sábado, 19 de dezembro de 2009

D. Manuel Clemente, prémio "Pessoa 2009", em entrevista

O suplemento “Actual”, publicado com o Expresso de hoje, reproduz entrevista com D. Manuel Clemente, bispo do Porto a quem recentemente foi atribuído o prémio “Pessoa 2009”. Homem de fé, de cultura, de dúvidas e de ideias, aqui reproduzo cinco tópicos dessa entrevista, todos eles cruzados com debates que estão na ordem do dia.
Trabalho – “O trabalho não é algo exterior à pessoa. Não é um simples meio ou expediente de sobrevivência. A realização de uma sociedade feliz é a realização de uma sociedade com trabalho. Não tenho dúvidas nenhumas de que a infelicidade que muita gente sente na sociedade portuguesa passa muito pelas dificuldades na obtenção de trabalho.”
Portugal – “Portugal é um país crítico. Não tem nenhuma razão de auto-suficiência e, no entanto, é o país com fronteiras definidas mais antigo da Europa. Mas nunca teve possibilidade de se sustentar sozinho. As nossas crises cerealíferas da Idade Média são endémicas. Nunca teve possibilidades, até humanas, quando foi da expansão ultramarina, de garantir uma imensidão como aquela por onde se espraiou. Não tinha possibilidade, no século XVII, de garantir, só por si, a sua independência. Depois do ouro do Brasil, o país fica destroçado. Demorou 50 anos a recompor-se, quando grande parte da Europa já estava mais à frente. Mesmo no século XX, tivemos situações de pobreza muito difíceis de ultrapassar em todos os campos. Portugal, como estudo de caso, é uma coisa apaixonante, porque é um país que não tinha nenhuma razão para subsistir e subsiste. Os portugueses subsistem apesar de Portugal.”
Família e casamento – “Desde que o homem tem consciência de si próprio, com uma enorme variedade, desde as grandes famílias de clãs até à família nuclear dos nossos dias, desde as famílias poligâmicas até às monogâmicas, há sempre um ou dois factores comuns: homem e mulher. A complementaridade masculino e feminino, bem como a possibilidade e a previsão da geração e da educação da prole. As sociedades depois constituídas como Estado reconheceram a família como factor básico de sociabilidade, de educação, de geração… Outras realidades que as pessoas livremente queiram ter e que até possam ser institucionalizadas terão outro nome, porque são realmente diferentes. Outra coisa é outra coisa.”
Liberdade – “Adiro e integro-me na sociedade liberal contemporânea que desde o final do século XVIII se tem sedimentado entre nós e que se conjuga em termos de liberdade. Isto é, da disponibilidade de cada um em levar a sua vida por diante de acordo com o seu próprio projecto. Mas não extravaso para a deriva libertária a que temos assistido desde a última guerra mundial, em que basta eu desejar para isso ser a razão suficiente para avançar, independentemente do que os outros pensam ou do que as instituições me peçam.”
Mistério – “Gostaria de perceber a relação da religião, e concretamente do cristianismo, com dois sentimentos básicos e dificilmente conjugáveis, na Humanidade e na Igreja, que são a segurança e a liberdade.”

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