O que seria de uma literatura se não houvesse os epígonos? Melhor: o que seria de uma época literária se os mesmos epígonos não existissem? Bem a gente pode lembrar o período romântico com Almeida Garrett ou Alexandre Herculano, nomes de destaque e fundamentais para a época, nomes máximos do romantismo em Portugal. E os outros? Os que não constam em parangonas nas histórias das literaturas, os que publicaram apenas um livro ou mesmo só em periódicos, mas absorvendo, cimentando ou revelando as marcas da época?
A questão não constitui novidade, claro, e só a trouxe para aqui porque, frequentemente, a gente se vai esquecendo desses outros que ajudaram a fazer as épocas mas que não tiveram o nome lembrado. E Setúbal pôde, recentemente, assistir a um desses casos, quando Anita Vilar veio relembrar o nome de Maria Angélica de Andrade, conhecida como a “poetisa do Sado”, mulher do século XIX (1840-1882) que foi casada com Cândido de Figueiredo e em Setúbal viveu durante três décadas, a partir dos 4 anos.
Há uma semana, foi apresentado o livro Mariana Angélica de Andrade – A poetisa do Sado (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2009), obra antológica organizada por Anita Vilar, que também escreveu uma nota introdutória para o volume. Por esta antologia passam 25 poemas de Mariana Angélica de Andrade, ora extraídos dos seus livros Murmúrios do Sado (1870) ou Revérberos do poente (póstumo, de 1883), ora colhidos da imprensa sadina da época, em títulos como Grinalda literária ou em Gazeta setubalense, perseguindo linhas temáticas como a melancolia, a natureza, a morte, a noite, o pendor individualista, os estados de alma, a revolta, a preocupação social, a liberdade, com imagens fortes como as do naufrágio, do destino ou da afirmação da mulher. Muitos dos poemas abrem com citações que denotam alguns dos seus mestres, lembrando nomes como Bocage e Camões (sobre quem escreve poemas também), Camilo, Castilho, João de Lemos, Herculano, Bulhão Pato ou João de Deus, não faltando sequer uma “imitação de Victor Hugo”. Na nota introdutória, Anita Vilar disponibilizou elementos biográficos desta poetisa nascida em Sousel (com tábua cronológica a propósito), recolheu algumas opiniões da época sobre a autora e fez uma sumária apresentação dos poemas agora relembrados. No final do livro, há ainda indicações de bibliografia activa e passiva alusivas à autora “descoberta”.
Mariana Angélica de Andrade bem carecia desta publicação para a lembrar e talvez mesmo de trabalho mais completo, provavelmente pela publicação integral em volume dos dois títulos saídos em livro, acrescidos da recolha dos poemas que viveram nos jornais. Na apresentação do livro, Anita Vilar revelou mesmo que, estando a antologia já no prelo, descobrira mais colaboração da poetisa noutra publicação setubalense sua contemporânea, Aspirações. Foi, aliás, neste pequeno jornal que se publicava em Setúbal, que, em 19 de Janeiro de 1871, numa carta dirigida a João Matos Silva, a escritora Mariana Angélica de Andrade, no meio de conselhos a um futuro escritor, confessou o seu respeito pelo pensador “austero e profundo” que foi Herculano: “Veja Alexandre Herculano, cujo nome eu pronuncio quase com tanto respeito como Newton pronunciava o nome de Deus.”
A importância de Mariana Angélica de Andrade foi evidenciada por Jacinto do Prado Coelho, no seu Dicionário de Literatura, ao colocá-la, a par com Ana Plácido, Amélia Janny, Guiomar Torrezão e Maria Amália Vaz de Carvalho (para falar apenas de nomes femininos seus coetâneos), como uma das mulheres que, no século XIX, vai “conquistando lugar de certo relevo no jornalismo como na vida literária”. Esta antologia, possibilitada pelo trabalho de procura de Anita Vilar, veio proporcionar o conhecimento de Maria Angélica de Andrade, tornando-se num bom contributo para o estudo de um daqueles autores que, não sendo de nome obrigatório nas histórias da literatura, faz parte do grupo de nomes incontornáveis para o desenho de uma época, no caso, da época romântica, que, como todas as outras, também foi feita com os que alimentaram o espírito da época no dia-a-dia e no seu meio.
A questão não constitui novidade, claro, e só a trouxe para aqui porque, frequentemente, a gente se vai esquecendo desses outros que ajudaram a fazer as épocas mas que não tiveram o nome lembrado. E Setúbal pôde, recentemente, assistir a um desses casos, quando Anita Vilar veio relembrar o nome de Maria Angélica de Andrade, conhecida como a “poetisa do Sado”, mulher do século XIX (1840-1882) que foi casada com Cândido de Figueiredo e em Setúbal viveu durante três décadas, a partir dos 4 anos.
Há uma semana, foi apresentado o livro Mariana Angélica de Andrade – A poetisa do Sado (Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2009), obra antológica organizada por Anita Vilar, que também escreveu uma nota introdutória para o volume. Por esta antologia passam 25 poemas de Mariana Angélica de Andrade, ora extraídos dos seus livros Murmúrios do Sado (1870) ou Revérberos do poente (póstumo, de 1883), ora colhidos da imprensa sadina da época, em títulos como Grinalda literária ou em Gazeta setubalense, perseguindo linhas temáticas como a melancolia, a natureza, a morte, a noite, o pendor individualista, os estados de alma, a revolta, a preocupação social, a liberdade, com imagens fortes como as do naufrágio, do destino ou da afirmação da mulher. Muitos dos poemas abrem com citações que denotam alguns dos seus mestres, lembrando nomes como Bocage e Camões (sobre quem escreve poemas também), Camilo, Castilho, João de Lemos, Herculano, Bulhão Pato ou João de Deus, não faltando sequer uma “imitação de Victor Hugo”. Na nota introdutória, Anita Vilar disponibilizou elementos biográficos desta poetisa nascida em Sousel (com tábua cronológica a propósito), recolheu algumas opiniões da época sobre a autora e fez uma sumária apresentação dos poemas agora relembrados. No final do livro, há ainda indicações de bibliografia activa e passiva alusivas à autora “descoberta”.
Mariana Angélica de Andrade bem carecia desta publicação para a lembrar e talvez mesmo de trabalho mais completo, provavelmente pela publicação integral em volume dos dois títulos saídos em livro, acrescidos da recolha dos poemas que viveram nos jornais. Na apresentação do livro, Anita Vilar revelou mesmo que, estando a antologia já no prelo, descobrira mais colaboração da poetisa noutra publicação setubalense sua contemporânea, Aspirações. Foi, aliás, neste pequeno jornal que se publicava em Setúbal, que, em 19 de Janeiro de 1871, numa carta dirigida a João Matos Silva, a escritora Mariana Angélica de Andrade, no meio de conselhos a um futuro escritor, confessou o seu respeito pelo pensador “austero e profundo” que foi Herculano: “Veja Alexandre Herculano, cujo nome eu pronuncio quase com tanto respeito como Newton pronunciava o nome de Deus.”
A importância de Mariana Angélica de Andrade foi evidenciada por Jacinto do Prado Coelho, no seu Dicionário de Literatura, ao colocá-la, a par com Ana Plácido, Amélia Janny, Guiomar Torrezão e Maria Amália Vaz de Carvalho (para falar apenas de nomes femininos seus coetâneos), como uma das mulheres que, no século XIX, vai “conquistando lugar de certo relevo no jornalismo como na vida literária”. Esta antologia, possibilitada pelo trabalho de procura de Anita Vilar, veio proporcionar o conhecimento de Maria Angélica de Andrade, tornando-se num bom contributo para o estudo de um daqueles autores que, não sendo de nome obrigatório nas histórias da literatura, faz parte do grupo de nomes incontornáveis para o desenho de uma época, no caso, da época romântica, que, como todas as outras, também foi feita com os que alimentaram o espírito da época no dia-a-dia e no seu meio.
[OBS: O poema "Liberdade" foi publicado no jornal Grinalda Literária, em 10 de Junho de 1874.]
1 comentário:
Muito grata pela divulgação que faz da Mariana Angélica de Andrade, através do livro agora editado.
Quem sabe se não virá a ser possível publicar toda a sua obra poética?
"Pelo Sonho é que vamos", oiço o incentivo do poeta Sebastião da Gama, iluminando o caminho.
Boas Festas.
Um abraço
Anita Vilar
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