Sábado, 22 de Outubro de 2011.
Ainda a consciência estava trôpega, espreguiçando o corpo e adaptando a mente aos firmes traços da realidade, já o telefone tocava. Não conhecia o número mas atendi. Tinha acabado de dizer bom dia à vida, do outro lado contaram-me da morte de um amigo. Desliguei, senti uma súbita pancada na cana do nariz, foi essa a sensação, e os soluços compulsivos que se seguiram esclareceram-me do que já suspeitava há algum tempo – o Rui Serôdio não era só um amigo. Era meu avô, pai, o tio que ensinava música e coisas da vida, e ainda o irmão mais novo (!) que recebia conselhos, atento, como um miúdo que não se cansava de tentar aprender a desenlear os nós tramados do amor e da amizade.
As causas do sucedido deixaram-me estupefacto pois ele teve o extremoso cuidado de poupar os amigos a qualquer sobressalto, e por isso o choque foi muito maior para todos. Para o Rui seria desnecessário que andássemos por aí preocupados, ele sabia que havíamos de receber notícias brevemente, fossem elas boas ou más.
Com ele percorri um caminho de trabalho, de estudo, de amizade e de generosidade cultural que muito me enriqueceu artisticamente e pessoalmente. Estou-lhe grato pelo que aprendi, honrado e orgulhoso pela nossa parceria, e devassado pela sua perda – o mundo (Cidade de Setúbal naturalmente incluída) ficou com menos um homem bom.
Domingo, 23 de Outubro de 2011
Mais de uma centena de amigos, familiares, conhecidos e admiradores juntaram-se no Cemitério da Paz para a cerimónia do derradeiro adeus.
O Outono, que pedira emprestado o sol que o Verão desperdiçou, parecia apreensivo como se de ontem para hoje, tal como os presentes, tivesse bruscamente alterado os seus humores. A cerimónia prosseguiu, rezou-se, vimos desaparecer o caixão coberto pela terra. Chorámos, e o céu juntou-se a nós no pranto.
Rui Serôdio, Eterna Amizade, Eterna Saudade!
José Nobre
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