Livro ideal? Logo que se diz isso, estamos a pensar no impossível, porque sabemos que, entre o possível e o ideal, há sempre aquele caminho que nos aponta a perfeição, que nos ensina a buscar o absoluto e a totalidade, em última instância, que nos leva até deus, seja ele qual ou o que for, ou que nos põe a confraternizar com esse mesmo deus.
As páginas do livro ideal estão escritas, muito escritas, de cada vez que ele está prestes a surgir. E as palavras adquirem formas tais que nos parecem combinações nunca ouvidas, ritmos novos exaltando e jorrando maravilhas, sons cantados por letras que sugerem histórias, que constroem histórias, que organizam poemas, que os fazem bailar em pautas – mais do que em linhas. Por essas páginas passam as verdades fundamentais, como alicerces, escritas com a sensibilidade permanente da tolerância e do apaziguamento, da história do homem e do universo. Passam as descobertas feitas e a fazer, um género de história do mundo e do sentir. Passam as dúvidas e as angústias, a tristeza e a euforia, as mulheres e os homens sem idade, cheios de uma sabedoria universal e em actualização permanente.
Percorrem-se os quilómetros de estantes em busca deste livro ideal – que seria o meu livro, ou livro de uma geração, ou de um tempo, ou de um povo – e, nessa distância de arrumações e ordem, o livro ideal nunca se revela, mas vai deixando pistas. Os nossos olhos são ajudados pela nossa história, pelo que sabemos, e, apesar de descobrirmos que o livro ideal não existe, continuamos a demandar a sua forma, num percurso que salta sempre de um para outro livro, de um para outro autor, de uma para outra biblioteca… Tudo, afinal, passos incessantes dos curiosos que somos em busca da perfeição que sabemos não existir mas que queremos que nos oriente. E cada livro de que vamos gostando ou que vamos escrevendo está cada vez mais próximo desse que será o livro ideal, mas que nunca será escrito.
[no ateliê "Conversas à volta de livros", da Academia dos Saberes, organizada pela Associação dos Idosos de Palmela, hoje.]
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