segunda-feira, 30 de junho de 2008

Fotografias em "Fragmentos de Emoção"

Para quem goste de fotografia, aliás, para quem aprecie os momentos do tempo associados aos fragmentos do dia e à vida dos sentidos, uma proposta: Fragmentos de Emoção (Lisboa: Editorial Minerva, 2008), antologia de quase meia centena de fotógrafos amadores e amantes dos instantes em que se repara no que está. No total, quase centena e meia de fotografias (cada fotógrafo vezes três), por onde perpassam a cor e o preto-e-branco, as coisas e as pessoas, a paisagem e o mundo próximo, os sentimentos e o outro, a luz e a recriação, a vida e a descoberta, a neblina e a transparência, o dia e os reflexos, o fascínio e a sensibilidade, a aventura e os afectos. O livro vê-se e lê-se com gosto, assim como num assomar às janelas do mundo para espreitar a energia dos momentos.
Comum a todos os fotógrafos antologiados é o facto de encararem a fotografia como hobby. As fotos apresentadas falam por si, mas há algumas que se completam com texto literário (Armindo Dias, Hugo Macedo, Luís Filipe Barroso, Mário Rui Pinto e Pedro Noel Guerreiro) e outras com um texto explicativo (Isabel Osório e Margarida Neves).
A paixão fotográfica não tem idade nem profissão definida nem contorno geográfico, mas valerá dizer que a autora mais nova é Bárbara Monteiro (n. 1992), ainda estudante de 11º ano. Ligados à região de Setúbal há vários autores e trabalhos: Álvaro Manuel Mendes Cordeiro (de Grândola, a viver em Santiago de Cacém), Cristina Mestre (com fotos de cais palafítico no estuário do Sado), Eugénio Violante (com exposição já efectuada em Setúbal), Francisco Cortez (de Moura, a viver na Moita, com fotos de Almada e de Setúbal), João Tiago Dias (de Almada), José Calheiros (de Coimbra, com um momento de cacilheiros), José Rasquinho (de Montemor-o-Novo, a viver em Setúbal, com imagens da beira-Sado) e Nuno de Sousa (com uma fotografia de barcos em Alcochete).

domingo, 29 de junho de 2008

Rostos (63)

Monumento aos Dadores de Sangue, por Nelson Cardoso, em Quinta do Conde

Intervalo (9)

Acabadinha de receber esta história...
FÁBULA SOBRE OS OUTROS E O SUCESSO
Um agricultor coleccionava cavalos e só lhe faltava uma determinada raça.
Um dia, ele descobriu que o seu vizinho tinha esse determinado cavalo e atazanou-o até conseguir comprá-lo. Um mês depois, o cavalo adoeceu e ele chamou o veterinário:
- Bem, o seu cavalo está com uma virose; é preciso tomar este medicamento durante 3 dias. No terceiro dia, eu regressarei e, caso ele não esteja melhor, será necessário sacrificá-lo.
Ali perto, o porco escutava a conversa toda... No dia seguinte, deram o medicamento ao cavalo e foram-se embora. O porco aproximou-se do cavalo e disse:
- Força, amigo! Levanta-te daí, senão serás sacrificado!!!
No segundo dia, deram-lhe o medicamento e foram-se embora. O porco aproximou-se do cavalo e disse:
- Vamos lá, amigo, levanta-te, senão vais morrer! Vamos lá, eu ajudo-te alevantar... Upa!Um,dois, três!
No terceiro dia, deram-lhe o medicamento e o veterinário disse:
- Infelizmente, vamos ter que sacrificá-lo amanhã, pois a virose pode contaminar os outros cavalos.
Quando se foram embora, o porco aproximou-se do cavalo e disse:
- É agora ou nunca... Levanta-te depressa! Coragem! Upa! Upa! Isso, devagar! Óptimo, vamos, um, dois, três, agora mais depressa, vá... Fantástico! Corre, corre mais!Upa! Upa! Upa!!! Tu venceste, Campeão!!!
Então, de repente, o dono chegou, viu o cavalo a correr no campo e gritou:
- Milagre!!! O cavalo melhorou! Isto merece uma festa... para comemorar, vamos matar o porco!!!
Reflexão: Isto acontece com frequência no ambiente de trabalho e na vida também. Dificilmente se percebe quem é o funcionário que tem o mérito pelo sucesso, por isso... saber viver sem ser reconhecido é uma arte. Se, algum dia, alguém te disser que o teu trabalho não é de um profissional, lembra-te: "Amadores construíram a Arca de Noé e profissionais construíram o Titanic". Procura ser uma pessoa de valor, em vez de uma pessoa de sucesso.

sábado, 28 de junho de 2008

Primeiro ano

Ontem, 6ª, não consegui passar por aqui. Vidas! Mas não faz mal... Fiz 1 anito nesse dia. Foi às 03h06 de 27 de Junho do ano passado que aqui comecei a dizer. Porque sim.
Comecei para ver como era. Como, aliás, começam muitas coisas. Tenho ficado por aqui. Tenho passado por aqui. Às vezes, com tempo; outras vezes, forçando-o. Coisas!
Obrigado a quem vai lendo e aos que vão enviando mensagens!

Querer o amor

Em Setúbal, na Avenida Rodrigues Manito
A frase é forte. Por um pedido, que pode ser em jeito de grito; pelo retrato que traça de uma sociedade em que os afectos são deixados para trás com a maior das facilidades; pela vontade de exteriorizar, de publicar, o grito; pela voz que a solidão pode ter; pela diferença nada subtil entre "algum" e "alguém". A frase é forte...

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Rostos (62)

Casal alentejano (pintura em loiça artesanal)

Correr atrás da bola

No Público de hoje, Miguel Gaspar pergunta "Onde estás, nação valente?" E responde...
«Implacável actualidade. Já quase ninguém parece recordar que ainda há uma semana Portugal vivia mergulhado no "sonho" da glória europeia da bola. Quem se lembrará então do dia em que a selecção partiu rumo ao Euro, com grande fanfarra nacional, directos em triplicado, manifestações de massas atrás de um autocarro e o piloto do avião a dizer que traria a taça no regresso? Tudo era orgulho nacional, auto-estima reforçada e imparável sede de vitória. Foi como se nunca tivesse acontecido. Quando a selecção voltou, quase ninguém quis saber dela, nem os jogadores estavam interessados nos poucos adeptos que apareceram na Portela. Ainda há por aí algumas bandeiras, mas ocorre perguntar se os "valores nacionais" que a selecção supostamente despertou serão tão voláteis quanto esta bolha mediática. (...) A crise, amarga, terá feito com que as pessoas estivessem menos crentes do que parecia? A invenção automática de Scolari como bode expiatório à portuguesa chegou para resolver a desilusão?
Depois de ter sido anunciado, como em 2004 e 2006, o regresso da nação valente, é preciso interrogar este vazio. Não se ressuscita D. Afonso Henriques em vão! Ou será o nosso "nacionalismo" tão fugaz que não resiste a um empurrão do capitão da selecção alemã?
O que este vazio mostra, primeiro que tudo, é a dimensão artificial de todo o fenómeno. Não o do futebol, que é uma paixão espontânea dos adeptos. O futebol simplesmente é o desporto do nosso tempo, pela estética do movimento, pelo espectáculo da jogada individual, pela simplicidade das regras, pela sua enorme e democrática imprevisibilidade. Outra coisa é o que o interesse das pessoas põe em movimento. Desde logo, o negócio da publicidade. Ligado a esta, a retórica nacionalista, que funciona como um eco do fenómeno e permite aos media amplificá-lo e torná-lo um acontecimento total. Finalmente, o poder político usa a atenção concentrada dos cidadãos para gerar um factor de coesão - e para tentar fazer esquecer as crises do dia, evidentemente.Há, evidentemente, uma dimensão identitária que desperta. As bandeiras que ficam nas janelas depois das derrotas significam a vontade de pertencer a qualquer coisa e de ser reconhecido. E é normal o prazer de um jogo, o sentimento de fazer parte de uma comunidade e gostar de vencer. Normal, fugaz e momentâneo. Quando a partir daqui se começa a construir o discurso da "unidade" dos portugueses ou a projectar em 11 jogadores de futebol as "glórias" da nação, passou-se para o domínio da alienação pura e simples. Da alienação e do vazio.
A volatilidade deste fenómeno mostra como esse suposto nacionalismo é ilusório, mas também como não existe uma ideia moderna de Portugal. Pedimos emprestadas ao passado as narrativas em que a história da "pátria" é descrita como épica ou decadente e como se o jogo da bola devolvesse a grandeza perdida e imaginária do império. A ideia do "optimismo" que supera o "complexo de inferioridade" nacional prolonga essas narrativas gastas. Mas para sermos modernos, não faz sentido resgatar a nação valente. Basta pensarmos que um chuto na bola é um chuto na bola. E nada mais do que isso.»

O que faz correr a Europa?

No Público de ontem, sob o título "Lições europeias", escreveu Rui Ramos: «Para a "Europa", as "crises" são quase sempre boas, e a "aproximação aos cidadãos" quase sempre má. (...) O que faz correr a "Europa"? Os eurocépticos gostam de a imaginar como uma conspiração federalista, com morada em Bruxelas; os eurófilos preferem confundi-la com o idealismo de povos ansiosos por despir as casacas nacionais. Não é nem uma coisa nem outra. A UE e os seus tratados não são obra da "Europa", da sua Comissão ou do seu Parlamento, mas dos Estados soberanos do continente. A babel dos tratados, com as suas dezenas de protocolos e declarações em anexo, reflecte esse enorme bazar em que cada Estado tenta candidatar-se ao máximo de recursos económicos e de influência política. A UE é apenas outro meio de os Estados europeus continuarem as guerras do passado.
Perante o vil facto, as boas almas pedem que os cidadãos de cada Estado sejam convidados a participar directamente no "processo". É uma ilusão piedosa, porque a UE não é nem poderá ser uma democracia. As democracias não assentam apenas na possibilidade de votar, mas também no sentimento de pertença a uma comunidade histórica - como, na Europa, são as nações, mas não é a UE. A UE é uma organização de Estados donde se pode entrar e sair e onde se negoceia segundo determinadas regras - as que existem em cada momento.
Se nos últimos tempos houve a impressão contrária, não foi por qualquer pressão federalista, mas porque assim conveio às classes políticas do continente. Para se pouparem a debates difíceis, muitos governos tenderam a atribuir à UE a responsabilidade de algumas opções polémicas. Foi assim, em nome da "Europa", que em Portugal se equilibrou as contas públicas, como se fosse uma imposição externa. Como contrapartida, fingiu-se que esta UE, que supostamente ditava a vida de cada povo, estava a caminho de se tornar qualquer coisa de grandioso, transparente e representativo (um Estado democrático com a sua "constituição"), para cuja inauguração onze governos convidaram as populações. Estas, onde puderam, aproveitaram o convite para estragar a festa. Mas este é um problema da UE só na medida em que começa por ser um problema dos Estados membros. A UE não é a sua causa nem a sua solução.»

terça-feira, 24 de junho de 2008

Rostos (61)

Cabeça de João Baptista (séc. XVIII), no Museu do Mosteiro de Lorvão

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Patrimónios do nosso brincar

Patrimónios do nosso brincar – Brinquedos e jogos das 4 cidades é uma monografia que dá a conhecer brinquedos e brincadeiras de antigamente de quatro cidades portuguesas que estão geminadas e através de cujas Câmaras Municipais se tornaram co-editoras deste livro – Fundão, Marinha Grande, Montemor-o-Novo e Vila Real de Santo António.
Ao longo de uma centena e meia de páginas, o leitor pode ver alguns brinquedos antigos e ler a sua história, bem como confrontar-se com alguns testemunhos de brincadeiras antigas, num trabalho que resultou do empenhamento de cerca de 400 alunos de oito escolas (100 alunos de duas escolas de cada um dos municípios participantes). O projecto, que englobou os quatro municípios, decorreu entre 2005 e 2007.
A par com as descrições dos jogos e dos brinquedos e com os testemunhos de muitas pessoas, que vão contando os seus brincares, há também fotografias documentais e poemas de Miguel Torga, Fernando Pessoa, Francisco Bugalho, António Gonçalves, Terezinha Tavares e Sebastião da Gama.
João Amado, da Universidade de Coimbra, prefacia o livro, escrevendo, a dada altura, que “falar de brinquedos, tal como construí-los, é uma forma de fazer poesia”. E é através dessa poesia que o leitor (depois dos participantes no projecto) viaja até à infância (a sua ou a de outros tempos), às memórias, à sociedade, ao tempo, num percurso balizado pela recordação e pela inovação e experiência.
Apresentado em três capítulos – “A infância, o brincar e o brinquedo popular”, “Brinquedos populares” e “Jogos tradicionais infantis” –, o livro vale pelo prazer de ver um bonito objecto gráfico e de olhar o registo de uma infância que se constrói e inventa a partir de coisas tão simples como subir às árvores, ir aos ninhos ou tomar banho no rio… Sobre essa capacidade de invenção fala a informante Célia Domingues, por exemplo (n. 1969, na Marinha Grande): “Os brinquedos eram poucos! Nós brincávamos mais era na rua com terra, com água, com lama… Era a brincar com a lama, era a apanhar flores. Fazia barcos de cascas de pinheiro e brincávamos assim… entretínhamo-nos assim…” Há ainda a conotação da escola com o tempo feliz por ser aquele em que se podia brincar – “Mas eu brincava muito era na escola, era uma judia… Jogava à malha, ao calhau, que é com cinco pedrinhas…”, rememora Maria José Brito (n. 1933, em Tavira). Pelo meio, há também descrições e lembranças mais atrevidas, tal como recorda António Sousa Carvalho (n. 1939, Fundão): no jogo do cântaro, “às vezes, os rapazes faziam de propósito para partir o cântaro, a rapariga aventava-o para o apanharem, o rapaz desviava-se…” Brincadeira com malandrice à mistura, traz Ramiro Mosca (n. 1937, Marinha Grande) a propósito do jogo da cabra-cega: “À cabra-cega arranjávamos sempre raparigas para brincar com a gente e a gente aproveitava e também apalpava um bocadinho”.
E vale a pena terminar relendo parte do poema que de Sebastião da Gama é transcrito – em “O menino grande” (poema de Fevereiro de 1946, publicado pela primeira vez na obra Itinerário paralelo), relembra: “Nem tudo se foi: / Ficou-me, dos tempos de menino, / Esta alegria ingénua / Perante as coisas novas / E esta vontade de brincar.”

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Rostos (60)

D. Teresa, em Ponte de Lima

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Ok, o país pode prosseguir...

Depois de gritos e apostas na vitória de Portugal sobre o Euro futebolístico; depois de duas vitórias e de duas derrotas; depois dos excessos anestesiantes em que o país se reduziu ou encostou ao futebol; depois dos 3-2 a favor da Alemanha... acabou a anestesia. Scolari e a Selecção Nacional merecem as nossas felicitações da mesma forma. Sem eles, não teria havido esta ideia de festa e de partilha da festa, ainda que com exageros. Houve boas emoções para a auto-estima lusa; houve também momentos amargos.
Agora, Portugal, o país e a vida real, pode continuar!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Rostos (59)

Busto de Joaquim José de Carvalho, em Palmela

terça-feira, 17 de junho de 2008

Máximas em mínimas (29)

Pensar
Há uma coisa que eu não admito da parte da sociedade, nem dos outros, nem de ninguém: é que me impeçam de pensar. É uma coisa que não devia ser impedida às pessoas. (…) Não me impeçam de pensar, não me dêem ideias feitas porque eu não as aceito. Tenho que saber, primeiro, se elas me convêm a mim e se eu acredito nelas e se eu as reconheço como válidas.
Maria João Pires. Entrevista, in: Carlos Vaz Marques. Pessoal e Intransmissível XX-XXI.
Porto: ASA Editores / “Diário de Notícias”, 2004, pg. 23.

domingo, 15 de junho de 2008

E se o "não" ao Tratado viesse de diferente latitude?

Se, na França ou na Alemanha, tivesse havido um referendo ao Tratado de Lisboa e o resultado desse 53% ao "não", alguém se atreveria a sugerir que esse país tinha uma de duas soluções - ou saía da União Europeia ou repetia o referendo?
Depois dos procedimentos que os políticos tiveram para não referendar o Tratado, antes o fazendo passar apenas pelo crivo largo dos parlamentos; depois de ter havido políticos dizendo que o Tratado era quase inexplicável; depois de se ter assistido a um tempo em que ninguém esclareceu ninguém quanto às transformações reais que podem existir na sequência desse Tratado... ser-se "a favor" ou "contra" o Tratado é exercício indiferente, porque essa não foi preocupação na gestão de toda esta história. A Europa, a famosa Europa, quis (quer) passar ao lado dos cidadãos que a fazem e quer neles mandar, levando os princípios até onde os governos não podem levar... A participação é apenas uma imagem de (má) retórica!

sábado, 14 de junho de 2008

Mudou Bocage de sítio?...

... não, não mudou! Em Setúbal, Bocage não deixou a Praça que recebe o seu nome e que o tem em pedestal desde 1871. Mas, em tempo de santos populares e de animação de bairros, a Rua Francisco José da Mota - bem próxima da zona onde Bocage terá nascido (Rua Edmond Bartissol, antiga Rua de S. Domingos) e também do sítio onde nasceu o seu grande amigo e poeta Santos e Silva - ostenta uma réplica do monumento que identifica o centro de Setúbal, não lhe faltando as inscrições, nem os sinais das homenagens, nem o nome dos artífices que, no século XIX, tornaram a estátua realidade. Eis, pois, Bocage no meio da animação e da festa, que, por certo, não enjeitaria... ainda por cima convidado pelo povo da sua terra!

Hoje, no "Correio de Setúbal"

Diário da Auto-Estima – 81
Futebol – Anda o país eufórico com o futebol europeu, um contentamento que surgiu antes de o campeonato começar, veiculado pela sobrevalorização que os media fizeram deste produto, acompanhando autocarros, entrevistando o cidadão comum, entrando nas vidas dos desportistas, fazendo-nos crer que estamos todos numa grande casa, num enorme estádio, numa descomunal festa. A grande moda, já retomada de edições anteriores, é a dos ecrãs gigantes, posicionados onde seja possível, desde jardins a esplanadas de cafés, numa tentativa de alargar o relvado (melhor: as bancadas) até qualquer ponto do planeta, por mais esconso que seja. Os resultados da Selecção têm ajudado. No momento em que escrevo, já dois jogos passaram, ambos com resultado favorável à equipa lusa. Por outro lado, não menor auxílio tem vindo da imagem do Portugal além-fronteiras, com a televisão a explorar até ao limite a família emigrante. Mas, subitamente, a alegria tingiu-se: o seleccionador que levou o país à estima da sua bandeira, que conduziu a Selecção, de há uns anos para cá, às marcas positivas da auto-estima, que tem tido apoiantes e também quem o queira denegrir, que ora foi bestial ora foi transformado em besta… o seleccionador Scolari vai deixar o lugar e partir para o voo inglês do Chelsea, onde já esteve Mourinho. Durante uns tempos, vamos ouvir os lamentos por esta partida, sentimento que legitimará a bem portuguesa saudade. Mas a festa do futebol é mesmo assim. Tem que haver episódios fortes e marcantes para que a telenovela prossiga. Mesmo para que haja coisas (inofensivas) para se opinar. A passagem de Scolari pelo futebol português foi positiva e gostaria que Portugal saísse deste europeu como vencedor, não só porque a empreitada ficaria completa (e uma obra destas é sempre o ponto de partida para outros destinos e Portugal precisa de ter pontos desses), mas também porque seria um bom final para o treinador brasileiro por cá. Só isto. O resto… não merece mais do que esse estatuto.
Anti-epopeia – A paragem dos transportes pesados ao longo de três dias foi o início da anti-epopeia, a contrariar os momentos da festa excessiva. Todos ficámos preocupados com o que poderia vir a faltar, é certo. Mas também se viu que esta foi uma manifestação que não esconde um mal-estar mais denso que alastra no país real, bem distante daquele que a política tem pintado e de que se tem afastado. A energia que vai para o futebol será muito diferente da que anima a contestação?
Ler uma especiaria – Teve apresentação pública em Setúbal há duas semanas, mas já fora apresentado em Lisboa. É um romance que se constrói entre um Portugal do século XVI e uma Angola do século XX, que vive entre a Inquisição, os naufrágios, a procura e as revoluções. É um texto que alicia e que se lê com gosto: pela narrativa poderosa; pelos retratos das situações; pela capacidade de um narrador visitar os tempos e os sítios da diversidade histórica; pela adjectivação intensa e plural; pelas personagens fortes e sujeitas à aventura do sim e do não da vida; pelo confronto entre a vida e a morte, num jogo em que figuras como Mancini e Benguela estão sempre a resvalar; pelo humor, às vezes assumido, por vezes sugerido; pelo sentido ético e pelas verdades que atravessam os tempos. Falo de A Especiaria (Lisboa: Guerra e Paz, 2008), título de António Oliveira e Castro, bancário aposentado, fixado em Setúbal, verdadeiro contador e construtor de histórias. Vale bem a leitura.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Irish Coffee, please!

Conta-se que a bebida (com café, uísque irlandês, açúcar e chantilly) foi inventada na década de 40 do século passado, numa zona portuária, servindo para aquecer os passageiros chegados da América do Norte via Atlântico. Era, assim, um confortozinho… tal como o podem ser os resultados irlandeses, provavelmente partilhados por muitos europeus que não tiveram oportunidade de se pronunciar sobre o Tratado que sobrevoa a Europa.
E, aqui, chegamos ao ponto. Os irlandeses disseram “não” ao designado Tratado de Lisboa. Assim se vê a razão pela qual os pressurosos governos não quiseram que os respectivos povos se pronunciassem quanto ao Tratado.
Fica a Europa melhor? Fica a Europa pior? Sopre o vento para o lado que soprar, o certo é que o Tratado teria merecido uma abertura para explicação, clareza e partilha com os povos, ao invés de se transformar numa discussão de políticos apenas, mais parecendo que existe uma Europa para os políticos e outra para os cidadãos!Era escusado ter-se chegado a esta lição, que mais serve aos decisores da via não referendária! Era escusado deitar foguetes antes da festa! Era escusado ter ouvido o nosso Primeiro-Ministro a apostar a sua carreira política neste Tratado, como ainda há dias sugeriu! Era escusado confundir o porreirismo com o direito de os povos dizerem “não”! Era escusado ter sido dada tão grande prova de desconfiança nos eleitores!

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Rostos (58)

Baltazar Lobo, "Os futebolistas", 1987
(em exposição no Jardim Amália Rodrigues, no Alto do Parque Eduardo VII, em Lisboa)

terça-feira, 10 de junho de 2008

Nesta data - II

Nesta data - I

Povo

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve o teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!

Meu cravo branco na orelha!
Minha camélia vermelha!
Meu verde manjericão!
Ó natureza vadia!
Vejo uma fotografia…
Mas a tua vida, não!

Fui ter à mesa redonda,
Bebendo em malga que esconda
O beijo, de mão em mão…
Água pura, fruto agreste,
Fora o vinho que me deste,
Mas a tua vida, não!

Procissões de praia e monte,
Areais, píncaros, passos
Atrás dos quais os meus vão!
Que é dos cântaros da fonte?
Guardo o jeito desses braços…
Mas a tua vida, não!

Aromas de urze e de lama!
Dormi com eles na cama…
Tive a mesma condição.
Bruxas e lobas, estrelas!
Tive o dom de conhecê-las…
Mas a tua vida, não!

Subi às frias montanhas,
Pelas veredas estranhas
Onde os meus olhos estão.
Rasguei certo corpo ao meio…
Vi certa curva em teu seio…
Mas a tua vida, não!

Só tu! Só tu és verdade!
Quando o remorso me invade
E me leva à confissão…
Povo! Povo! Eu te pertenço.
Deste-me alturas de incenso.
Mas a tua vida, não!

Povo que lavas no rio,
Que vais às feiras e à tenda,
Que talhas com o teu machado
As tábuas do meu caixão,
Pode haver quem te defenda,
Quem turve teu ar sadio,
Quem compre o teu chão sagrado,
Mas a tua vida, não!
Pedro Homem de Mello, Povo que lavas no rio (1969)
Em versões adaptadas, o poema existe interpretado por várias vozes, como as de Amália, António Variações, Dulce Pontes ou Mariza.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

As facilidades que não facilitam, com a Matemática de permeio

Mais uma vez, a Matemática, agora com a facilidade excessiva dos testes que foram produzidos pelo Ministério da Educação! José Manuel Fernandes, no editorial de hoje do Público (para ler, clicar sobre a imagem), fala sobre o assunto e compara com o que se passa num país mais a norte… Não há dúvida de que se está no caminho do sucesso, pelo menos daquele sucesso que significa que muitos alunos transitam, mas que deixa dúvidas quanto à credibilidade desse transitar. Curiosamente, os alunos, mesmo no ensino básico, vão dizendo: “ó professor, este teste foi muito exigente!”. Duvido que, com isso, queiram apenas metaforizar a dificuldade; também têm um grão de saber que lhes permite pensar que as facilidades são madres de muitas inutilidades! E sei que eles têm razão. (declaração de interesses: não sou professor de Matemática, mas sempre tenho dito aos meus alunos que o estudo é um direito, um dever e um valor e que, de facto, a Matemática e a Língua Materna são disciplinas fundamentais para o crescimento intelectual de cada um.)

Curtas - A queima

O homem entrou e pediu tabaco. Foi-lhe apontada a máquina, supostamente cheia de maços. Introduziu as moedas necessárias, marcou e esperou. Nada! Repetiu a operação e o sucesso foi o mesmo. Nada! Reparou que não havia a sua marca habitual e optou por outra.
- Serem uns ou outros… também gosto destes!... – conformou-se.
Ninguém parecia ligar-lhe, mas tinha necessidade de dizer.
- Sabe? Eu gosto é de ver a etiqueta que, nos maços, diz “fumar mata”… – anunciou, com sorriso matreiro. – É que me dá um prazer dos diabos queimar aquilo que mata! – e riu-se, saindo para dar largas ao prazer.

domingo, 8 de junho de 2008

Um estatuto retratado em muitos...

Basta ler uma notícia desenvolvida no Público de hoje, assinada por Bárbara Wong, para perceber que o novo “Estatuto do Aluno” está a levantar problemas de aplicação, sobretudo pelas discrepâncias que podem surgir, ainda que de acordo com os regulamentos internos de cada estabelecimento de ensino, ainda que tudo a coberto de apropriações da lei.
Nuns sítios, o novo estatuto está a ser aplicado; noutros, não. Nuns sítios, contabilizam-se as faltas dos alunos; noutros, não. Nuns sítios, são feitas provas sobre as matérias leccionadas durante os períodos de faltas dos alunos; noutros sítios, percebeu-se que não é este tipo de provas que leva a que os alunos faltem menos. Nuns sítios, as faltas são contabilizadas por igual; noutros, há diferenciação entre os alunos que faltam de vez em quando justificadamente e os que faltam sistematicamente sem justificação.
É muito fácil remeter a aplicação do novo estatuto para os regulamentos internos das escolas. Nuns casos, burocratiza-se; noutros, experimenta-se. O presidente do Conselho de Escolas afirma que “é preciso ver até que ponto [estas regras] são favoráveis ao funcionamento das escolas"; a presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação diz que "as provas vão trazer muita discriminação entre escolas e, até dentro da mesma, entre os alunos"; o presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais acha que "a elaboração do regulamento interno deve ter em consideração os alunos de cada escola”, porque “o importante é que o objectivo a alcançar seja o mesmo para todas, não importa qual o caminho que cada uma faz".
Há explicações para tudo e de todas as cores; o que não há é a coerência de se pensar que estar no terreno é outra coisa diferente. Terá valido a pena ter-se chegado até aqui? Não creio que o aforismo do poeta, desta vez, funcione…

sábado, 7 de junho de 2008

Rostos (57)

Busto de Pero do Campo Tourinho (1º Donatário de Porto Seguro, no Brasil),
em Viana do Castelo (junto ao Lima)

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Entre o futebol e a educação, onde está o país?

O professor Carlos Fiolhais assina hoje uma interessante crónica no Público (para ler, clicar sobre a imagem). Depois do espectáculo em que foi transformada uma viagem de autocarro ou a saída para um aeroporto, depois desta contínua imagem de que o país é um imenso relvado e todos são adeptos, depois de se ver que tudo o que está para lá do futebol parece um imenso deserto... teimo em pensar que estas imagens que a televisão e outros media nos estão a dar não são reais e fazem parte da ficção, da distracção (des)necessária... E não se pense que não quero que a selecção lusa ganhe; quero, pois. Mas também acho que deve haver discernimento. Mas também acho que tomar a festa (em) que alguns vão vivendo por uma festa colectiva é uma falsidade, talvez para ser arranjado um alibi.
Quando o artigo do professor Carlos Fiolhais chega ao fim, a gente percebe o que é valorizado no país em que estamos...

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Rostos [de um grande amor] (56)


D. Inês de Castro e D. Pedro (Mosteiro de Alcobaça)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Inacessibilidades em Portugal (e em Setúbal também)

O bissemanário vianense A Aurora do Lima (o segundo mais antigo jornal em publicação em Portugal, logo atrás de O Açoriano Oriental) publica, na sua edição de hoje, um artigo de opinião, assinado por António Costa Viana, sobre as inacessibilidades que vivemos em Portugal (para ler, clicar sobre a imagem). As situações invocadas são semelhantes a outras que já por todos nós passaram. O cronista não incide numa localidade apenas, mas em várias, a provar que a geografia das inacessibilidades é mais vasta do que nos parece. Setúbal está na rota deste cronista, ainda que não refira quando foi que tudo isto aconteceu. Mas, mais importante do que saber as coordenadas dessas inacessibilidades, é perceber que a onda é geral, muitas vezes (quase sempre) para nosso mal... mal de quem visita (porque se pode esgotar uma oportunidade que era única) e mal de quem é visitado (porque pode haver a conotação com o marasmo e com o abandono)!

Como Raymond Depardon vi(ve)u o ano de 1968

Acabou o mês de Maio, em que os 40 anos sobre um outro Maio, o de 1968, foram tema tratado por toda a imprensa, com reescrita das histórias, depoimentos, evocações, análises e revisões (tudo ganhando fôlego também com o contributo de Sarkozy e da sua visão nada feliz sobre esse mesmo Maio). Em toda essa abordagem do Maio de 1968, de vez em quando, apareceram outras histórias do mesmo ano, a chamar a atenção para o facto de ele não se ter reduzido ao seu quinto mês…
Um contributo interessante, bom para a memória, lindo para a vista, foi o livro 1968 (que, no interior, traz mais completo título – 1968 – Une année autour du monde), de Raymond Depardon (Paris: Éditions Points, 2008), que inclui uma entrevista com o fotógrafo, feita por Philippe Séclier, e quase centena e meia de fotografias a preto e branco dos acontecimentos que Depardon acompanhou nesse ano, por si legendadas, num misto de recuo no tempo e de itinerário autobiográfico, onde não faltam as informações, as ideias e as histórias de uma vida (e de um ano).
A origem deste projecto é simples: convidado para fazer um livro sobre aquele mês de Maio, Depardon, que passara a maior parte dele fora de França, propôs-se reunir um conjunto de fotografias por si feitas no ano de 1968 a fim de ligar os acontecimentos de Maio ao contexto da época. E o resultado está à vista, com as fotos apresentadas por ordem cronológica de entrada no laboratório, escolhidas de um mais vasto conjunto de cerca de oito centenas e meia de negativos.
A série inicia-se em Janeiro, com Brigitte Bardot no aeroporto Bourget, onde embarcava para Espanha, com uma nota explicativa onde é dado, de imediato, o cunho autobiográfico: “Deux ans plus tard, c’est dans cet aéroport que j’accompagnerai Gilles Caron pour partir au Cambodge, dont il ne reviendra pas” (Caron, fotógrafo, co-fundador da agência Gamma com Depardon, foi assassinado pelos kmers vermelhos em 1970). Depois, é o desfile do ano: actrizes, cantores, gente do espectáculo, reis e princesas, desporto, Truffaut, Sylvie Vartan, Giscard, Miterrand, Dalida, primeiro transplante de coração em França, visita papal à Colômbia, manifestações contra o Vietname nos Estados Unidos, vigilância policial na Espanha franquista no 1º de Maio, Nixon, manifestantes pró-Luther King, Raquel Welch em Espanha (de onde Depardon teve que partir, com passagem por Portugal, para ida ao Biafra), Jogos Olímpicos do México e atitude dos vencedores negros quando levantam o punho com luva negra na recepção da medalha, de Gaulle, Juliette Gréco, Allen Ginsberg, Jean Genet… e tantos outros momentos e pessoas. Não faltam episódios de vida e de morte, de alegria e de sofrimento, de acção, de ficção; não faltam momentos de êxtase, de movimento, de políticos (“J’ai toujours aimé photographier l’homme politique, surtout en mouvement. Ce que je détestais le plus, c’était de le faire poser derrière son bureau.”) ; e não faltam também momentos de humor – em Agosto, depois de acompanhar Paulo VI na Colômbia, partiu para Chicago para fazer a cobertura da convenção democrata e um amigo arranjou-lhe um quarto - “les propriétaires me prêtent la voiture de leur fils parti en Europe. C’est une Coccinelle jaune, toute peinte de fleurs. Je revois encore la tête des policiers quand je suis arrivé à la convention, pour trouver une place de parking dans le carré de la presse”.
Retrospectivando o ano de 1968, certo é que o livro tem ligações com o Maio desse ano, mesmo apesar da ausência do fotógrafo nos momentos mais importantes de Paris, com recurso à memória do amigo Caron, que foi um dos bons fotógrafos desse Maio francês e que Depardon evoca várias vezes neste livro.
Raymond Depardon (n. 1942) começou a trabalhar como repórter fotográfico em 1958, esteve na agência Dalmas e, em 1967, foi co-fundador da agência Gamma; em 1977, com Sebastião Salgado e outros, passou a trabalhar na agência Magnum.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Ser porreiro é...

No Público de hoje, Helena Matos, sob o título "Infelizmente são uns gajos porreiros", escreve sobre a sociologia da "porreirice". E merece uma olhada, num reino em que "ser porreiro" continua a dar. Continua?
«(...) Num país que foge do debate ideológico como o diabo da cruz, a "porreirologia" é uma espécie de sociologia informal baseada na existência dos "tipos porreiros". O que é um porreiro? Grosso modo o gajo ou tipo porreiro é uma espécie de íntimo, não tanto por se partilhar com ele grande coisa mas sobretudo porque está implícito que um gajo porreiro não incomoda aqueles com quem partilha esse estatuto. Os gajos porreiros podem fazer coisas que são interditas aos outros porque está implícito que as fazem naturalmente de forma porreira. Ou seja, despindo-as das suas consequências e aligeirando-as naquilo que têm de questionável. Afinal, ensina a "porreirologia" que os gajos porreiros só podem fazer coisas porreiras, logo um tipo que seja porreiro não faz de desmancha-prazeres, estragando os objectivos certamente porreiros dos outros tipos, porreiros como ele mesmo. (...) Mas, e aí está o problema do porreirismo, não se pode abordar o exercício dum cargo de poder com o mesmo critério com que se escolhe alguém para conversar, ir ao cinema ou até trabalhar. (...)»

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Um acordo ortográfico era a coisa de que mais precisávamos, não era?

Aqui está um artigo (clicar sobre a imagem para ler) sensato, calmo e pertinente de Francisco Bélard, saído no último número da revista Ler (Lisboa: Círculo de Leitores, nº 70, Junho.2008, pg. 87) sobre essa coisa importantíssima, elevadíssima e interessantíssima que foi o acordo ortográfico, justificado com o valor económico da língua portuguesa... como se uma língua tivesse que se sujeitar a estas coisas, como se os homens tivessem perdido todo o sentido crítico, como se uma ortografia se resolvesse por questões políticas e económicas e não por razões de linguística, de fala, de escrita e de cultura (e também de sensatez). O acordo ortográfico era a coisa mais importante para a sobrevivência dos portugueses, o seu problema-mor!... Agora até vai haver mais gente a dar menos erros ortográficos, não vai? Só se for por escrever menos! Ora pois!...

domingo, 1 de junho de 2008

Feriado em Palmela - programa

O feriado de Palmela tem 30 anos

Em 24 de Maio de 1978, o semanário A Voz de Palmela publicava o edital assinado no dia 16 por Edgar Costa, presidente da Câmara Municipal, fazendo saber que a autarquia deliberara, "na sua reunião ordinária realizada em 5/5/1978, e no uso da competência que lhe confere o disposto no nº 13º do artigo nº 48º do Código Administrativo, fixar o feriado municipal do concelho no dia 1 de Junho, data em que o rei de Portugal D.Manuel I concedeu foral à vila de Palmela no ano de 1512".
A primeira reacção a esta escolha não se fez esperar muito tempo. Uma semana depois, em 31 de Maio, véspera do primeiro feriado, o mesmo jornal relatava o almoço do Grupo dos Amigos de Palmela entretanto acontecido, evento em que interveio o historiador local António Matos Fortuna para dizer que o dia escolhido pela Câmara não teve "muito senso", pois se tratava de uma "data artificial", devendo ser considerada como a de "um feriado feito a martelo". As razões apresentadas por Matos Fortuna eram históricas e relacionavam-se com o espírito que presidiu aos designados "forais novos", atribuídos por D.Manuel I.
Palmela teve o primeiro foral em 1185, atribuído por D.Afonso Henriques, em Março, em dia que se desconhece, por não constar a sua menção no documento. Cerca de três séculos mais tarde, em 1495, ascendeu ao trono D.Manuel I, que seguiu uma política de consolidação do absolutismo régio, tendo ordenado, logo no ano seguinte, a conversão dos mouros e diminuindo, ao longo dos tempos, a convocação das cortes. Entretanto, em 1497, criou uma comissão com vista à revisão dos forais, que concluiu a sua tarefa em 1520. O primeiro foral a entrar nesta revisão foi o de Lisboa, logo outorgado em 1502. O de Palmela surgiria uma década depois.
Nestes forais manuelinos, como escreveu José Mattoso, "não se tratava de garantir a autonomia municipal ou de melhorar a administração local, mas de permitir uma cobrança actualizada do fisco". Na verdade, a actualização manifestou-se quer ao nível de taxas a pagar, quer ao nível de criação de outras que os antigos forais não previam.
O parágrafo introdutório do foral assinado por D.Manuel não deixava, de resto, margem para dúvidas quanto às intenções fiscais: "Dom Manuel, por graça de Deus rei de Portugal e dos Algarves, (...) fazemos saber que, por bem das diligências, exames e inquirições, que em nossos reinos e senhorios mandámos fazer, (...) as rendas da dita vila e direitos reais se devem arrecadar na forma seguinte". Depois, artigo a artigo, era estipulado o princípio que regulava o pagamento ou a isenção dos impostos das terras foreiras, dos lagares, das pensões dos freires, das sesmarias, dos montados, das estalagens, do "gado de vento", da "pena de arma", das portagens (por produtos como pão, vinho, sal, cal, cera, azeite, mel e linhaça, por "casa movida", por passagem, por "panos finos", por compras de gado, por mercearia, por caça, por artigos em metal, por louça, etc.). No final, surgiam as prescrições relativamente aos desrespeitadores: "E qualquer pessoa que for contra este nosso foral, levando mais direitos dos aqui nomeados ou levando destes maiores quantias das aqui declaradas, o havemos por degredado por um ano fora da vila e termo e mais pague da cadeia trinta reais".
Uma semana depois do assinalar do primeiro feriado de Palmela em 1 de Junho, a edição de A Voz de Palmela, surgida em 7, não dava relevo à celebração do feriado, apesar de reproduzir na sua primeira página um artigo assinado por Amílcar Machado, que o mesmo jornal já publicara vinte anos antes, em 28 de Fevereiro de 1958, abordando a questão do feriado palmelense. Era opinião de Machado que Palmela deveria assinalar o seu dia em 22 de Fevereiro, data do ano de 1148 em "que D.Afonso Henriques tomou Palmela aos Mouros". O jornal relatava ainda o que fora o dia 1 de Junho de Palmela, não enquanto feriado mas enquanto Dia da Criança.
Duas semanas depois, em 21 de Junho, Matos Fortuna era contundente, em artigo de primeira página intitulado: "Para que não seja tão desenxabida, é preciso escolher outra data para o Feriado do Concelho". Em texto extenso, expressava a sua discordância relativamente à decisão camarária, argumentando sentir-se "no direito e até na obrigação de reprovar a edilidade por ter escolhido para feriado do concelho uma data que não se lhe ajusta com suficiente naturalidade" e concluindo que seria, pois, "um feriado legal, mas despido de convincente significado histórico". Em causa estava a fragilidade da importância do documento comemorado, no que tocava ao desejado envolvimento da população em torno de uma data que fosse suficientemente identitária.
Um ano depois, em 1979, A Voz de Palmela, na edição de 6 de Junho, dava conta da existência de "um cada vez maior afastamento entre o Grupo dos Amigos de Palmela e o seu município" em consequência das divergências quanto à data do feriado. Joaquim Barrocas assinava um artigo intitulado "Dois Comunicados sem Data a propósito duma data", em que referia o comunicado autárquico a divulgar o programa do dia do concelho e um comunicado dos Amigos de Palmela a contestar a escolha da data e a propor à Câmara a "humildade" para "reconhecer que errou na escolha", sugerindo-lhe que a decisão fosse alterada. Ironia das ironias, numa das páginas do jornal aparecia o título "Feriado Municipal confirmado pela Câmara" e, numa curta notícia local, em página diferente, surgiam duas perguntas: "Gostaríamos de compreender a razão por que, sendo feriado em Palmela no dia 1 de Junho, muito boa gente ignorou o facto e trabalhou. E, sendo feriado municipal, quem explica por que razão o mercado municipal esteve a funcionar?"
Dois anos depois, em 5 de Junho de 1981, o Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela promoveu uma reunião na sede dos Loureiros para a discussão da melhor data para o feriado, presidida por José Hermano Saraiva. Mais uma vez, a data de 1 de Junho foi contestada e foram apresentadas alternativas: a 2ª feira de Pascoela (porque marcava, na vida ligada ao campo, o início do período da sesta e a data tinha muito significado para os rurais), o 31 de Agosto (por ser o dia de 1384 em que Nuno Álvares Pereira acendeu as almenaras no castelo de Palmela, a avisar os sitiados de Lisboa do seu socorro), o 8 de Novembro (por ser o dia de 1926 em que foi publicado o decreto da restauração do concelho de Palmela), a 2ª feira da Festa das Vindimas (para valorizar os festejos que têm lugar em Palmela no início de Setembro). Sem consenso, a organização entregou um documento à Câmara com as propostas da assembleia.
Em 30 de Janeiro de 1993, o assunto voltou à discussão, numa reunião com a população, organizada conjuntamente pela Câmara Municipal e pelo Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela. Além das datas surgidas em 1981, mais duas propostas apareceram: 14 de Fevereiro (data em que nasceu em Palmela, no ano de 1841, Hermenegildo Capelo) e 25 de Julho (dia de São Tiago, patrono da ordem que teve convento em Palmela). A diversidade continuou a dominar e, três anos mais tarde, a Câmara Municipal promoveu consulta pública à população do concelho, através de sessões em todas as freguesias e de distribuição de 18 mil postais com taxa paga para resposta e sugestão. Chegaram à autarquia apenas sete centenas de respostas e... a diversidade continuava.
Palmela tem então continuado a comemorar o dia do concelho em 1 de Junho. E, no topo do salão nobre da Câmara Municipal de Palmela, mantém-se o medalhão pintado com a figura do rei D.Manuel I, personagem que ficou ligada à vila pela atribuição do foral datado de 1 de Junho de 1512, em honra do qual Palmela estipulou a data do seu feriado municipal, assinalado desde 1978, a coincidir com as actividades do Dia da Criança.
João Reis Ribeiro. Histórias e cantinhos da região de Palmela.
Palmela: Grupo dos Amigos do Concelho de Palmela, 2002, pp. 140-144 (adpat.)