Apesar de a Índia ser o grande motivo da epopeia camoniana, a verdade é que ela não constitui uma temática forte na dramaturgia portuguesa, sendo ultrapassada por outros momentos históricos. No entanto, os textos dramáticos portugueses que abordam a Índia pautam-se pela qualidade, ainda que tendo como motivação comemorações ou figuras e com uma visão a partir de Portugal. Este é o ponto de partida de Duarte Ivo Cruz na obra O Tema da Índia no Teatro Português (Col. “Essencial”. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2011).
Facilmente nos recordamos de Gil Vicente, o pai do teatro português e também o responsável pela inserção desta temática no texto representado, haja em vista o Auto da Índia, representado em 1509, em tom crítico e até contundente, “politicamente incorrecto”, dirá Duarte Ivo Cruz. No entanto, o rumo alterar-se-á e o teatro dará primazia às terras de África no que ao fenómeno da Expansão diz respeito.
Ivo Cruz faz a revisão essencial – correspondendo ao desígnio que norteia a colecção, de resto – da dramaturgia ligada à Índia, passando por nomes como Camões (mesmo porque o seu Filodemo foi lá estreado em 1555), António Ferreira (Fanchono, 1554) ou Simão Machado (Comédia do Cerco de Diu, 1601), entre outros, mencionando também o teatro que era feito a bordo ou o que tinha propósitos missionários.
A época romântica, mesmo pela dinâmica que ao teatro incutiu Garrett, dará alguma importância à Índia, mas sem elevado compromisso. Marco importante para o temário da Índia no teatro português é o final do século XIX, aquando da comemoração do quarto centenário da viagem do Gama, com direito a concurso nacional, tendo-se falado das obras de Marcelino Mesquita, Silva Gaio, Lobo de Ávila ou Júlio de Castilho, entre outros nomes. No entanto, algumas das obras não chegaram a ser representadas e outras nem foram publicadas.
Apesar de nesta temática terem investido nomes importantes, como Lopes de Mendonça, Carlos Selvagem ou Ramada Curto, a verdade é que outros dramaturgos de relevo do século XX e mais recentes, como Romeu Correia, Natália Correia, Helder Costa ou Luzia Maria Martins, procuram a Índia apenas através de personagens que por lá passaram, o que leva Ivo Cruz a considerar que “o século XX, e já agora, esta primeira década do século XXI, deixa cair em parte o temário indiano”.
A conclusão só pode ser uma: “A Índia, como realidade concreta e quotidiana, mas sobretudo como expressão histórica, constitui de facto um dos temas centrais da dramaturgia portuguesa: mas (…) fica muito aquém, pelo menos em quantidade, do grande tema da Expansão e da colonização africana”.
A retrospectiva sobre este tema é rápida, mas elucidativa. As obras referidas não são analisadas com delongas, mas ficam as referências para mais aturada leitura. Ivo Cruz consegue provar o essencial da sua tese – a da riqueza do tema, em simultâneo com a pobreza quantitativa da produção. Questão genuína de Portugal? O autor não o diz, mas conclui o seu percurso com uma citação de Luís António de Araújo, de 1779, que, ao analisar as causas da decadência do gosto no teatro, escrevia: “Ah! E de que prejuízos não enchem o público aqueles que só se ocupam em lisonjear-lhes as suas paixões! Por isso vemos mais sujeitos inclinados a ler a história de Carlos e Rosaura do que a de Vasco da Gama!” Será que esta pergunta não tem actualidade, nesta como noutras áreas?
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