técnicas por eles seguidas; a poesia é revelação que se assume na forma de “captar o universo poético contemplado”; a poesia é “a mais perfeita expressão do ser humano”; o poema é espontâneo e dá voz ao poeta (tão espontâneo que Sebastião da Gama quase não apresenta versões melhoradas ou diferentes dos seus poemas); os temas são o que são, mas a poesia nasce de sentimentos, de “momentos de alma e momentos da paisagem”; a sua poesia é diurna, apolínea, num elogio à vida, revela a verdade. Em conclusão, a espontaneidade de Sebastião da Gama é um processo em que “está latente todo um percurso, não raro longo e árduo, que, partindo do alerta inicial de um símbolo visto ou sentido, abrange, além deste momento de génese, uma fase mais ou menos prolongada da gestação poética até ao auge da epifania modulada em música”. No poema, em suma.
Alexandre Santos não esconde, como já disse no início, o fascínio de leitor perante o dizer de Sebastião da Gama, confessando ter-se sentido impressionado “vivamente” com “a extraordinária vitalidade que [a sua obra] irradia para o leitor”, fenómeno explicável pela reconstituição que esta poesia faz entre o homem, a Natureza e as coisas, não estando ausente uma relação com o divino. E assim se lê a poesia de “um adulto que soube conservar em si o deslumbramento, a simplicidade e a ternura de criança”.
Não fique o leitor pelas imagens que de palavras se vão fazendo. Este livro contém também o registo fotográfico, em 30 páginas, de passos da vida de Sebastião da Gama e dos espaços de influência e de bem-estar que motivaram poesia, com particular destaque para a Arrábida. É uma agradável forma de partilhar textos, ambientes, paisagens, olhares e dizeres, numa não menos agradável obra que, tendo um propósito inicial académico, soube trazer para o fácil acesso a chave da poesia de Sebastião da Gama, disponível para todos.
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sábado, 13 de dezembro de 2008
Ser deputado - a crónica de São José Almeida e as faltas desta legislatura
A reedição, pela enésima vez, da discussão sobre as faltas dos deputados chega a ser ridícula e revela, em todo o seu esplendor, o cinismo da classe política portuguesa. As regras do Parlamento português são conhecidas, foram feitas e são mantidas pelos partidos com assento parlamentar, por maioria de razão pelos dois maiores partidos, PS e PSD. E se há deputados, vários deputados até, que não se respeitam a si próprios e ao mandato que receberam dos eleitores, isso acontece porque tal é permitido pelo sistema de funcionamento dos partidos e do Parlamento. Só pode assim ser visto como um acto de cinismo político que os responsáveis actuais ou anteriores pela direcção dos partidos parlamentares venham criticar deputados que faltam a votações, quando são esses dirigentes partidários que são responsáveis pelo que se passa.
Portugal é uma democracia e como democracia assenta no parlamentarismo e na existência de partidos. Não há, aliás, democracias nem parlamentarismo sem partidos. A própria Constituição impõe, no seu artigo 151.º, que apenas através de partidos podem ser apresentadas candidaturas de cidadãos à eleição do mandato do deputado.
Portugal é uma democracia e como democracia assenta no parlamentarismo e na existência de partidos. Não há, aliás, democracias nem parlamentarismo sem partidos. A própria Constituição impõe, no seu artigo 151.º, que apenas através de partidos podem ser apresentadas candidaturas de cidadãos à eleição do mandato do deputado.
Agora a forma como esses partidos se organizam e funcionam no sentido da maior transparência e dignidade do sistema e do aumento da credibilidade da democracia é da exclusiva responsabilidade dos seus dirigentes. E têm sido os dirigentes partidários, em especial os do PS e os do PSD, que têm permitido e desejado a adopção e manutenção das regras vigentes.
O sistema político português tem já mais de três décadas e tem evoluído desde a fundação da democracia. É por isso que a natureza do mandato do deputado, inscrita na Constituição desde 1976, tem sido adaptada no sentido de os partidos terem cada vez mais peso e poder sobre a forma como se rege o Parlamento e é exercido o mandato de deputado.
Senão vejamos. A Constituição mantém princípios, como os expressos no artigo 155.º, em que se lê que "os deputados exercem livremente o seu mandato", ou no artigo 159.º, que afirma que "constituem deveres dos deputados: a) comparecer às reuniões do plenário e às das comissões a que pertençam" e "c) participar nas votações". Mas é por acordo político, feito entre os partidos, que se chegou a regras de funcionamento que permitem que o líder da bancada vote e sejam contados todos os votos do respectivo grupo. Ora, a desresponsabilização do deputado do real exercício do seu mandato é obra dos partidos e das direcções parlamentares, para quem é mais fácil gerir o grupo tendo deputados amorfos que se deixam manietar, sem precisar de estar sequer nas votações.
São estes mesmos partidos que têm brincado, há mais de uma década, às revisões de sistema eleitoral. Num faz-de-conta que não engana ninguém. Anunciando aperfeiçoamentos que melhorem a aproximação entre eleitos e eleitores, mas não passando das promessas. Contratando estudos que usam a academia, mas não passam de engodos ao cidadão. Levando ao descrédito absoluto sobre a verdadeira vontade de mudar o que quer que seja.
É sabido e está discutido à exaustão que há formas de melhorar a representação e a aproximação eleitores-eleitos. Isso é obtido quer pela adopção de um sistema eleitoral misto que inclua círculos locais uninominais maioritários, quer pela manutenção da proporcionalidade, mas com círculos mais pequenos, ou ainda pela adopção de voto preferencial.
Mas os dirigentes partidários e suas clientelas não querem que haja de facto individualização dos candidatos a deputados, porque isso traria deputados mais autónomos e a autonomia dos deputados é a ultima coisa que os partidos querem. É por isso que é profundamente cínico ver os actuais e antigos dirigentes partidários e deputados com responsabilidades sobre o sistema dizerem que querem mudar as regras e vociferar contra deputados faltosos. Quando o que de facto lhes interessa é gente que se sente no hemiciclo, mas que seja absentista, de presença e, sobretudo, de pensamento.
Repitamos. A Constituição diz no artigo 159.º que "constituem deveres dos deputados: a) comparecer às reuniões do plenário e às das comissões a que pertençam (...) c) participar nas votações". Qualquer cidadão que se candidate a deputado deveria ter a honra de cumprir os deveres do mandato que os eleitores lhe atribuem. Os deputados devem ser autónomos. É certo que não há Parlamento sem partidos. Mas os deputados devem ser soberanos e, sem pôr em causa a sobrevivência e as directrizes dos partidos pelos quais foram eleitos, não devem deixar subestimar a sua autonomia.
É evidente que se viveu na Assembleia da República um momento político de maior importância. É evidente que se a recomendação ao Governo para suspender a avaliação na educação tem sido aprovada, embora não fosse vinculativa, funcionaria como uma monumental moção de censura simbólica, que daria versão institucional e parlamentar aos protestos que têm levado à rua milhares de professores. E é absolutamente verdade também que a gravidade do momento que se viveu não passa apenas pelas faltas dos deputados do PSD. Há também um facto de importância maior, que não pode ser ignorado nem misturado na questão das faltas, que é a existência deputados do PS que votaram contra o Governo do seu partido.
Ou seja, há deputados que, mesmo ao arrepio e até contra o sistema vigente, assumem o seu mandato em toda a sua dimensão. Enquanto há outros que interiorizaram o abastardamento da sua função de deputados e deixaram aos partidos todo o poder de falar e agir por si. No fundo, aceitaram ser arregimentados para as listas, assumem o mandato numa perspectiva puramente aparelhística e carreirista. Em suma, aceitam fazer uma comissão de serviço a troco dos dividendos que o prestígio e a influência de se sentarem em São Bento lhes dá. Não são por isso verdadeiramente deputados, mas tão-só arregimentados.
Entretanto, ainda no Público de hoje, é divulgado um quadro que explica as faltas dos deputados na presente legislatura. Quase tudo está justificado, é verdade. Tudo pode até ter justificação. Mas tem sido pelas mesmas razões que muitas vozes da política (e não só) se têm levantado contra outros sectores, nomeadamente o dos professores, dizendo cobras e lagartos. E as faltas também estariam, na sua quase totalidade, justificadas... Eis então o quadro:
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
Alguém esperava outra coisa?
A reunião entre o Ministério da Educação e a Plataforma Sindical dos Professores resultou em… nada! Alguém esperava outra coisa? Já se sabia que o resultado iria ser este, depois de, para uma reunião com “agenda aberta”, cada um dos parceiros partir mais como contendor, tendo anunciado que não fazia cedências, do que como interessado na negociação… Alguém esperava outra coisa, afinal?
A avaliação de desempenho é assunto que já mostrou o que vale: por um lado, pela dificuldade de ser discutida entre os actuais parceiros; por outro, pela ideia peregrina de que ela contribuirá para o sucesso, sem que se lhe adivinhe uma ponta de preocupação formativa; por outro ainda, pela transformação deste processo numa luta política, imposta por políticos, que, eles mesmos, não têm práticas de avaliação (bastará ver-se a confusão em torno das faltas na célebre sessão da Assembleia da República da semana passada!); finalmente, porque, provavelmente, tem que haver sempre a dicotomia entre os “bons” e os “maus”, como se está a ver neste processo, dependendo uns e outros das paixões dos adeptos. A sério: alguém esperava outra coisa desta reunião que houve na tarde de hoje?
Lamento tudo isto. Sobretudo por duas razões: porque os argumentos de parte a parte já cansam e não me convencem; porque a política está a invadir a escola. E todos saem a perder. Lamento tudo isto. Não só por uma questão de respeito (pelas profissões, pelos cargos, pelas instituições, pelas pessoas). Também por uma questão de coerência e de cidadania.
A avaliação de desempenho é assunto que já mostrou o que vale: por um lado, pela dificuldade de ser discutida entre os actuais parceiros; por outro, pela ideia peregrina de que ela contribuirá para o sucesso, sem que se lhe adivinhe uma ponta de preocupação formativa; por outro ainda, pela transformação deste processo numa luta política, imposta por políticos, que, eles mesmos, não têm práticas de avaliação (bastará ver-se a confusão em torno das faltas na célebre sessão da Assembleia da República da semana passada!); finalmente, porque, provavelmente, tem que haver sempre a dicotomia entre os “bons” e os “maus”, como se está a ver neste processo, dependendo uns e outros das paixões dos adeptos. A sério: alguém esperava outra coisa desta reunião que houve na tarde de hoje?
Lamento tudo isto. Sobretudo por duas razões: porque os argumentos de parte a parte já cansam e não me convencem; porque a política está a invadir a escola. E todos saem a perder. Lamento tudo isto. Não só por uma questão de respeito (pelas profissões, pelos cargos, pelas instituições, pelas pessoas). Também por uma questão de coerência e de cidadania.
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Na participação política, é interessante ver o que (n)os une e o que (n)os separa...
O Público de hoje divulgou os resultados do estudo Reforma Institucional em Portugal - Perspectiva das Elites e das Massas, elaborado por André Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira. É bem interessante ver o que une e o que separa uns e outros! [No quadro que se reproduz, a partir do jornal, há um erro - à pergunta "Está satisfeito com a qualidade da democracia em Portugal?" o "sim" dos deputados atingiu os 60,6 (em vez de 28,5), de acordo com o texto que acompanha o quadro] E uma dúvida se impõe: é possível a democracia sem a participação dos cidadãos? Já sei que os actos eleitorais são uma forma de participação. E depois deles?
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Nos seus 100 anos...
Parabéns,
Manoel de Oliveira!
Em Cannes (2008), por Claudio Onorati
Evocação no Agrupamento de Escolas de Aldoar, a partir de www.o-sabichao-de-aldoar.blogspot.com
Em Veneza (2001), a partir de www.daylife.com
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Minudências (31)
Publicidade a qualquer custo? Não, obrigado.
Ontem, fui a Lisboa. Ao descer para a Praça do Marquês de Pombal, fui surpreendido por uma rotunda pontuada por enormes caixotes em cima dos quais assentam enormes bolas, com publicidade à TMN. Não sendo suficiente, há ainda uma tenda junto à base do monumento ao Marquês, virada para a Avenida da Liberdade. Achei uma aberração este aproveitamento da publicidade por um local identitário de Lisboa, sem qualquer respeito pelo equilíbrio das formas. A primeira (e má) impressão.
Passei também na Praça do Comércio. Idêntica situação. A praça não é o local de passeio, de construção da cidade, de ponto de observação para o Tejo e para a Outra Banda; a praça é o suporte publicitário, tão disparatado como o ter a mesma praça sido um parque de estacionamento. Segunda (e má) impressão.
Com o anoitecer, acendeu-se a iluminação no Cristo-Rei, em Almada. Uma dupla de anjos, sob os tons de azul e branco, chama a atenção. É Natal, pensa-se. Na base da iluminação, a Samsung punha a assinatura. Terceira (e má) impressão.
Nada tenho contra a publicidade. Admiro a sua capacidade engenhosa e a sua veia artística e criativa. Não lhe concedo o direito de se sobrepor a espaços como estes (carregados de simbolismo histórico, religioso ou mesmo urbano) nem o de contribuir, mesmo que a título de provocação ou inovação, para a poluição visual. Detestável.
Passei também na Praça do Comércio. Idêntica situação. A praça não é o local de passeio, de construção da cidade, de ponto de observação para o Tejo e para a Outra Banda; a praça é o suporte publicitário, tão disparatado como o ter a mesma praça sido um parque de estacionamento. Segunda (e má) impressão.
Com o anoitecer, acendeu-se a iluminação no Cristo-Rei, em Almada. Uma dupla de anjos, sob os tons de azul e branco, chama a atenção. É Natal, pensa-se. Na base da iluminação, a Samsung punha a assinatura. Terceira (e má) impressão.
Nada tenho contra a publicidade. Admiro a sua capacidade engenhosa e a sua veia artística e criativa. Não lhe concedo o direito de se sobrepor a espaços como estes (carregados de simbolismo histórico, religioso ou mesmo urbano) nem o de contribuir, mesmo que a título de provocação ou inovação, para a poluição visual. Detestável.
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quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Negociar?
Na semana passada, parecia haver uma luz de possibilidade de entendimento entre professores e Ministério da Educação e as coisas acalmaram. Eis senão quando Mário Nogueira interveio e, perante as câmaras e microfones, usou o vocabulário bélico, admitindo a possibilidade de "guerra" entre as duas frentes. Hoje, ficou sabido que a reunião entre o Ministério e os sindicatos prevista para 15 de Dezembro se realizará na quinta-feira... porque foram desconvocadas as greves regionais. Entretanto, o Primeiro-Ministro reuniu com os deputados socialistas e, segundo o Público online, garantiu-lhes "que não vai haver qualquer alteração no modelo de avaliação dos professores."
Afinal, negociar o quê? A afirmação da irredutibilidade? A tensão da corda? Os parceiros ideais? A autoridade? A necessidade de mediação? De um e de outro lado, há a intenção de apaziguar ou de afirmações próprias e de encostar umas achas à fogueira?
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terça-feira, 9 de dezembro de 2008
domingo, 7 de dezembro de 2008
Memória: António Alçada Baptista (1927-2008)
Fantasia - "A gente sempre pode fazer mais, mas, muitas vezes, aqueles que fazem muito são piores para o mundo do que os que fazem pouco, porque as pessoas também têm as suas obrigações com a sua fantasia, com muitas coisas que chamam e distraem."
Livros - "Os livros são bons porque, sempre que nos sentimos sós e não temos coisas para dizer a nós mesmos, podemos falar com eles. (...) Com os livros, a gente sempre faz viagens, conhece pessoas, aprende a interrogar-se e tem oportunidade de viver e de sentir coisas que a vida lhe não deu. Outras vezes, (...) os livros entretêm a nossa fome de viver e se calhar disfarçam e adiam a obrigação que temos de procurar a vida."
Livros - "Os livros são bons porque, sempre que nos sentimos sós e não temos coisas para dizer a nós mesmos, podemos falar com eles. (...) Com os livros, a gente sempre faz viagens, conhece pessoas, aprende a interrogar-se e tem oportunidade de viver e de sentir coisas que a vida lhe não deu. Outras vezes, (...) os livros entretêm a nossa fome de viver e se calhar disfarçam e adiam a obrigação que temos de procurar a vida."
Corpo - "O corpo fala tanto como as palavras, mas as pessoas, como deixaram de respeitar as palavras, também não respeitam o corpo. É por isso que o desejo é tão bruto porque só uma força muito grande e mujito cega tem poder para atravessar as barreiras que levantámos à volta do nosso corpo. (...) Um dia, as pessoas ainda vão descobrir o que podem fazer com o corpo porque os sentimentoas, quando estiverem purificados, vão ajudar-nos muito."
Solidão, palavras - "O mais importante são as palavras. Quando se vive a solidão, sabe-se que, por causa de uma palavra verdadeira, caem muitas vezes as muralhas que levantámos à volta das nossas almas. Uma palavra verdadeira pode ser um milagre: é a solidão derrotada."
António Alçada Baptista. Tia Suzana, meu amor. Col. "Aura" (12). Lisboa: Editorial Presença, 1989.
22 anos de tetraplegia, "com sorriso no rosto"
Há 22 anos (a fazer no dia 19 deste mês) que Jorge Patrício vive com a sua tetraplegia, na sequência de uma queda quando tinha 15 anos. Há 22 anos que encara a vida com a garra necessária, depois de ter visto as muitas dificuldades, de amigos o terem abandonado, de ter tido que aprender a viver de outra forma, de ter deixado para trás coisas de que gostava (como o futebol que praticava ou a oficina onde trabalhava). Para vencer, tem uma vida activa, inventa utensílios que lhe facilitam determinadas tarefas, conta com familiares e amigos, tem tido algum apoio da comunidade, acompanha intensamente o desenvolvimento da medicina nesta área. Gere a sua autonomia, conduz, convive e trabalha na Escola Secundária de Sampaio (Sesimbra).
A sua história vem contada na Magazine Reportagem deste mês (nº 5, Dezembro.2008) pela mão de Vanessa Pereira e pela visão de Rui Cunha. A revista, mensal, de uma dúzia de páginas, sob o lema “o mundo à frente das objectivas”, conta histórias que podem ter a marca local, mas que, sobretudo, são histórias de vida e, nessa medida, dizem respeito a todos.
A sua história vem contada na Magazine Reportagem deste mês (nº 5, Dezembro.2008) pela mão de Vanessa Pereira e pela visão de Rui Cunha. A revista, mensal, de uma dúzia de páginas, sob o lema “o mundo à frente das objectivas”, conta histórias que podem ter a marca local, mas que, sobretudo, são histórias de vida e, nessa medida, dizem respeito a todos.
sábado, 6 de dezembro de 2008
Hoje, no "Correio de Setúbal"
Diário da Auto-Estima – 91
Escola – Na manhã do dia da greve de professores, o Secretário de Estado Jorge Pedreira dizia na rádio que o anterior sistema de avaliação de professores não passava de “um simulacro”. É injusto e não é verdade. Pode-se discordar do sistema, mas não se pode acusar de fingimento uma coisa que não era a fingir. Por inerência ou por convite, participei em Comissões de Avaliação e houve professores que não progrediram, outros a quem foi recomendado que refizessem o relatório de acordo com a legislação por pouco crítico ser o apresentado e outros que, tendo-se candidatado a “bom”, o viram recusado por não preencherem condições para tal. Isto, num tempo em que os sucessivos governos não tiveram a coragem de regulamentar a classificação de “bom” que estava prevista no Estatuto da Carreira Docente! Não é preciso estar-se a coberto de nenhum sindicato para dizer isto. Na tarde do mesmo dia, o Secretário de Estado Valter Lemos dizia que a adesão à greve fora “significativa”, mas regozijava-se porque a greve não tinha atingido os números que os sindicatos tinham alvitrado. E assim ficava a descoberto o essencial da luta: governo contra sindicatos e vice-versa, visto por um governante. Os sindicatos cavalgaram a onda de descontentamento? Acredito que sim. E o que fez o governo quando lhe deu jeito arranjar bodes expiatórios para explicar o que estava mal? Não esqueço que o discurso de tomada de posse do Primeiro-Ministro iniciou logo a abertura de hostilidades com grupos profissionais e com sectores económicos… Tudo em nome da explicação para problemas que os governos não têm conseguido (ou sabido) resolver. Assim como, na educação, não resolvem os desenhos curriculares desajustados, os programas mal concebidos, as cargas horárias dos alunos por vezes maquiavélicas, as disciplinas de pouca ou nenhuma relevância prática ou cultural…
Convento S Francisco – “Unus non sufficit orbis” (“um só mundo não basta”) é o título da exposição de fotografia e pintura que, até fim de Fevereiro, pode ser vista no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. A fotografia é de José A. Carvalho (professor em Setúbal); a pintura é de Andreas Stöcklein (alemão residente em Setúbal, com trabalhos no âmbito da pintura e do azulejo). O tema de ambas as formas de expressão é o Convento de S. Francisco, em Setúbal, nelas perpassando uma quase poética das ruínas e, simultaneamente, um grito contra a incúria e contra a afronta à memória cultural, pois das obras expostas não anda distante o que é o actual estado desta peça do património construído em Setúbal ou o que tem sido o seu trajecto de cerca de seis séculos (a serem cumpridos dentro de dois anos, provavelmente sobre um monte de ruínas ou sobre uma degradação ainda maior). “O Convento que andou de mão em mão” – assim chamou Almeida Carvalho (1827-1897) ao Convento de S. Francisco, aquele que foi o primeiro convento fundado em Setúbal, em 1410, graças a D. Maria Anes Escolar, e que pertenceu a franciscanos e a jesuítas, foi propriedade particular, pertenceu ao Estado, albergou soldados, serviu de residência a famílias vindas de África aquando da descolonização, esteve a cargo da Casa Pia e… jaz ao abandono. Com cores de ruína. Com rugas de história. Com marcas de memória.
Três livros a não perder – Embarcações Tradicionais – Contexto físico-cultural do Estuário do Sado, editado pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, sobre barcos (construção, história) e a perícia da construção naval, aliados à fotografia e à pintura; Versos do Cantador de Setúbal, o terceiro volume dos poemas de Calafate (António Maria Eusébio), editados 26 anos depois do segundo volume, organizado por Rogério Peres Claro, com cantigas sobre a cidade e sobre a vida, que andaram em folhetos e, agora, surgem em livro; Sebastião da Gama – Milagre de vida em busca do eterno, de Alexandre Santos, sobre a alegria de poetar do poeta de Azeitão, obra a ser apresentada no Salão Nobre da Câmara de Setúbal na noite de 12 de Dezembro.
Convento S Francisco – “Unus non sufficit orbis” (“um só mundo não basta”) é o título da exposição de fotografia e pintura que, até fim de Fevereiro, pode ser vista no Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal. A fotografia é de José A. Carvalho (professor em Setúbal); a pintura é de Andreas Stöcklein (alemão residente em Setúbal, com trabalhos no âmbito da pintura e do azulejo). O tema de ambas as formas de expressão é o Convento de S. Francisco, em Setúbal, nelas perpassando uma quase poética das ruínas e, simultaneamente, um grito contra a incúria e contra a afronta à memória cultural, pois das obras expostas não anda distante o que é o actual estado desta peça do património construído em Setúbal ou o que tem sido o seu trajecto de cerca de seis séculos (a serem cumpridos dentro de dois anos, provavelmente sobre um monte de ruínas ou sobre uma degradação ainda maior). “O Convento que andou de mão em mão” – assim chamou Almeida Carvalho (1827-1897) ao Convento de S. Francisco, aquele que foi o primeiro convento fundado em Setúbal, em 1410, graças a D. Maria Anes Escolar, e que pertenceu a franciscanos e a jesuítas, foi propriedade particular, pertenceu ao Estado, albergou soldados, serviu de residência a famílias vindas de África aquando da descolonização, esteve a cargo da Casa Pia e… jaz ao abandono. Com cores de ruína. Com rugas de história. Com marcas de memória.
Três livros a não perder – Embarcações Tradicionais – Contexto físico-cultural do Estuário do Sado, editado pelo Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal, sobre barcos (construção, história) e a perícia da construção naval, aliados à fotografia e à pintura; Versos do Cantador de Setúbal, o terceiro volume dos poemas de Calafate (António Maria Eusébio), editados 26 anos depois do segundo volume, organizado por Rogério Peres Claro, com cantigas sobre a cidade e sobre a vida, que andaram em folhetos e, agora, surgem em livro; Sebastião da Gama – Milagre de vida em busca do eterno, de Alexandre Santos, sobre a alegria de poetar do poeta de Azeitão, obra a ser apresentada no Salão Nobre da Câmara de Setúbal na noite de 12 de Dezembro.
aditamento
Estas notas foram redigidas na quarta-feira à noite, dia da greve de professores, para respeitar o "timing" de elaboração do jornal em que colaboro. Entretanto, a questão das escolas, aliás, da avaliação do desempenho docente, já evoluiu, melhor, já teve (des)envolvimentos: tudo indica que vai voltar a haver diálogo e, ontem, na Assembleia da República, não foi aprovada uma recomendação de suspensão deste processo porque 30 deputados faltaram na hora de votar. Vale a pena ler o postal "Negociações envenenadas" do companheiro Campo lavrado...
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Pagelas Setubalenses (7)
MEDALHA DOS 125 ANOS
“Aos dezanove dias do mês de Outubro de 1883, achando-se reunidos os Exmos. Snrs. Artur Mena, Henrique Augusto Pereira, Joaquim José Corrêa, Álvaro José Baptista e António Avelino da Silva, e a convite do Exmo. Snr. Álvaro José Baptista, compareceram mais os Exmos. Snrs. Alfredo Portela e Manuel Maria Portela Júnior e Joaquim Caetano da Veiga. Tratou-se sobre a organização duma Associação de Bombeiros Voluntários desta cidade. Tomou nesta ocasião a palavra Joaquim José Corrêa, declarando aos mesmos senhores que da melhor vontade se prontificava a auxiliar quanto pudesse esta Associação já com o seu préstimo, já como vereador do pelouro dos incêndios para que solicitava da Exma. Câmara Municipal algum material que fosse necessário.(…)”
A acta continua, relatando que Artur Mena pôs ao dispor da Associação “o seu insignificante mérito como bombeiro”, prestando-se a ser instrutor da Associação, e que Henrique Pereira emprestaria à Associação a sua máquina de incêndios.
Nascia assim a que é hoje a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, que, há pouco mais de um mês, festejou os seus 125 anos.
À reunião desse 19 de Outubro seguiram-se outras reuniões, efectuadas ainda em Outubro e ao longo dos meses de Novembro e Dezembro, com vista à aprovação de estatutos, à constituição dos corpos gerentes e à criação de uma charanga.
O ano de 1884 teve em Setúbal oito incêndios em que colaboraram os bombeiros. O primeiro deles, que começou “numa porção de palha”, ocorreu em 27 de Janeiro, pelas 11 da noite, numa loja situada na Rua Francisco Pereira, em S. Sebastião.
Uma década depois, na noite de 14 de Janeiro de 1894, no Teatro Bocage, em Setúbal, havia um espectáculo para angariação de fundos para a então Real Associação dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, ocasião em que foi recitado um poema de Manuel Maria Portela (que também fora bombeiro), com 14 quadras, intitulado “O bombeiro”, cuja conclusão enaltecia os voluntários: “Bem hajas!... Que heróico, que nobre desvelo / te incita ao combate! Que santa missão! / É teu o triunfo mais justo, mais belo! / Não matas, socorres o que é teu irmão.” Cinco anos depois, em 1899, a população sadina, reconhecida, oferecia à associação a sua primeira bandeira, em seda branca. Ainda no séc. XIX, o rei D. Carlos presenteava os bombeiros setubalenses com uma escada alemã “Magirus”, que está exposta na entrada principal do quartel da Associação.
Ao passar o 125º aniversário da Associação, foi cunhada medalha evocativa da data, idealizada por Manuela Tomé. Ao apresentar a medalha, o Presidente da Direcção registou: «O bronze foi o material escolhido para representar os nossos valores culturais e naturais, ou as nossas gentes, a Arrábida e o Sado, que ao longo dos anos os nossos bombeiros apetrechados dos meios técnicos, de que é um belo exemplo a escada ‘Magirus’ do séc. XIX, se têm empenhado em salvaguardar, mantendo vivo o que de melhor nos identifica e nos une em razão da ‘vida por vida’».
A acta continua, relatando que Artur Mena pôs ao dispor da Associação “o seu insignificante mérito como bombeiro”, prestando-se a ser instrutor da Associação, e que Henrique Pereira emprestaria à Associação a sua máquina de incêndios.
Nascia assim a que é hoje a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, que, há pouco mais de um mês, festejou os seus 125 anos.
À reunião desse 19 de Outubro seguiram-se outras reuniões, efectuadas ainda em Outubro e ao longo dos meses de Novembro e Dezembro, com vista à aprovação de estatutos, à constituição dos corpos gerentes e à criação de uma charanga.
O ano de 1884 teve em Setúbal oito incêndios em que colaboraram os bombeiros. O primeiro deles, que começou “numa porção de palha”, ocorreu em 27 de Janeiro, pelas 11 da noite, numa loja situada na Rua Francisco Pereira, em S. Sebastião.
Uma década depois, na noite de 14 de Janeiro de 1894, no Teatro Bocage, em Setúbal, havia um espectáculo para angariação de fundos para a então Real Associação dos Bombeiros Voluntários de Setúbal, ocasião em que foi recitado um poema de Manuel Maria Portela (que também fora bombeiro), com 14 quadras, intitulado “O bombeiro”, cuja conclusão enaltecia os voluntários: “Bem hajas!... Que heróico, que nobre desvelo / te incita ao combate! Que santa missão! / É teu o triunfo mais justo, mais belo! / Não matas, socorres o que é teu irmão.” Cinco anos depois, em 1899, a população sadina, reconhecida, oferecia à associação a sua primeira bandeira, em seda branca. Ainda no séc. XIX, o rei D. Carlos presenteava os bombeiros setubalenses com uma escada alemã “Magirus”, que está exposta na entrada principal do quartel da Associação.
Ao passar o 125º aniversário da Associação, foi cunhada medalha evocativa da data, idealizada por Manuela Tomé. Ao apresentar a medalha, o Presidente da Direcção registou: «O bronze foi o material escolhido para representar os nossos valores culturais e naturais, ou as nossas gentes, a Arrábida e o Sado, que ao longo dos anos os nossos bombeiros apetrechados dos meios técnicos, de que é um belo exemplo a escada ‘Magirus’ do séc. XIX, se têm empenhado em salvaguardar, mantendo vivo o que de melhor nos identifica e nos une em razão da ‘vida por vida’».
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