As celebrações do 25 de Abril em Setúbal foram a oportunidade para a inauguração de uma escultura na Avenida Luísa Todi da autoria de João Duarte, “Menina com Mala”, de uma série de três, conhecidas como “as gordas” (outra escultura, “Menina com Cadeira”, no Largo Francisco Soveral, de 2016, e uma outra, "Dolce Vita", no Largo da Misericórdia, de 2015).
Esta, que transporta a mala, tem também
a máquina fotográfica. Turista à procura da identidade dos outros ou apenas
curiosa por ver a sua congénere que está no largo mesmo em frente, depois de
passado o túnel que lhe dá acesso?
Quanto à máquina fotográfica, não
podemos esquecer a cada vez mais presente prática de os visitantes quererem
registar o visto (incluo-me no rol). Mesmo quando nos deixamos ofuscar pela
prática dos turistas orientais que bombardeiam a paisagem e os museus com
disparos de máquinas fotográficas!... A este propósito, não posso deixar de me
lembrar de António Ferro, que, a propósito de uma visita aos Estados Unidos no
final da década de 1920, registava a seguinte nota de viagem: “O ‘Overland
Limited’ vai passar o Great Salt Lake. É uma linha férrea construída milagrosamente,
sobre um lago imenso, um lago que sonha com o mar. Uma travessia de mais de
duas horas. O ‘Observation Car’ tem uma enchente. Todos os passageiros querem
ver o espectáculo único. Os japoneses, na plataforma da carruagem, apontam kodaks, como pistolas, para todos os
lados.” (Novo Mundo Mundo Novo.
Lisboa: Portugal-Brasil Sociedade Editora, 1930, pg. 158). Já nessa altura os
disparos das máquinas fotográficas dos japoneses eram o que se vê... só não
haveria os “sticks”!
Mas vamos às esculturas “gordas”.
Por mim, gosto! É uma forma de o transeunte, turista ou não, parar, contemplar
e rir. Ainda ontem, quando fui ver a escultura, me entretive a ouvir os
comentários de alguns passantes. E não fomos em grupo nem combinámos,
cruzámo-nos lá. Bem divertido! E todos ríamos com gosto, como se a escultura
estivesse ali para suscitar os comentários, para nos interpelar... E estava!
Nas redes sociais, a discussão
tem sido acalorada. Normal, num espaço onde se discute tudo, mesmo que não se
saiba o quê. Com concordâncias e discordâncias fundamentadas, mas também com
apreciações a fazer o jeito à ideologia... Por mim, gosto das esculturas,
insisto!
Recordo o momento em que, há uns
anos, em Monchique, me cruzei com estátuas nos passeios ou em que elas se
cruzaram comigo. E o passeio parava por momentos, como se fôssemos convidados a
parar. E gostei.
Por mim, insisto outra vez,
gosto. E divirto-me a olhar as esculturas e a ver os outros a olharem-nas e a
comentarem-nas. Como gosto das manifestações de “street art” que têm animado a
cidade. Ainda bem que, em Setúbal, se está a dar importância à arte pública!
Aliás, estamos a dar importância! E digo isto sem qualquer compromisso com o
poder, que não o tenho.
É claro que podemos propor a quem
de direito outros monumentos. Sobretudo num tempo em que as rotundas vão
ganhando espaço. E, por mim, avanço com três propostas: José Afonso, Vasco
Mouzinho de Quebedo e Hans Christian Andersen. Discutíveis, eu sei, sobretudo
se pensarmos que poderiam ser outras três e outros três os motivos e os
homenageados. Mas dou a cara por estas: a do José Afonso, por ser um símbolo de
Abril, por ser uma marca dos cantautores e da música de intervenção, por ser um
poeta-músico e ter ligação intensa às terras de Setúbal; a de Quebedo, por ter
sido o autor da segunda maior epopeia em língua portuguesa, assim considerado
pela cultura, e pela sua filiação setubalense; a de Andersen, por ter sido um
estrangeiro que visitou Setúbal e de Setúbal disse e escreveu muito bem,
justificada ainda porque seria uma forma de honrarmos quem nos visita com a
dedicação ao outro, neste caso um estrangeiro (Málaga, em Espanha, que ele
visitou e sobre a qual escreveu, erigiu-lhe monumento em lugar nobre da cidade,
com cerimónia que envolveu o reino da Dinamarca; Nova Iorque - que ele não
conheceu e sobre a qual não escreveu, mas que tem dinheiro - ergueu-lhe estátua
grandiosa no Central Park).
Haja espaços e patrocinadores e a identidade de Setúbal continuará a passar também por estas manifestações!
Haja espaços e patrocinadores e a identidade de Setúbal continuará a passar também por estas manifestações!
5 comentários:
Bravo João. Subscrevo com muito gosto
Não posso deixar passar João Ribeiro. Se comentar opiniões ou ideias, não é a minha zona de prazer, este texto tão completo merece-me um forte aplauso. Da primeira à última linha. Deixe-me driblar a sua notável modéstia e confessar uma secreta inveja,por quem, com naturalidade, fala(escreve)tão bem. Será que poderemos, todos os de boa vontade, tornar essas palavras molas de impulsão, para que esses notáveis que nomeou, e outros que os há, recebam dos mecenas e das instâncias oficiais a atenção que merecem.?
Solidariamente,
R.F.
Obrigado, Francisco Borba e Rui Farinho! Vamos fazer por que alguns anseios (meus e de outros) se tornam realidade!
Passei por aqui li o seu comentário e agradeço tão agradável texto.
Obrigado, Luísa Maria, pela sua nota.
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