Uma fotografia de António Damásio faz a capa da última edição do JL, saída na quarta-feira, abrindo porta para uma entrevista assinada por Maria Leonor Nunes e Luís Ricardo Duarte. Ciência, cultura e um percurso pessoal dão as mãos nesta conversa, de onde ressaltam as ligações com a literatura. Num trajecto entre a representação e a alma humana, entre Shakespeare e Fitzgerald, entre Hemingway e Hamlet.
Shakespeare – “Não tenho um autor preferido. Se tivesse que ter um ele seria, possivelmente, Shakespeare. (…) [Ele] foi muito mais longe no campo da observação do humano. Será nesse sentido o autor mais importante de todos os que li. E é especial, porque sendo um dramaturgo acaba também por no ser representado.” Alma humana – “Todos os grandes escritores lidam com a mente e são capazes de fazer muitas observações interessantes e descobrir muito sobre os seres humanos. Mas não creio que mais profundas do que aquelas que fez Shakespeare ou quem quer que seja que escreveu aquelas peças.”
Hemingway – “Hoje olho para Hemingway e já não o acho espectacular como aos 16 anos. Vejo muito mais as limitações da pessoa e dos cenários em que trabalhou. Estive mais do que uma vez na sua casa, onde se suicidou, até experimentei a sua máquina de escrever. E pensando na cor das paredes, horrorosa, teria sido impossível para mim escrever em salas com aquela cor. Tudo isso pesa muito nos juízos que acabamos por fazer ao longo dos anos sobre os homens que achávamos extraordinários. Mas também tem que ver com a profundidade das obras. Há 40 anos, Hemingway era para mim mais interessante do que Fitzgerald. Hoje, é precisamente o contrário.”
Hamlet – “Só há uma personagem de ficção sobre a qual podemos reflectir a vida inteira: Hamlet. Aliás, grandes actores têm desempenhado o papel, dirigidos por grandes encenadores, e com tantas interpretações possíveis. O último Hamlet de Peter Brook e o mais antigo são muito diferentes. Porque Brook mudou e os actores são diferentes. O Hamlet de Christoph Clark não tem nada a ver com o de Lawrence Olivier, ou de Tony Richardson ou de Richard Burton. Tudo depende das personalidades que estão em jogo.”
Representar – “Tanto o teatro como o cinema são metáforas muito poderosas em relação ao que se passa na mente. Só que os filmes que se projectam no ecrã, tal como uma representação num palco, por melhores que sejam, são sempre incompletos em relação ao ser humano. Porque lhes falta o corpo. Ou seja, aplicam-se bem ao espírito humano, à maneira como o cérebro analisa o mundo exterior, assim como certos aspectos do interior, mas falta-lhes a ressonância que só pode vir de um corpo vivo. Aquilo que nós somos é muito mais completo. (…) O ser humano é o mais completo cinema possível, enquanto que o cinema propriamente dito é uma pálida representação do espírito humano.”
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