«Sem tempo para mudar de políticas, o primeiro-ministro quer ser em quatro meses o contrário do que foi em quatro anos.
As eleições europeias, com o resultado que tiveram, ocorreram num calendário ingrato para o Governo. Os escassos quatro meses que as separam das legislativas tornam ineficazes as fórmulas clássicas utilizadas pelos governos quando recebem um cartão amarelo do eleitorado: a remodelação do governo e a desistência ou alteração radical das políticas mais impopulares - como aconteceu na Saúde, por exemplo.
As eleições europeias, com o resultado que tiveram, ocorreram num calendário ingrato para o Governo. Os escassos quatro meses que as separam das legislativas tornam ineficazes as fórmulas clássicas utilizadas pelos governos quando recebem um cartão amarelo do eleitorado: a remodelação do governo e a desistência ou alteração radical das políticas mais impopulares - como aconteceu na Saúde, por exemplo.
Sem estas opções disponíveis, resta a José Sócrates a tentativa da mudança daquilo que é mais difícil: o seu estilo.
Ontem, no debate parlamentar de uma moção de censura sem história, Sócrates apontou a manutenção do rumo - naturalmente, se já não há tempo para corrigir as políticas, então os resultados da sua aplicação durante quatro anos de governação também não podem enjeitados e resta assumi--los. Mas isso vai ser feito "ouvindo as pessoas" e "explicando melhor as políticas". O mesmo, mas servido de outra forma, com outro embrulho.
Mais significativa é a chegada da palavra "humildade" ao vocabulário corrente do primeiro-ministro. "Compreendo, com humildade democrática, os sinais de insatisfação e dúvida. Procuro interpretá-los e corresponder-lhes", disse ontem no Parlamento.
Já antes, na noite de segunda-feira, tinha por duas vezes dito a palavra "humildade" aos microfones dos jornalistas. Os relatos sobre o que se passou dentro da sala onde se reuniu a comissão política do PS falam de uma noite de diálogo como há anos não se via por ali e muito longe dos ralhetes que o secretário-geral dava a quem ousava criticar medidas do Governo.
E, certamente de forma mais genuína, Sócrates prometeu que ia "fazer um esforço para ser mais humilde", mas alertou que não lhe pedissem para ser quem não é.
Esta é a questão essencial. Conseguirá o primeiro-ministro ser quem não é? Até que ponto irá esta tardia versão de um Sócrates que é humilde, dialogante, distendida, paciente, disponível para ouvir, convencer os eleitores que não é postiça, que não é mais uma fabricação da máquina de comunicação partidária, que não é mais do que um artifício para garantir uma vitória eleitoral que de repente ficou em risco?
Durante quatro anos Sócrates foi para os eleitores o oposto daquilo que agora pretende ser em quatro meses. Foi um "animal feroz", como o próprio se autodefiniu numa entrevista antes das eleições de 2005 e a sua popularidade e aceitação beneficiaram muito com isso na primeira metade do mandato. Parecem tempos já muito distantes, mas este Governo teve, de forma generalizada, boa imprensa e boa opinião muito para além do tradicional período de estado de graça. O esforço reformista, o combate a grupos de interesse e classes profissionais tidas como privilegiadas, o esforço de consolidação orçamental, a tentativa de mudar o funcionamento da função pública foram genericamente aplaudidos. Até a subida de impostos contra a promessa eleitoral foi aceite como uma medida corajosa, tomada por um governo que não tem medo de tomar medidas impopulares. Determinação, firmeza, autoridade, empenho foram, durante muito tempo, características atribuídas de forma positiva ao primeiro-ministro e ao seu estilo de governação.
Agora, em vez de determinação e firmeza fala-se em arrogância, a autoridade passou a ser autoritarismo e o empenho passou a ser teimosia.
A forma como se perdeu aquele capital político, ao ponto de se chegar a um divórcio com uma parte do eleitorado, como indicia a votação das europeias, é um dos temas de análise mais interessantes destes tempos.
Para o PS, é fácil substituir Vitalino Canas, claramente uma parte do problema da arrogância, por João Tiago Silveira. Também não será difícil pedir a Augusto Santos Silva, outro problema, para aparecer pouco, ou mesmo nada, nos próximos tempos.
Mas não se muda de líder assim. Resta então que seja o líder a mudar. Se conseguir.»
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