sábado, 29 de novembro de 2014

O cante alentejano, com parabéns e uma memória através dos "Ausentes do Alentejo"

O cante alentejano integra o património imaterial da Humanidade desde anteontem, 27 de Novembro, conforme decisão divulgada pela UNESCO em Paris. Uma homenagem à genuinidade, ao saber, ao património cultural de Portugal, chegado pela toada alentejana. Com regozijo, com parabéns!
Recordo-me de o ter ouvido, quase de repente, quando, em 1986, vivi em Beja e pela região dei umas voltas. Aprendi a gostar do Alentejo (que mal conhecia) e convivi com pessoas extraordinárias. Cinco anos depois, numa colaboração com o diário Público, noticiei sobre a existência do grupo “Ausentes do Alentejo”, constituído em Palmela. Gostei de ter conhecido o grupo e da forma como falaram do “seu” Alentejo. A peça saiu na edição de 30 de Março de 1991, na página 35. Por lá passam as saudades e as marcas da terra, o bulir e o cantar da terra, uma forma própria de ser. Também se falou do cante alentejano.
Em jeito de lembrança – ou será de homenagem? – do que fui aprendendo sobre este património e sobre o Alentejo e em jeito de saudação ao grupo “Ausentes do Alentejo”, reproduzo o texto. Apenas uma errata: o segundo parágrafo da segunda coluna foi amputado por lapso técnico, omitindo o resto do texto e escondendo o sentido – aqui fica a correcção, à maneira de adenda: «Mas a boca acabará por lhe fugir para a verdade. “O grupo vai muitas vezes cantar ao Alentejo e, aí, sinto saudades por não estar mais tempo a cantar lá.”»


1 comentário:

insurreto disse...

O CANTE DA MINHA PÁTRIA


MORNA, LENTA, PROFUNDA, POLIFÓNICA, A VOZ DA TERRA FALA DE ANTANHO EM SUAVES
MELODIAS MANSAS, ÚNICAS, NUMA MISTURA LONGÍNQUA GREGA- ÁRABE-CRISTÃ MELISMÁTICA E,
DEPOIS, HODIERNA, AMANHADA NO OLHO DAS ERAS.
É O PLANGOR ARRRASTADO DAS GENTES MOUREJANTES, DEBRUÇADAS NA PLANURA,
QUE COMEM A TERRA COM PASSOS DE CADÊNCIA, SÃO REQUEBROS DE CORPOS E ALMAS,
LADO A LADO, DE BRAÇOS APERTADOS, É UM VAGIDO, BRADO, RUFAR, CLAMOR, UMA AFLIÇÃO
E UM GRITO PROFUNDOS RASGANDO AS ENTRANHAS VERMELHAS DE VELHO SANGUE DE GANHÕES
AMORENADOS, AINDA RESIDENTES OU AGORA MIGRANTES.
É O CANTE, EXPRESSÃO DOS LONGES, QUE PENETRA SENTIMENTOS DE RAIZ DE ORIGEM QUASE
ANIMAL, É O ÓVULO E O SEMEN QUE ME GERARAM.
ESSE CANTAR, DEPENDURADO NOS MEUS OLHOS ENXUTOS DE ESCUTAR AS DISTÂNCIAS
SOZINHAS, CALMOSAS DE OURO, É UMA DAS PÁTRIAS DE TODOS OS UNIVERSOS HUMANOS QUE
EM MIM SE DÃO E ACONTECEM EM GIIRÂNDOLAS INCENDIDAS NO FUNDO DO MEU SER TELÚRICO
ABRANGENTE, AFECTIVO E CULTURAL.
É A VOZ DOS MEUS PAIS MAIS ANTIGOS E A DOS MEUS MANOS MAIS JOVENS- É A MODA DO MEU
BERÇO DE LEITE, A LIÇÃO DA MINHA ESCOLA DE SEMPRE: ESSA MODA EMBALA-ME QUANDO DIGO
ATÉ AMANHÃ AO DIA!...
Daniel Nobre Mendes
Novembro 2014