quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Gonçalo M. Tavares, “Uma Viagem à Índia”, canto III

* “Antigamente, uma grande cidade era o sítio onde vivia um excelente filósofo, agora uma grande cidade é aquela que tem muitos cidadãos em idade de votar e, pelo menos, um edifício com 140 andares. Se no meio dos 15 milhões existir um homem que pensa: excelente, sim, é certo, mas não indispensável.” (est. 16)
* “As mulheres sempre foram mais minuciosas na vingança. Folheiam-na sem saltar uma página. E tratam das unhas antes de pegar no machado. Pelo contrário, um homem com raiva e ressentimento é atabalhoado, desastrado, incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência, como se pegasse em ferramentas despropositadas: a charrua para arrancar uma flor, o martelo para ver mais perto.” (est. 27-28)
* “O homem pensa a Natureza como se esta fosse uma mesa a que pode cortar uma das pernas para a endireitar.” (est. 36)
* “O ódio não necessita de grande tecnologia de suporte: bastam duas mulheres para um único homem, ou dois homens para um único território.” (est. 48)
* “Tantos se espantam com o facto de o amor ocorrer em seres vivos de idades muito diferentes, e nenhum assombro perante a bem maior diferença da idade que o ódio liga.” (est. 50)
* “Fazer e desfazer: as duas rectas mais paralelas da espécie humana. Nunca se cruzam.” (est. 64)
* “Ninguém é capaz de se acorrentar a um dia de sucesso como um cão a um poste. Os dias são, em geral, móveis, um autocarro que não pára.” (est. 73)
* “As derrotas devem surgir enquanto somos novos e fortes, pois aí os insucessos fortalecem, enquanto mais tarde poderão enfraquecer.” (est 74)
* “Agir é coisa longa que começa quando aprendemos a caminhar e termina apenas quando morremos ou quando já não temos inimigos.” (est. 79)
* “Bomba subtil e lentíssima, a velhice, a mais primitiva guerra que a Natureza nos declarou.” (est. 85)
* “Uma flor encolhe os ombros quer seja cheirada por uma linda menina de seis anos ou pela fealdade absoluta. Para a bela flor a beleza é insignificante.” (est. 88)
* “Vigiai os crápulas e vigiai os homens que falam manso; há no excesso de fragilidade exibida a preparação de uma maldade.” (est. 99)
* “A legislação de um país é um tratado de paz entre os seus habitantes, mas o ódio entre os homens é bem mais estável do que as leis que os homens estabelecem. Porque o ódio é uma lei da natureza.” (est. 110)
* “A vida é isto: a lua está mais próxima de alguns homens que treinam para astronautas que um prato quente da boca de outros homens. É aquilo a que podemos chamar: distâncias relativas.” (est 114)
* “O amor será útil internamente, mas externamente não carrega um tijolo.” (est. 137)
Gonçalo M. Tavares. Uma Viagem à Índia. Alfragide: Leya / Caminho, 2010.

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