quinta-feira, 30 de abril de 2009

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 99
Dicionário – Será que as definições apresentadas na crónica anterior mexeram, fizeram sorrir, aclamaram a indiferença? Mais algumas: uma “bomba” é “o que faz o som bom-bom”, “marisco” é “peixe de concha”, “magano” é “encantador com falsos afagos”, “bacharel” é “falador formado”, “cachaço” é “caixa dos miolos”, “pia” é “vaso de purificar pelo baptismo e de beber o gado”… Estas definições e as que transcrevi na anterior edição devem-se ao padre Bernardo Lima e Mello Bacelar, prior no Alentejo e, depois, franciscano, época em que tomou o nome de Frei Bernardo de Jesus Maria. Em 1783, publicou em Lisboa um Dicionário da Língua Portuguesa (de onde são retiradas as definições), que acabaria por ser proibido por causa dos sarcasmos lançados sobre o redactor e sobre a sua obra. Registou Inocêncio Francisco da Silva que este autor, “à força de querer ser conciso e sistemático em demasia, tornou-se escuro e, por vezes, ridículo”. E assim tem o leitor a história brevíssima de um dicionário português que se deixou tramar pela linguagem utilizada… Sente-se a razão que teve Daniel Pennac ao escrever que “os dicionários só nos garantem um leve sopro de eternidade” (em Mágoas da escola, 2009).
Sebastião da Gama – O mês de Abril teve, em Setúbal, Sebastião da Gama como uma das personalidades a evocar. Participei em algumas e sinto-me obrigado a fazer referência a duas: a primeira, em 18 de Abril, no Clube Setubalense, organizada pela professora Ermelinda Capoulas, da Escola Secundária Sebastião da Gama, com alunos de duas turmas de 8º ano, pelo esmero e empenho que os jovens puseram na selecção, organização e apresentação do poeta ao público (maioritariamente familiares dos participantes); a segunda, em 23 de Abril (Dia Mundial do Livro), na Escola Secundária da Bela Vista, em que alunos do 3º ciclo assistiram a uma sessão sobre o poeta, atentos e interessados, colaborantes e curiosos, contribuindo com a leitura de alguns poemas do “poeta da Arrábida”. Apetece perguntar: que é que a poesia de Sebastião da Gama tem que atrai a juventude? Ou: quais são as faltas que a poesia de Sebastião da Gama supera?

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Rostos (115)

Frei Bartolomeu dos Mártires, por Manuel Rocha (2008), em Viana do Castelo

terça-feira, 28 de abril de 2009

Maioria absoluta ou coligação? Pela pluralidade em prol do país!

«(…) Se o PS (ou o PSD, o que parece menos provável) ganhar as próximas eleições sem maioria absoluta, é melhor que se coliguem para formar um Governo sólido, semelhante, por exemplo, ao que hoje governa a Alemanha, do que tentar acordos necessariamente oportunistas com partidos como o CDS de Paulo Portas ou o BE de Louçã (isto se nenhum dos novos partidos eleger um grupo parlamentar).
Porquê? Por três razões.
A primeira é que o tempo não está para brincadeiras. Tal como em 1983 só uma grande coligação conseguiu impor as políticas mais impopulares, mas necessárias, que o país conheceu, em 2009 é bem provável que a crise, um défice galopante e uma dívida fora de controlo voltem a exigir a reunião dos dois maiores partidos. A segunda é que a nossa cultura política e o desenho das nossas instituições dão-se mal com maiorias absolutas de um só partido. O cavaquismo final e o socratismo actual mostram como é fácil abusar do poder num regime onde o sistema de pesos e contrapesos é frágil, onde os grupos parlamentares são ordenanças do chefe do partido e onde a sociedade civil é fraca. O resultado é a crispação e a ostracização das minorias, duas receitas para o desastre em tempo de crise.
A terceira e última razão, porque convém não ser hipócrita: o país, sobretudo nas autarquias e em muitas empresas públicas (e privadas) é já uma coutada do Bloco Central. Ou, se preferirmos, do seu lado mais sombrio, o da protecção de interesses particulares. Quem fica com a pele eriçada ao ouvir falar das negociatas desse Bloco Central devia perceber que hoje não se está muito melhor do que em 1983-1985, só que há menos escrutínio público.
Em princípio, são melhores os sistemas políticos que permitem escolher entre alternativas antagónicas - mas esses sistemas são maioritários e os deputados tendem a responder directamente a quem os elege, não a quem escolheu o seu lugar na lista. Em sistemas proporcionais, a melhor forma de obter consensos alargados e impedir a sofreguidão pelo poder dos partidos maioritários é negociar coligações. Até, em circunstâncias de excepção, "grandes coligações".
É pena que em Portugal isto não se discuta sem tabus e com a necessária seriedade.»
José Manuel Fernandes. “O sistema político não foi feito para maiorias de um só partido”.
Público: 28.Abr.2009.

"Mágoas da escola", de Daniel Pennac

Mágoas da escola, de Daniel Pennac (Porto: Porto Editora, 2009, com edição original datada de 2007) é relato autobiográfico e memorialístico do aluno que foi, do professor que veio a ser e do escritor que é Pennac. A escola e os professores vistos pela lupa de um aluno cábula ou as reflexões sobre o(s) sentido(s) da escola constituem motivos suficientemente fortes para esta leitura. Mas há mais: lemos e somos levados a assumir o confronto ou a concordância com o aluno que fomos ou com o docente que somos. Não sei se será um livro de leitura indispensável para os professores, mas que é um livro a ser lido por quem na educação tenha interesse (pais, alunos, políticos, jornalistas, professores, entre outros)… disso não tenho dúvidas. Os relatos e as considerações pensam e retratam, quais espelhos, pistas para que se olhe a escola, as pessoas que a habitam, numa prática em que os métodos, os saberes, as atenções, os progressos, as reformas, as atitudes, a pedagogia e os comportamentos ganham... se houver amor. Tão simples (?) quanto isto! E, seja permitida a quase “intromissão”, Sebastião da Gama já o defendia (e praticava) há 60 anos, conforme está registado no seu Diário.
O que fica
1. “Todo o mal que se diz da escola esquece o número de crianças que salvou das taras, dos preconceitos, do desprezo, da ignorância, da estupidez, da cupidez, do imobilismo ou fatalismo das famílias.”
2. “O nascimento da delinquência está no investimento secreto de todas as faculdades da inteligência na astúcia.”
3. “Sempre encorajei os meus amigos e os meus alunos mais espertos a tornarem-se professores. Sempre pensei que a escola é feita, em primeiro lugar, de professores. Quem me salvou na escola, senão três ou quatro professores?”
4. “Ensinar (…) é recomeçar até ao nosso necessário desaparecimento como professores. Se não conseguirmos instalar os nossos alunos no presente do indicativo da nossa aula, se o nosso saber e o gosto de o levar até eles não pegarem nesses rapazes e nessas raparigas, no sentido botânico do verbo, a sua existência descambará para as fendas pantanosas de uma carência indefinida.”
5. “Um ano de escolaridade perdido: é a eternidade numa redoma.”
6. “Na sociedade em que vivemos, um adolescente instalado na convicção da sua nulidade (…) é uma presa fácil.”
7. “A presença dos meus alunos depende intimamente da minha: da minha presença na turma toda e em cada aluno em particular, da minha presença na minha disciplina, também, da minha presença física, intelectual e mental, durante o (…) que dura a aula.”
8. “Seja qual for a matéria ensinada, um professor descobre rapidamente que, para cada pergunta feita, o aluno interrogado dispõe de três respostas possíveis: a certa, a errada e a absurda. (…) Classificar [a resposta absurda] – na correcção de um teste escrito, por exemplo – é aceitar classificar seja o que for e, por conseguinte, cometer um acto pedagogicamente absurdo.”
9. “A nossa época assume deveres em prol da juventude: importa ser jovem, pensar jovem, consumir jovem, envelhecer jovem, a moda é jovem, o futebol é jovem, as rádios são jovens, as revistas são jovens, a publicidade é jovem, a televisão está cheia de jovens, a Internet é jovem, os colunáveis são jovens, os últimos baby boomers vivos souberam manter-se jovens, os nossos políticos acabaram por ter de rejuvenescer. Viva a juventude! Glória à juventude! É preciso ser jovem!”
10. “São as marcas que vos dão cabo do juízo, e não os professores! (…) Dão-vos cabo do juízo, do dinheiro, do vocabulário, e ainda do corpo, como um uniforme, transformam-vos em publicidade viva, como os manequins de plástico das lojas! (…) Se as marcas fossem medalhas, os adolescentes das nossas ruas tilintavam como generais de opereta.”
11. “Apresentar a escola como local criminogénico é, em si mesmo, um crime insensato contra a escola.”
12. “São infames aqueles que fazem da juventude mais desgraçada um objecto fantasmático de terror nacional! São a escória de uma sociedade sem honra que perdeu o próprio sentimento de paternidade.”
13. “Em vez de coleccionar e publicar as pérolas dos cábulas, que tanto divertem as salas de professores, devia escrever-se uma antologia dos bons professores. (…) Se, para além do retrato dos professores célebres, esta antologia apresentasse o retrato do inesquecível professor que quase todos nós encontrámos pelo menos uma vez durante a nossa escolaridade, talvez alguma luz nos iluminasse sobre as qualidades necessárias à prática deste estranho ofício.”
14. “Os professores passam o tempo a refugiar-se nos métodos, quando, no fundo, sabem perfeitamente que o método não basta. Falta-lhe qualquer coisa. (…) Amor.”

segunda-feira, 27 de abril de 2009

De que se fala quando se fala de "reformas" na educação?

No Público de hoje, é publicada uma “Carta ao Director”, assinada pelo leitor Manuel Brás, que, a propósito da conferência dada pela anterior secretária da Educação americana, Margaret Spellings, na Fundação Calouste Gulbenkian, e tomando como tema as reformas no ensino, escreve:
«Destacaria (…) a importância de sabermos averiguar, das muitas reformas a que o ensino está frequentemente sujeito, quem beneficia realmente com essas reformas, sempre ao abrigo de um "ensino de qualidade". A averiguação é muito simples e resume-se a uma pergunta: as reformas beneficiam os alunos ou os adultos? A resposta à pergunta diz tudo.
Quando em Portugal se fala num ensino de qualidade, isso significa o quê? Todos pensam imediatamente nas remunerações e na carreira docente, bem como na despesa pública com infra-estruturas e equipamentos. A teoria é simples: quanto mais dinheiro se gastar em equipamento escolar e educativo, maior é o sucesso. Portanto, a solução para o tal ensino de qualidade é gastar dinheiro e esperar pelos resultados.
Com efeito, é isto que sucede em boa medida em Portugal, com um sistema de ensino muito centralizado, estatizado e dominado pela ideologia.
Margaret Spelling deixou-nos algumas pistas: a variedade e o ajustamento dos curricula às circunstâncias dos alunos é fundamental para evitar o abandono; a Matemática, a leitura e a escrita fluentes e correctas são ferramentas insubstituíveis; as reformas devem ser ditadas pelo benefício da aprendizagem dos alunos e não pela carreira dos professores; o investimento de dinheiros (públicos) em infra-estruturas e equipamentos escolares, cujo impacto muitas vezes nem é avaliado, não garante, por si só, a finalidade de um ensino de qualidade para os alunos: a sua preparação intelectual, cultural, científica, profissional e humana, que se tem vindo visivelmente a degradar. (…)»

sexta-feira, 24 de abril de 2009

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Dia Mundial do Livro e Sebastião da Gama na Escola Secundária da Bela Vista, em Setúbal

Neste Dia Mundial do Livro, fui à biblioteca da Escola Básica 2, 3 / S da Bela Vista, em Setúbal, apresentar uma sessão sobre Sebastião da Gama, que teve a colaboração de alunos (como a Rita, a Joana, o Zé, o Fábio, a Cassandra e outros) e de professores. Viram fotografias, leram poemas, ouviram a vida, cruzaram-se com a invocação do poeta da Arrábida, serra que, de resto, veio a propósito dos textos e da relação que a poesia e o poeta com ela estabeleceram.
Tarde quente, instalações abafadas e obsoletas (ao lado, está a ser construída a futura escola, a abrir, talvez, ao longo do próximo ano lectivo), alunos do 3º ciclo, num espaço normalmente rotulado como problemático (a Escola está alinhada no TEIP). Mas a sessão correu nos seus cerca de 60 minutos com os alunos empenhados, atitude demonstrada quer pela participação, quer pela atenção com que seguiram a viagem sugerida. E nem as condições os levaram a desviar o rumo…
Para mim, a experiência foi simpática. Os jovens manifestaram-se interessados. Talvez porque a mensagem do poeta lhes é cara; talvez porque alguns puderam ser protagonistas na sessão; talvez porque estavam com alguém de fora; talvez porque a Escola lhes é querida e familiar; talvez porque ali ainda é um espaço feliz; talvez porque a curiosidade lhes fale mais alto; talvez por tudo isto; talvez porque a vida é assim.
Notei que os próprios professores da Escola (a Solange, a Ana e outros) ficaram satisfeitos porque os seus alunos agiram como alunos absolutamente normais, nada a fazerem lembrar conotações menos felizes ou de despromoção. Até por isto, por esta possibilidade de se ver que os alunos da Escola Básica 2, 3 / S da Bela Vista são jovens que têm direito a não serem rotulados, acho que foi bom. E, no fim, todos quiseram o material que lhes levei – o Boletim Informativo da Associação Cultural Sebastião da Gama e a pequena antologia de textos do poeta que a Associação lhes ofereceu.
Tive ainda outro prazer pessoal: o do encontro com o Tiago, que há anos foi meu aluno e agora lecciona naquela Escola, e o do encontro com a Cristina, também há anos minha aluna no secundário e que ali quis ir ouvir falar sobre Sebastião da Gama porque o quer integrar num projecto de eco-turismo. O tempo recua e salta uma boa dezena de anos e volta para o agora, mostrando que continua a haver coisas que nos marcaram e uniram…

terça-feira, 21 de abril de 2009

Em louvor dos professores, da cultura e da ética

A falta que os professores não cometeram
«(…) A teoria e a prática da gestão têm avançado no sentido de organizações cognitivas ou inteligentes. A gestão da Educação parece não ter ido nesse sentido. O que é surpreendente, pois a tutela é detentora de um capital intelectual fantástico: o nível de instrução do seu pessoal docente.
Por outro lado, a audição dos envolvidos numa dada estrutura, quando o gestor pretende tomar medidas geradoras de mudança, torna‐se uma prática requerida por concepções teóricas, resultados previsíveis e bom senso social. Não falo de negociação, esta implica a igualdade das partes, em relação à mesma, o que não seria o caso.
Que fizeram, então, os professores para se sentirem ultrapassados nas concepções teóricas, nas boas práticas de gestão e no bom senso? Uns poucos terão andado distraídos, a maior parte, entregue aos seus ideais educativos, desactualizados, parece, sem saberem bem porquê.
(…) Que falta cometeram os professores para verem: os valores saírem da escola? O número de alunos a crescer, na sala de aula, à espera da saída? A aprendizagem a tornar‐se insignificante e os resultados escolares irrelevantes? O esforço, o trabalho e o mérito a abandonarem a escola? Seja qual for a razão, essa falta, os professores não cometeram.
‐ Os professores têm salários mais altos que os das profissões correspondentes. – Diz-se. Admita‐se o facto, se ele for verdadeiro; verbalize‐se, pois a língua que apreende e comunica o mundo aproxima e solidariza os cidadãos; também essa falta, os professores não cometeram.
‐ Os professores tinham um horário de trabalho liberal e estavam demasiado tempo fora da escola. – Ouve‐se. Fundamente‐se o facto e afira‐se a verdade; compare‐se o que, antes, faziam fora com o que, agora, fazem dentro da escola: talvez os 45% de homens e os 60% de mulheres do sector dos serviços, em Portugal, sintam a profissão do professor mais próxima da sua, mas os pais senti‐la‐ão bem mais longe da educação e da instrução dos seus filhos; também essa falta, os professores não cometeram.
‐ Os professores já não ensinam nem os alunos aprendem e sabíamos mais nós com a 4ª classe que eles com o 9º ano. ‐ Exclamam alguns pais. Tire‐se a limpo a situação e a frase; saber‐se‐á do que se fala; concluiremos: a comparação é inverosímil, pois mudaram o tempo, o espaço e as pessoas; também essa falta, os professores não cometeram.
‐ Os professores já são inúteis… ‐ Alguém decretou. Resta saber para que tarefas. Para a educação, não; para a instrução, não; para a formação do carácter, da vontade, da perseverança, do esforço, da sublimação, do altruísmo, não; também essa falta, os professores não cometeram.
Quem melhor que eles para conduzir crianças e jovens ao património / ideal educativo, clássico e moderno, em: Dos Deveres, de Cícero ou Da Educação das Crianças de Séneca; Da Natureza das Coisas de Lucrécio ou, mais tarde, do Discurso sobre a Dignidade do Homem, de Pico della Mirandola? Mais próximos de nós, em: Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, de Andre‐Comte‐Sponville ou A Sociedade em Busca de Valores de Edgar Morin e, ainda, Em Busca de um Mundo Melhor, de Karl R. Popper, entre outros. É verdade, também essa falta, os professores não cometeram.
Ai da sociedade cujos pais perderam a pergunta que, desde a Fenícia, iniciava o diálogo pai / filho, de regresso a casa: ‐ Que aprendeste hoje, meu filho, com o mestre, na “casa da tabuinhas” (a escola)?»
J. Esteves Rei. "A falta que os professores não cometeram".
Correio da Educação: nº 344, 16.Abril.2009.

domingo, 19 de abril de 2009

"Setúbal em tons de poesia", uma antologia de versos e de cor

Setúbal em tons de poesia é o título do livro hoje apresentado publicamente na cidade do Sado, reunindo trabalhos poéticos e coloridos da Oficina de Poesia e Pintura dos alunos da UNISETI (Universidade Sénior de Setúbal), sob a orientação das professoras Alexandrina Pereira e Maria Eduarda Gonçalves (para a área da poesia) e Lurdes Pólvora D' Cruz (no domínio da pintura). A antologia é justificada por Alexandrina Pereira ao registar que “escrever sobre a cidade em que nascemos, ou apenas onde moramos, é sempre uma declaração de amor” e que a obra contém as formas de amor “dos filhos e daqueles que adoptaram” a cidade, cabendo também a M. Eduarda Gonçalves referir que, “ao percorrer as páginas deste livro, sentir-nos-emos a folhear as ruas, as praças, as avenidas” de Setúbal.
Os poemas surgem agrupados em dezassete subtemas – castelo de S. Filipe, cidade, convento da Arrábida, docas, festa brava, jardins, laranjais, miradouros, personalidades, pescadores, pregões, profissões, rio Sado, serra da Arrábida, Setúbal, Tróia e Vitória Futebol Club –, cada um deles iniciado pela reprodução de uma aguarela alusiva.
A poetar, surgem os nomes de Alexandrina Pereira, Anna Netto, Arnaldo Ruaz, Beatriz Estrela, Berta Duarte, Conceição Portela, Custódia Pereira, Custódia Procópio, Delmira Gil, Filomena Lopes, Florival Carmo, Henrique Mateus, Idalece Rocha, João Santiago, Lucinda Neves, Maria Adelaide Palmela, Maria Célia Peixinho, Maria de Fátima Santiago, Maria de Lourdes Nascimento, Maria de Lourdes Silva, Maria de Lurdes Pinto Alves, Maria do Carmo Branco, Maria Eduarda Gonçalves, Maria Elvira Cevadinha, Maria Helena Barata, Maria Helena Freire, Maria Joaquina Viegas, Maria Sol, Natália Monteiro, Pólvora d’Cruz, Sara Monteiro, Suzete Pereira e Viriato Horta. As telas são assinadas por Aida Franco de Sousa, Ana Pelicano, Beatriz Estrela, Claudete Matias, Maria de Lurdes Labareda, Maria Francisco Neves, Maria José Alves, Maria Virgínia Valido Correia, Sara Monteiro e Vitalina Azevedo.
A título de amostra, aqui deixo o poema de Sara Monteiro que toma a Arrábida por tema:

Sara Monteiro. "Serra, Serra Mãe". Setúbal em tons de poesia. Setúbal: UNISETI, 2009, pg. 110.

Setúbal, 149 anos de cidade

Vista de Setúbal (Archivo Pittoresco: 1865, vol. 8, nº 11, pg. 85)


Decreto pela 2.ª Repartição da Direcção-Geral de Administração Pública,
do Ministério do Reino
Tendo em consideração que a muito notável vila de Setúbal goza naturalmente da primazia de ser a povoação imediata em importância às primeiras cidades do Reino, não só pela sua grande população e excelente posição topográfica e pela qualidade dos edifícios que avultam dentro de seus muros, mas também pelo movimento e vastidão do seu comércio, devido ao porto de mar, por onde anualmente se faz uma considerável exportação de géneros e produtos agrícolas;
Atendendo a que estes artigos comerciais devem ter progressivo incremento com a ligação de Setúbal à cidade de Lisboa, por meio de uma linha de vapores no Tejo e de um caminho de ferro desde o Barreiro até àquela vila;
Por estas razões e tendo em muito apreço os constantes testemunhos que os seus habitantes têm dado de nobre dedicação ao trono e às instituições constitucionais da Monarquia, hei por bem, anuindo à representação da Câmara Municipal de Setúbal, em vista da informação do Governador Civil de Lisboa e resposta fiscal do procurador geral da Coroa, fazer mercê à vila de Setúbal de a elevar à categoria de cidade, com a denominação de cidade de Setúbal; e me apraz que nesta qualidade goze todas as prerrogativas, liberdades e franquezas que directamente lhe pertencerem, devendo expedir-se à respectiva Câmara Municipal a carta competente, em dois exemplares, um para título daquela corporação e outro paga ser depositado no Real Arquivo da Torre do Tombo.
O ministro e secretário de Estado dos Negócios do Reino assim o tenha entendido e faça executar. Paço das Necessidades, em 19 de Abril de 1860. — Rei — António Maria de Fontes Pereira de Mello.

Alunos apresentaram Sebastião da Gama

85 anos teria feito Sebastião da Gama neste mês de Abril (no dia 10), 60 anos passam neste 2009 desde que o seu Diário (de professor) teve início (em 11 de Janeiro de 1949). Estas duas efemérides justificam que o mês de Abril tenha sido o tempo de várias actividades em Setúbal ligadas à memória e leitura do “poeta da Arrábida”.
Uma delas aconteceu na noite de ontem, no Clube Setubalense, intitulada “Sonhos em Sebastião da Gama”, promovida por Ermelinda Capoulas, professora na Escola Secundária Sebastião da Gama, e por um grupo de alunos das turmas B e F de 8º ano da mesma Escola, com o apoio da Associação Cultural Sebastião da Gama e da Câmara Municipal de Setúbal. O público era maioritariamente constituído pelos familiares dos jovens participantes.
Por ali passaram poemas vários e muitos excertos do Diário, numa selecção preparada e apresentada pelos alunos. E foi interessante ver o entusiasmo e o deslumbramento com que todos intervieram no desvendar e no partilhar de textos e de emoções. Simultaneamente, houve entrevista sobre o poeta e o professor, com perguntas a privilegiar a prática do professor que Sebastião da Gama foi – métodos, forma de disciplinar, relações com os alunos, percurso e especificidade da sua forma de agir – e houve o piano de Rui Serôdio a pontuar a musicalidade das palavras. A segunda parte foi integralmente ocupada com a intervenção do grupo coral da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense, num reportório diversificado por onde passaram as toadas populares, a poesia de José Gomes Ferreira ou os espirituais.
No final, foi agradável notar o prazer dos alunos por terem conseguido partilhar o fruto do seu trabalho. Mas não menos interessante foi sentir o entusiasmo dos familiares, alguns surpreendidos com a capacidade do que o grupo conseguiu transmitir. E dizia-me um pai, que tinha sido aluno na Escola Secundária Sebastião da Gama, que foi bom ter vindo ali porque não imaginava a importância do patrono da Escola, porque não sabia quase nada sobre ele… e tinha sido graças à participação da filha que tinha acedido a um bocadinho desse saber.
Fosse pelo facto de ser professor, por ter sido poeta, por chamar a Arrábida para as suas mensagens ou por qualquer outra razão, certo é que os jovens envolvidos nesta actividade demonstraram acentuado entusiasmo com a obra de Sebastião da Gama, talvez a dar razão ao que um dia escreveu Arnaldo Saraiva (“Sebastião da Gama – Poeta da Arrábida e da juventude”. Horizonte – Revista Portuguesa de Cultura: Guarda, nº 49, Abril 1958) sobre este poeta: “A sua obra é a sua autobiografia, é a sua vida, ora mística, ora terrena; ora infantil e inocente, ora amadurecida e grave; ora fácil e feliz, ora dura e dolorosa; a sua vida simples, sincera, despretensiosa, mas sempre adolescente.”

sábado, 18 de abril de 2009

José Carlos Barros, o 12º Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama

José Carlos Barros foi o autor galardoado na 12ª edição do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, promovido pelas Juntas de Freguesia de Azeitão (S. Lourenço e S. Simão), certame de organização bienal que, neste ano, teve o concurso de 144 obras.
O nome de José Carlos Barros não é propriamente desconhecido neste prémio, uma vez que já foi o vencedor na edição de 1990 com o trabalho Uma abstracção inútil (Évora: Declives, 1991).
José Carlos Barros (n. 1963) é natural de Boticas, arquitecto e autor de vários outros livros, entre os quais se conta O dia em que o mar desapareceu (2003).
A anterior edição do Prémio, que aconteceu em 2007, teve como galardoado o poeta Amadeu Baptista com a obra O bosque cintilante.

Ética e responsabilidade chamadas pelo Presidente da República

«A responsabilidade ética e social das empresas, dos empresários e dos gestores é uma questão que tem vindo a adquirir uma relevância crescente, devendo ser reconhecida e tratada como um dos elementos centrais de qualquer processo de desenvolvimento. (…)
É hoje seguro afirmar que, na génese da crise financeira e económica que o mundo enfrenta, muito pesaram a violação de normas éticas e a adopção de comportamentos de risco cujo impacto sobre o sistema financeiro e o bem-estar das populações não foi devidamente ponderado. (…)
Por detrás das estatísticas e dos gráficos que identificam a crise estão trabalhadores que perderam o emprego e investidores que perderam as poupanças de uma vida e cujos projectos e ambições foram destruídos num ápice.
Quando os benefícios são exclusivos de alguns mas a contrapartida é uma provável socialização das perdas, exige-se que sejam impostas condições muito rigorosas à tomada de riscos e que se adopte uma vigilância determinada sobre a gestão desses riscos – por parte dos reguladores, mas também por parte das próprias instituições financeiras.
Creio que faltou vontade política e económica para questionar o caminho que estava a ser seguido e que há muito suscitava reservas. É legítimo, por isso, dizer que a ausência de valores nos mercados, na política e nas instituições financeiras terá sido uma das razões de fundo explicativas desta crise. (…)
Seria um erro muito grave, verdadeiramente intolerável, que, na ânsia de obter estatísticas económicas mais favoráveis e ocultar a realidade, se optasse por estratégias de combate à crise que ajudassem a perpetuar os desequilíbrios sociais já existentes ou que hipotecassem as possibilidades de desenvolvimento futuro e os direitos das gerações mais jovens. Este é um risco efectivo. Muitos dos agentes que beneficiaram do status quo – e que tiveram um papel activo nesta crise financeira – continuam a ser capazes de condicionar as políticas públicas, quer pela sua dimensão económica quer pela sua proximidade ao poder político.Acresce que, num cenário de dificuldades, e sob a pressão da necessidade urgente de agir, as decisões nem sempre são ponderadas devidamente, acabando por abrir espaço para o desperdício de recursos públicos ou para a concentração desses recursos nas mãos de uns poucos, precisamente aqueles que detêm já maior influência junto dos decisores. (…)
Seria um erro, no entanto, pensar que a obrigação de acautelar os princípios de justiça, de equidade e de coesão recai apenas sobre os decisores políticos. É nas empresas e no diálogo entre elas e dentro delas que começa esta responsabilidade.Nos últimos anos, assistiu-se, em muitos países desenvolvidos, a uma crescente fragilização do tecido social, resultado de uma enorme complacência face às desigualdades de rendimentos e de direitos e aos ganhos desproporcionados auferidos por altos dirigentes de empresas.Este é um quadro insustentável e que urge alterar. Seria política e socialmente perigoso e eticamente condenável que a crise fosse aproveitada para acentuar esta fragilidade, repercutindo os custos da actual situação económica sobre os mais desprotegidos. Pelo contrário, este momento deve ser assumido como um ponto de viragem. Mudaram a percepção e o juízo que os cidadãos fazem daqueles que comandam a política, a economia e a finança. Sem uma liderança clara na projecção e defesa de um sistema de valores, muito dificilmente será recuperada a confiança necessária para vencer a crise.
É preciso ter coragem de, em vários domínios, começar de novo.É urgente que os decisores reajustem as prioridades e corrijam as injustiças e os erros que a crise desmascarou. Devem fazê-lo com sentido de humildade. É urgente colocar no topo da agenda, ao lado da liberdade, a responsabilidade, a solidariedade e a coesão sociais, e compreender a importância que a verdade, a transparência e os princípios éticos têm no bom funcionamento de uma economia e no desenvolvimento de uma sociedade.
Valores como o humanismo, a justiça, a generosidade e o espírito público fundaram o pensamento económico pioneiro de Adam Smith. Neste momento, é crucial que os empresários e gestores, primeiros beneficiários deste pensamento, não esqueçam a sua lição. (…)
Este é um período em que se pede ao Estado um maior activismo.No entanto, esta não é altura para intervencionismos populistas ou voluntarismos sem sentido. Os recursos do País são escassos e é muito o que há ainda por fazer. É preciso garantir o máximo de transparência na utilização dos dinheiros públicos. Desde logo, por uma questão de respeito para com os contribuintes.
Não podemos desperdiçar recursos em respostas que mais não fazem do que deixar tudo na mesma ou tornar ainda mais apertado o caminho do nosso desenvolvimento futuro. Pelo contrário, é crucial que a intervenção pública seja ponderada e rigorosa, visando claramente a resolução de problemas concretos e a preparação dos desafios futuros.Este é também um tempo em que às empresas portuguesas se exige rigor económico, visão estratégica e, igualmente, clarividência social.É importante que a responsabilidade das empresas não se esgote na sua área específica de negócio e inclua a promoção da justiça, da equidade e da valorização humana.Há que aproveitar as potencialidades do diálogo no interior da empresa, entre gestores e trabalhadores, no sentido de promover respostas articuladas à crise e de aproveitar ao máximo os recursos humanos disponíveis. (…)
O caminho passa por acudir àqueles que mais sofrem com a crise, mas também pela preparação do Portugal que queremos para o futuro.Há que actuar sobre os factores que são críticos para o nosso crescimento futuro e preparar o País para estar na primeira linha da recuperação da economia mundial. Isto exige políticas públicas adequadas, mas também uma atitude responsável e competente por parte das empresas. (…)
O pior que nos poderia acontecer era a crise acentuar a tendência, bem nociva para o País, de algumas empresas procurarem a protecção ou o favor do Estado para a realização dos seus negócios.Empresários e gestores submissos em relação ao poder político não são, geralmente, empresários e gestores com fibra competitiva e com espírito inovador. Preferem acantonar-se em áreas de negócio protegidas da concorrência, com resultado garantido.É crucial que os empresários e gestores percebam que a sua autonomia em relação ao poder político é, a médio prazo, decisiva para o seu sucesso e garantam que as suas empresas sejam inovadoras à escala global e não apenas aproveitadoras das oportunidades existentes no mercado português. (…)Não ignoro que Portugal pode vir a enfrentar um período de contracção ou estagnação económica e de aumento do desemprego mais prolongado do que muitos pensariam no início da crise. Esta é uma possibilidade para a qual devemos estar preparados e que exige uma atenção por parte dos empresários, gestores e responsáveis públicos que deve ir muito além do mero desempenho empresarial ou pessoal.Trata-se, sobretudo, de um desafio de natureza ética, agora com exigência acrescida.A responsabilidade social das empresas não pode ser um conceito vão ou uma estratégia de conveniência. É pela interiorização e aplicação desta ideia, de par com o reforço dos valores na vida pública, que passa a resposta aos desafios do presente e a construção do futuro de Portugal.»
Excertos do discurso do Presidente da República na Sessão de Abertura do 4º Congresso
da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), ontem

Ética na política - o contributo de Jacinto Gonçalves

Expresso: 18.Abril.2009, pg. 37.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 98
Perdidos – Na recepção de um parque de diversões destinado a famílias, surge uma inscrição sobre fundo metálico a dizer: “Pais perdidos, perguntem aqui pelas vossas crianças.” Assim, de repente, parece que o mundo se inverte: pais perdidos? Exactamente. A frase envia os leitores em várias direcções: num tal parque, todos os utilizadores se confrontam com a criança que há dentro de si e vão atrás dos apelos da fantasia; a infância define a sua orientação no parque; aquele que não se envolver com uma dose de infância qb sentir-se-á perdido; os pais devem andar atentos aos filhos e por isso ser responsabilizados. Assim, não serão as crianças que se perdem, mas os progenitores. Pelo menos, do ponto de vista emocional e da responsabilização. O mundo, numa tal situação, ficará, de facto, ao contrário. Mais vale não experimentar!
Estacionamento – Em Setúbal, no troço da Avenida Luísa Todi entre o mercado e o quartel do 11, em ambos os sentidos, o automóvel perdeu lugares de estacionamento, seja pela configuração atribuída ao novo estacionamento e ao arruamento, seja pela quantidade de lugares privados atribuídos. Neste tipo de decisões, se era pretendido que lá não houvesse carros, que se assumisse isso, transformando a Avenida em lugar de passagem apenas. Ir à “baixa” da cidade e frequentar o seu comércio tornou-se mais complicado. Não admira, pois, que a movimentação das pessoas se faça noutras direcções…
Dicionário – O leitor já imaginou as implicações sociais e culturais de um dicionário? Já pensou que o próprio conceito de definição sofre os efeitos dos tempos? O que diria de um dicionário que lhe definisse “acordar” como “tornar a cogitar acabando o sono”, “bigode” como “duas torcidas da barba”, “bilha” como “vaso que faz o som bil bil no vasar”, “cabra” como “animal de pêlo”, “carneiro” como “ovelha macha”, “cuecas” como “panos do cu”, “gaiola” como “vaso furado para ter pássaros”, “macaco” como “animal de trejeitos delirantes”, “vértebra” como “dobradiças das costelas” ou “vertigens” como “rodadura do cérebro”? Pois esse dicionário existe. Deixo a sua história para a próxima crónica, porque espaço é coisa que não sobra por estes lados…

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Sebastião da Gama e Ary dos Santos num encontro através da poesia

É possível que Sebastião da Gama e José Carlos Ary dos Santos se tenham encontrado em Vila Nogueira de Azeitão variadíssimas vezes. Com efeito, Ary dos Santos visitou frequentemente Azeitão, de onde sua mãe era natural.
Nascido em 1936, era cerca de 12 anos mais novo do que Sebastião da Gama. Mas, se não há registo de encontro entre os dois, há, pelo menos, registo de convívio poético entre ambos, conforme o prova a publicação Horizonte – Revista de Cultura e Arte, editada em Évora entre Março de 1951 e Setembro de 1952 e dirigida por Manuel Madeira.
No seu nº 3 (Julho-Agosto.1951), colaboraram com poemas nomes como Luís Amaro, Natércia Freire, António de Navarro e Sebastião da Gama, entre outros, enquanto Lima de Freitas, Túlio Espanca e Sant’Anna Dionísio participaram com textos ensaísticos sobre arte. De Sebastião da Gama seria publicado o poema “Crepuscular”, datado de Estremoz (“1951, pelo São José”), postumamente inserido no seu livro Pelo sonho é que vamos (1953). No final da revista, na rubrica “Intercâmbio cultural” (dedicada a respostas a cartas dos leitores), um novíssimo (para a época) poeta se revelava, de seu nome José Carlos Ary dos Santos, que escrevera de Lisboa, referindo a revista: “Envia-nos este amigo uma carta em que se mostra interessado por Horizonte, animado pela nossa chamada aos novos. Conta apenas 14 anos e credencia-se com dois sonetos e um poema.”
Assim apresentada a novidade, seguia-se um breve comentário: “Ficámos surpreendidos, não porque um jovem de 14 anos fizesse versos, mas pela transcendência e preocupação dos temas, sobretudo os dois sonetos que não nos dizem nada dos catorze anos do poeta. Nota-se uma facilidade no tão difícil soneto, um fecho excelente, remate tão exigido neste género, que ficamos suspensos augurando a este poeta de catorze anos o melhor futuro na poesia, se não enveredar por maus caminhos.” Depois, o organizador da secção transcrevia apenas dois versos do poema “Cântico ao Sol” (de que gostara menos) e reproduzia na íntegra os dois sonetos – “Altíssimus!” e “Cruz”. Estes dois poemas seriam, no ano seguinte, incluídos no primeiro livro de Ary dos Santos, Asas (Lisboa, 1952), obra que foi prefaciada por Ramiro Guedes de Campos.
Excluindo os textos de cunho escolar, os dois mais antigos poemas de Sebastião da Gama são também sonetos, que se mantêm ainda inéditos: “Meu amor” (de 29 de Junho de 1939) e “Conselho” (de Julho do mesmo ano), ambos datados de quando o poeta de Azeitão tinha 15 anos.
Num e noutro poeta, a adolescência lançou pistas sobre o destino de ambos…
Uns bons anos mais tarde, Ary dos Santos encontrar-se-ia de novo com a poesia de Sebastião da Gama: em 1960, num recital de poesia organizado pela Casa do Pessoal da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, os textos de Sebastião da Gama foram lidos por Ary dos Santos e por Germana Tânger (dessa sessão se reproduz foto, onde ainda se pode ver Joana Luísa da Gama, esposa do poeta de Azeitão).

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Memória: José Franco (1920-2009)

O oleiro José Franco, o homem que edificou a miniatura da aldeia saloia no Sobreiro (Mafra) e que produziu peças de barro a que muita gente se rendeu, deixou-nos ontem para sempre. Recordo os momentos de encantamento que senti em muitas deslocações ao Sobreiro nos intervalos do serviço militar em Mafra e noutros momentos em que lá fui com os filhos para verem aquela obra. E recordo o ar acolhedor com que autografou o opúsculo A aldeia saloia de José Franco, de João Osório de Castro e Diogo Batalha (Elo, 2000), registando “Um grande abraço do amigo José Franco. Que Deus os ajude. 1-8-2002” e acrescentando a impressão digital autenticada com o barro. Fica a saudade e o prazer de o ter conhecido (e admirado).

Rostos (114)



Monumento aos Poetas do Carvalhal (pormenores), em Carvalhal (Grândola)

terça-feira, 14 de abril de 2009

Soeiro Pereira Gomes, a propósito do centenário e de uma personagem (ou três livros que se cruzam)

Hoje, na aula, falava-se do Pedro, o herói do conto “A Estrela”, de Vergílio Ferreira (Contos. 2ª ed. Amadora: Livraria Bertrand, 1976, pp. 191-203). Personagem arrojada, determinada, impaciente, corajosa, assustadiça. Criança de sete anos, ágil, franzina. Tudo bem quanto à caracterização psicológica e física. E socialmente? Quase silêncio. Uns olhares para este, para aquele, para o livro, para o ar, para o professor. Não lhes diz nada o facto de Pedro, à noite, ir para fora de casa descalço? Ou a linguagem usada? Ou o cordel que lhe ata as calças?
Descalço? À noite, no quarto, com pijama, é lógico que está descalço… Cordel? É aquilo que serve para prender as calças do pijama… Não repararam. Pedro foi para a rua, usando a sua vestimenta de todos os dias. Então ele não ia à escola? Escola?! Mas onde se fala de escola?
As aprendizagens deste Pedro vinham do trepar às árvores a espreitar ninhos, da corrida pelos montes, do jogo da vida… Realidades outras que estavam longe do mundo de agora. Invoquei outras crianças a propósito. Sabem que faz hoje cem anos que nasceu Soeiro Pereira Gomes? Escritor, que se remeteu à clandestinidade por pensar diferente, autor de Esteiros (1941), o livro dedicado “aos filhos dos homens que nunca foram meninos”, outros parecidos com o Pedro de “A Estrela”? Homens que nunca foram meninos? Mas…
Sim, é um interessante livro para lerem. Pode ser pretexto para ficha de leitura. Alguns anotaram a referência. Houve uma que disse que já tinha visto o livro lá por casa. Pode ser que…
À tarde, de visita a uma livraria, um título surpreende-me: Banquete de textos, de Madalena Santos (Quinta do Conde: Contra-Margem, 2009). São emoções que ficam de livros lidos. E um deles é Esteiros. E diz a autora: “Esteiros. Há esteiros no Tejo. São pequenos canais na margem do rio, cheios de lama e de lixo e junco, onde nunca deixaremos os nossos filhos meninos, a brincar. Mas outras crianças fizeram dos esteiros florestas e buscaram brinquedos perdidos, que nunca acharam. Como o Gineto, o Sagui, o Maquineta, o Gaitinhas, o Malesso (…). Os esteiros existem e o Gineto também. A personagem inspirou-se na vida dos miúdos pobres, que viviam em Alhandra e em Baptista Pereira, o português que atravessou a nado o Canal da Mancha. A vida valeu-lhe estas duas glórias: a travessia difícil, uma proeza da natação que aprendeu no Tejo, quando por necessidade ou por instinto, se atirava ao rio e o atravessava margem a margem, bem como ser inspiração dum escritor, para uma obra literária de vulto.”
Coincidências. Espero bem que haja algum que escolha Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes, para ler e fazer ficha de leitura. Pela história, pela literatura, pela memória, pela infância vivida e escrita. Se assim não for, tenho pelo menos a certeza de que, quando ouvirem falar em crianças descalças ou com cordel à cintura a segurar as calças, não associarão ao conforto do pijama apenas, mas pensarão também na possibilidade do desconforto que as vidas têm… e nas crianças que nunca viveram uma infância.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Máximas em mínimas (46)

No restaurante, o empregado, brasileiro, olhou a miúda que ajudava o irmão a acabar de comer. Pelos 10 anos, ela; por metade dessa idade, o pequeno. E o empregado não resistiu...
-Gosto muito do que estou vendo, menina... Muito bonito, mesmo!
Ela sorriu e continuou na sua função. Passados minutos, o empregado regressou à mesa.
- Muito lindo, mesmo! É que existe ex-mulher, ex-marido, ex-prefeito, ex-presidente... mas não há ex-irmão, nem ex-pai, nem ex-mãe...

sábado, 11 de abril de 2009

Mostra bibliográfica sobre Sebastião da Gama

Ontem, 10 de Abril, passaram os 85 anos sobre o nascimento de Sebastião da Gama, o “Poeta da Arrábida”.
Em Setúbal, essa data é, desde há dois anos, celebrada como sendo o Dia Municipal da Arrábida e de Sebastião da Gama e, neste ano, várias actividades são levadas a cabo no concelho ao longo do mês de Abril para evocar o poeta e a serra por iniciativa de diversos parceiros.
Uma delas é a exposição bibliográfica organizada pela Associação Cultural Sebastião da Gama, em mostra na Biblioteca Pública Municipal de Setúbal, até 18 deste mês, intitulada “Sobre os escritos de Sebastião da Gama (nos 60 anos do Diário)”.
A exposição surge organizada em cinco sectores: “Os 60 anos do Diário (nas diferentes capas)”, “As outras obras (em vida)”, “As outras obras (póstumas)”, “Textos nos periódicos” e “Obras que leram Sebastião da Gama”, aqui se indicando as referências bibliográficas das respectivas peças.
Os 60 anos do Diário (nas diferentes capas)
Ø Reprodução da 1ª página do manuscrito do Diário – 11 e 12 de Janeiro de 1949.
Ø GAMA, Sebastião da. Diário. 1ª ed. Pref.: Hernâni Cidade. Lisboa: Edições Ática, 1958.
Ø GAMA, Sebastião da. Diário. 3ª ed. Col. “Poesia”. Lisboa: Edições Ática, 1967.
Ø GAMA, Sebastião da. Diário. 7ª ed. Col. “Poesia”. Lisboa: Edições Ática, 1986.
Ø GAMA, Sebastião da. Diário. 12ª ed. Mem Martins: Edições Arrábida / Sebenta Editora, 1993.
Ø GAMA, Sebastião da. Diário. 13ª ed. Mem Martins: Edições Arrábida / Sebenta Editora, 2005.
Ø GAMA, Sebastião da. Diário: un metodo didattico nel Portogallo della prima metà del Novecento (tesi di Laurea in Lingua e Traduzione Portoghese, por Maria Antonietta Rossi). Viterbo: Università degli Studi della Tuscia / Facoltà di Lingue e Letterature Straniere Moderne, s/d (policopiado).
As outras obras (em vida)
Ø GAMA, Sebastião da. Serra-Mãe. 1ª ed. Lisboa: Portugália Editora, 1945.
Ø GAMA, Sebastião da; CALEIRO, Miguel. Loas a Nossa Senhora da Arrábida. [Lisboa: Imprensa Artística] 1946.
Ø GAMA, Sebastião da. Cabo da boa esperança. 1ª ed. Lisboa: Portugália Editora, 1947.
Ø GAMA, Sebastião da. A região dos três castelos. Azeitão: Transportadora Setubalense, 1949.
Ø GAMA, Sebastião da. Campo Aberto. 1ª ed. Lisboa: Portugália Editora, 1951.
As outras obras (póstumas)
Ø GAMA, Sebastião da. Pelo sonho é que vamos. 1ª ed. Lisboa: Portugália Editora, 1953.
Ø GAMA, Sebastião da. Lugar de Bocage na nossa poesia de amor. Lisboa: Faculdade de Letras, 1953 [separata da Revista da Faculdade de Letras, tomo XVIII, 2ª série, nº 1 e 3].
Ø GAMA, Sebastião da. Itinerário paralelo. 1ª ed. Lisboa: Edições Ática, 1967.
Ø GAMA, Sebastião da. O segredo é amar. 1ª ed. Lisboa: Edições Ática, 1969.
Ø GAMA, Sebastião da (poemas); ABREU, Maurício (fotografias). Itinerários da Arrábida. Setúbal: Câmara Municipal de Setúbal, 1987.
Ø GAMA, Sebastião da. Cartas I (a Joana Luísa). 1ª ed. Lisboa: Edições Ática, 1994.
Ø GAMA, Sebastião da. Não morri porque cantei… - Quadras. 1ª ed. Mem Martins: Edições Arrábida / Sebenta Editora, 2003.
Ø GAMA, Sebastião da. Estevas. 1ª ed. Mem Martins: Edições Arrábida / Sebenta Editora, 2004.
Ø GAMA, Sebastião da. A minha arca de Noé (antologia). Mem Martins: Edições Arrábida / Sebenta Editora, 2006.
Textos nos periódicos
Ø GAMA, Sebastião da. “Portugal independente”. Gazeta do Sul. Montijo: nº 518, 8.Dezembro.1940.
Ø GAMA, Sebastião da. “Remoinho”. Aqui e Além. Lisboa: nº 2, Maio-Agosto.1945.
Ø Aqui e Além. Lisboa: nº 2, Maio-Agosto.1945.
Ø GAMA, Sebastião da. “Sol posto”. Ver e Crer. Lisboa: nº 11, Março.1946.
Ø Ver e Crer. Lisboa: nº 11, Março.1946.
Ø GAMA, Sebastião da. “Moça jeitosa do Minho”. Correio do Minho. Braga: 28.Novembro.1946.
Ø GAMA, Sebastião da. “Carruagem de terceira”. Jornal de Sintra. Sintra: nº 728, 7.Janeiro.1948.
Ø GAMA, Sebastião da. “O Cais”, “A companheira”, “Apolo”. Távola Redonda. Lisboa: nº 1, 15.Janeiro.1950.
Ø Távola Redonda. Lisboa: nº 1, 15.Janeiro.1950.
Ø GAMA, Sebastião da. “Sábado em Estremoz”. Brados do Alentejo. Estremoz: 22.Julho.1951.
Ø GAMA, Sebastião da. “Carta de Estremoz”. Jornal do Barreiro. Barreiro: nº 63, 2.Agosto.1951.
Ø GAMA, Sebastião da. “Largo do Espirito Santo, 2 – 2º”. Árvore. Lisboa: nº 1, Outono de 1951.
Ø Árvore. Lisboa: nº 1, Outono de 1951.
Obras que leram Sebastião da Gama
Ø A Ilha (à memória de Sebastião da Gama). Setúbal: 1957.
Ø BELCHIOR, Maria de Lourdes. Sebastião da Gama: poesia e vida. Castelo Branco: Câmara Municipal de Castelo Branco, 1961.
Ø HERRERO, Jesús. Pedagogia de Sebastião da Gama – O ‘Diário’ à luz da psicopedagogia. 2ª ed. Lisboa: Editorial O Livro, 198[?].
Ø MALPIQUE, Cruz. Sebastião da Gama – Poeta de primeira água. Guimarães: 1967 [separata da revista Gil Vicente].
Ø MOURÃO-FERREIRA, David. “Sebastião da Gama – O papel da morte na sua poesia”, “Na publicação de Pelo sonho é que vamos” e “Convívio com Sebastião da Gama”. Vinte poetas contemporâneos. 2ª ed. Lisboa: Edições Ática, 1980, pp. 217-222. 223-226 e 227-237.
Ø MOURÃO-FERREIRA, David. “Sebastião da Gama: música, poesia, Arrábida”. Os ócios do ofício. Lisboa: Guimarães Editores, 1989, pp. 122-125.
Ø MOURÃO-FERREIRA, David. Evocação de Sebastião da Gama. Lisboa: Edições Ática, 1993.
Ø GASPAR, Regina Faria Januário Cabrita. A poesia de Sebastião da Gama: da escrita egocêntrica à escrita do diálogo (dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa). Lisboa: Universidade de Lisboa / Faculdade de Letras, 1999 (policopiado).
Ø GODINHO, José Luís. Sebastião da Gama – Poeta pedagogo / Pedagogo poeta (trabalho de candidatura ao 8º escalão). Sintra: Escola Preparatória D. Fernando II, s/d (policopado).
Ø GUERREIRO, Maria Antónia Leitão Marques. Solidão e solidariedade em Sebastião da Gama (dissertação de Licenciatura em Filologia Românica). Lisboa: Universidade de Lisboa / Faculdade de Letras, 1969 (policopiado).
Ø LIMA, Maria Luísa Loureiro Costa. Breve estudo sobre a obra poética de Sebastião da Gama (dissertação de Licenciatura em Filologia Românica). Lisboa: Universidade de Lisboa / Faculdade de Letras, 1961 (policopiado).
Ø MOREIRA, Cacilda; SAMPAIO, Maria Jorge; PORTELA, Margarida; CALDEIRA, Otília. A pedagogia do amor e da criatividade em Sebastião da Gama. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 1994 [?] (policopiado)
Ø RIBEIRO, João Reis (sel.). Sebastião da Gama – ‘Meu caminho é por mim fora…’. Azeitão: Associação Cultural Sebastião da Gama, 2007.
Ø RIBEIRO, João Reis. “Sebastião da Gama: Nos 60 anos do Diário”. Brotéria. Lisboa: vol. 168, nº 1, Janeiro.2009, pp. 57-72.
Ø SANTOS, Alexandre Ferreira. Sebastião da Gama – Milagre de vida em busca do Eterno. Lisboa: Edições Roma, 2008.
Ø Sebastião da Gama – 50 anos de poesia - Exposição. Setúbal: Câmara Municipal de Setúbal / Biblioteca Pública Municipal de Setúbal, 1998.
Ø Sebastião da Gama – Biblioteca-Museu Sebastião da Gama. Setúbal: Câmara Municipal de Setúbal, 2001.
Ø VÁRIOS. Sebastião da Gama – O poeta e o professor (Estudos e perspectivas). Azeitão: Associação Cultural Sebastião da Gama, 2007.
Ø VIANA, António Manuel Couto. “Sebastião da Gama”. Coração arquivista. Lisboa: Verbo, 1977, pp. 264-274.
Ø VIANA, António Manuel Couto. “Sebastião da Gama”. Ler, escrever e contar. Lisboa: Universitária Editora, 1999, pp. 129-142.

Política caseira (8) - Jorge Santana (independente pelo PSD) apresenta-se

O Setubalense: 08.Abril.2009 (só lido hoje)

segunda-feira, 6 de abril de 2009

"Setúbal republicana" contada por Albérico Afonso Alho

Há uns tempos, Albérico Alho manteve no Jornal de Setúbal a secção "Oficina de Memórias", com textos alusivos à história da região de Setúbal que bem dariam um interessante volume de história local. Depois, a dita "oficina" acabou. Mas voltou agora, a propósito do republicanismo em Setúbal. A que aqui reproduzo saiu no Jornal de Setúbal de hoje e é a primeira de uma série sobre o tema. Vale a pena ir lendo, quer porque o autor tem investigação e provas dadas no âmbito da história local, quer porque o tema vem mesmo a propósito para que Setúbal esteja integrada nas comemorações nacionais. Pena é que o jornal, de distribuição gratuita, nem sempre se consiga encontrar...

Albérico Afonso Alho. "Oficinas de Memórias: Setúbal republicana - Do Congresso à Revolução". Jornal de Setúbal, nº 341, 06.Abril.2009.

Algumas verdades lidas em Saint-Exupéry

1. “Il faut longtemps cultiver un ami avant qu’il réclame son dû d’amitié. Il faut s’être ruiné durant des générations à réparer le vieux château qui croule, pour apprendre à l’aimer.”
2. “L’homme est animé d’abord par des sollicitations invisibles. L’homme est gouverné par l’Esprit. Je vaux, dans le désert, ce que valent mes divinités.”
3. “Les miracles véritables, qu’ils font peu de bruit! Les événements essentiels, qu’ils sont si simples! (…) L’essentiel, le plus souvent, n’a point de poids.”
4. “Un sourire est souvent l’essentiel. On est payé par un sourire. On est récompensé par un sourire. On est animé par un sourire. Et la qualité d’un sourire peut faire que l’on meure.”
5. “On prend de grands airs, nous les hommes, mas on connaît, dans le secret du cœur, l’hésitation, le doute, le chagrin…”
6. “La vie crée l’ordre, mais l’ordre ne crée pas la vie.”
7. “Notre ascension n’est pas achevée, la vérité de demain se nourrit de l’erreur d’hier et les contradictions à surmonter sont le terreau même de notre conscience.”
8. “Si le respect de l’homme est fondé dans le cœur des hommes, les hommes finiront bien par fonder en retour le système social, politique ou économique qui consacrera ce respect.”
Antoine de Saint-Exupéry. Lettre à un otage. 116e éd. Paris: Gallimard, 1954 [1ª ed.: 1945].

domingo, 5 de abril de 2009

Nove máximas lidas em Mia Couto

1. “O fruto se sabe maduro pela mão de quem o apanha.” (in “As três irmãs”)
2. “Envelhecer é ser tomado pelo tempo, um modo de ser dono do corpo.” (in “O cesto”)
3. “Falar é fácil. Custa é aprender a calar.” (in “O adiado avô”)
4. “Um pobre não sonha tudo, nem sonha depressa.” (in “Meia culpa, meia própria culpa”)
5. “O homem é tão velho quanto a sua idade e a mulher é tão velha quanto parece.” (in “Na tal noite”)
6. “Diz-se que a tarde cai. Diz-se que a noite também cai. Mas eu encontro o contrário: a manhã é que cai. Por um cansaço de luz, um suicídio da sombra. (…) São três os bichos que o tempo tem: manhã, tarde e noite. A noite é quem tem asas. Mas são asas de avestruz. Porque a noite as usa fechadas, ao serviço de nada. A tarde é felina criatura. Espreguiçando, mandriosa, inventadora de sombras. A manhã, essa, é um caracol, em adolescente espiral. Sobe pelos muros, desenrodilha-se vagarosa. E tomba, no desamparo do meio-dia.” (in “A despedideira”)
7. “Os homens [atribuem] aos peixes as indecorosas ganâncias que [são] da exclusiva competência humana. [Adjectivam] a peixaria: os mandantes do crime são chamados de ‘tubarões’. Os poderosos da indecência são ‘peixe graúdo’. Os pobres executantes são o ‘peixe miúdo’. E, afinal, onde não há crime é lá dentro das águas, lá é que há a tal de propalada transparência.” (in “O peixe e o homem”)
8. “Criancice é como amor, não se desempenha sozinha. Falta[] aos pais serem filhos, juntarem-se miúdos com o miúdo. Falta[] aceitarem despir a idade, desobedecer ao tempo, esquivar-se do corpo e do juízo. Esse é o milagre que um filho oferece – nascermos em outras vidas.” (in “O Rio das Quatro Luzes”)
9. “O tempo é um fruto: na medida, amadurece; em demasia, apodrece.” (in “Uma questão de honra”)
Mia Couto. O fio das missangas (2004).

sábado, 4 de abril de 2009

A crise, a política e a sociedade nas palavras de D. Carlos Azevedo

D. Carlos Azevedo, presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social, tem entrevista no Público de hoje. Fico-me por alguns excertos.
1. «(…) [A crise] tinha que acontecer. O modo como as pessoas estavam a viver, o neoliberalismo do mero lucro, da ganância como critério para organizar a economia... A própria formação dos gestores: não se dava nenhuma ética e as pessoas quase assumiam que não tinham princípios e estavam interessadas só em ganhar dinheiro... (…)»
2. «(…) Há consciência de que as empresas precisam de dimensão social, há estruturas de "economia de comunhão", há alternativas, mas são raras. Trata-se de ajudar as pessoas a assumir a sua responsabilidade. Em Portugal, temos muito a ideia de que o responsável por tudo é sempre o Estado. Pode haver, num tempo de crise como este, confusão e desespero. É muito importante manter a serenidade: é possível sairmos disto, encontrar caminhos. Algumas empresas, felizmente não muitas, tinham capacidade financeira de recuperar e não abrir falência, aproveitaram a ocasião para o despedimento. É um atentado à ética. Quanto aos ordenados exorbitantes dos gestores, começa a ser gritante. É necessário que haja um pouco de decência, porque é mesmo obsceno no nosso tecido social. (…)»
3. «(…) Sabemos que não há um partido quimicamente puro, nem queremos que seja um executor da doutrina da Igreja. Admiramos muito os políticos que são bons políticos e que lutam pelo bem comum da sociedade. É preciso reabilitar a política em Portugal. Porque com o descrédito dos políticos que a comunicação social também provoca, é necessário reabilitar, precisamos de bons políticos. Com certeza que eles não têm todos os [nossos] princípios, mas há que escolher com consciência quem represente as nossas ideias e valores. (…)»
4. «(…) À Igreja compete formar a consciência, não dirigir a opinião. A consciência de cada um deve depois tomar as suas decisões. (…)»
[foto: D. Carlos Azevedo, por Daniel Rocha, in Público]

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Hoje é o Dia Internacional do Livro Infantil

Em 2 de Abril de 1805, oito meses e meio antes de Bocage morrer, nasceu em Odense, na Dinamarca, Hans Christian Andersen, o contador de histórias que têm feito o mundo e que têm ajudado a construir infâncias, exactamente o mesmo que, sessenta e um anos depois, visitaria a terra de Bocage, num périplo de uns meses que fez por Portugal, a convite de amigos que tinham uma ligação à cidade do Sado.
Em memória de Andersen, o 2 de Abril foi a data escolhida para assinalar o Dia Internacional do Livro Infantil. Para este ano, a mensagem é um poema de autor egípcio, iniciativa do IBBY (International Board on Books for Young People), difundida em Portugal pela APPLIJ (Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil), Secção Portuguesa do IBBY, intitulado "Eu sou o mundo".

Eu sou o mundo e o mundo sou eu,
porque, com o meu livro,
posso ser tudo o que quiser.
Palavras e imagens, verso e prosa
levam-me a lugares a um tempo próximos e distantes.


Na terra dos sultões e do ouro,
há mil histórias a descobrir.
Tapetes voadores, lâmpadas mágicas,
génios, vampiros e Sindbades
contam os seus segredos a Xerazade.


Com cada palavra de cada página
viajo pelo tempo e pelo espaço
e, nas asas da fantasia,
o meu espírito atravessa terra e mar.


Quanto mais leio mais compreendo
que com o meu livro
estarei sempre
na melhor das companhias.

Hani D. El-Masri
(Tradução: José António Gomes)
Ilustrador e profissional de cinema, nascido no Cairo, Egipto, em 1951, Hani El-Masri foi educado pelos Jesuítas, tendo mais tarde ingressado no Colégio de Belas Artes do Cairo. Emigrou para os Estados Unidos aos 35 anos. Ali, entrou para a Walt Disney Imagineering, em 1990, onde trabalhou como desenhador conceptual durante cinco anos. Na Imagineering, participou em projectos como o Disneyland’s ToonTown, o Disneyland’s Critter Country de Tóquio, o Museu Infantil de Baltimore, e o Arabian Coast do recentemente inaugurado Tokyo Disney Seas. Em 1995, Hani trabalhou como artista de desenvolvimento visual de projectos na película de animação O Príncipe do Egipto, assim como em A Estrada para El Dorado e Spirit: o corcel indomável. Mais tarde, trabalhou na película Osmosis Jones. Regressado ao Egipto, dedica-se, desde 2005, à realização da sua própria versão para crianças de As mil e uma noites, em forma de livro. Foi premiado como melhor ilustrador pela saga de Xerazade no prémio Suzanne Mubarak, outorgado pelo Egyptian Board on Books for Young People (EBBY).

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Convento de Setúbal vai ser requalificado (já não é sem tempo, mas só acredito quando vir...)

«O Convento de Jesus e o espaço envolvente vão ser requalificados no âmbito da candidatura comunitária para financiamento de projectos para a cidade de Setúbal, num investimento que ascende a mais de dez milhões de euros.
As obras previstas estão incluídas na candidatura do Programa de Regeneração Urbana do Centro Histórico de Setúbal, promovida pela câmara municipal, pelo Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar) e outras entidades, que incluem a concretização de uma dezena de iniciativas. O projecto de recuperação e requalificação do Convento de Jesus prevê a transformação da ala ocidental do piso superior num espaço para apresentação do núcleo Um Século de Artes Plásticas em Setúbal (1900-2000) dedicado a artistas locais e outros que tenham desenvolvido trabalhos na e para a cidade. Como forma de melhorar as acessibilidades ao convento, alargando as obras a mais artérias do casco antigo, está igualmente prevista a remodelação e nivelamento do Largo de Jesus, através de três planos rampeados. Com esta medida pretende-se atenuar as diferenças, de cerca de três metros de altura, entre a cota superior, relativa aos passeios envolventes, e a cota inferior de acesso à igreja. O projecto de remodelação do Largo de Jesus inclui igualmente intervenções ao nível do mobiliário urbano, da iluminação, da arborização e da substituição dos pavimentos, contribuindo assim para a valorização do convento. Este trabalho de requalificação visa devolver à cidade um espaço público de grandes dimensões e de elevado valor simbólico, o que também constitui um factor de atractividade turística para os visitantes do centro histórico da cidade, num investimento total previsto de 10,2 milhões de euros. (...)»
"Convento de Jesus vai ser requalificado". Público: 01.Abril.2009 (notícia da LUSA)