Seis
políticos, um cientista e três artistas constituem o leque de conversadores no
quarto volume de Grandes Entrevistas da
História (em publicação pelo semanário Expresso), cujas peças jornalísticas foram publicadas entre 1952 e 1970:
António de Oliveira Salazar (Christine Garnier, Férias com Salazar, 1952), Albert Einstein (Bernardo Cohen, Scientific American Magazine, Julho de
1955), Alfred Hitchcock (Pete Martin, The
Saturday Evening Post, 27-07-1957), Humberto Delgado (Artur Inez, República, 10-05-1958), Salvador Dalí
(Ana Nadal de Sanjúan, La Vanguardia,
19-11-1958), Fidel Castro (Clark Hewitt Galloway, U.S. News & World Report, 1959), Francisco Franco (Luis de
Galinsoga, La Vanguardia,
01-10-1959), Norman Mailer (Eve Auchincloss e Nancy Lybch, Mademoiselle, Fevereiro de 1961), Nelson Mandela (Brian Widlake,
Independent Television News, Maio de 1961) e John F. Kennedy (Aleksei Adzhubei,
Izvestia, 25-11-1961).
Os
dois políticos portugueses, rivais, foram entrevistados com seis anos de
diferença. A conversa com Salazar teve lugar em Santa Comba Dão e é extraída do
final de obra publicada em França e em Portugal, que permitiu a sugestão de um
romance entre o político e a jornalista Garnier. Comentando a visitante que de
Portugal levava uma imagem de “excessiva calma”, de “entorpecimento”, Salazar
responde: “Essa calma que a impressiona é intencional. Aplicamo-nos em
protegê-la contra tudo o que a possa ferir, o que não impede o povo português,
que não é inconsciente nem indiferente, de estar atento aos acontecimentos
mundiais. (…) Considero esta calma como uma das características do povo
português na época actual. A outra, é uma forte tendência para o humanismo.” Ao
longo da conversa, Salazar vai passando uma imagem rústica e de relativa
suavidade do povo português, de tal forma que Christine Garnier é levada a
comentar: “Tal como os apresenta, Sr. Presidente, os portugueses parecem
bastante maleáveis.” Esta observação servirá ao político para expor a relação
dos lusitanos com a autoridade e com a obediência: “Só têm com a autoridade
relações baseadas na desconfiança. A obediência é mais receosa que cívica e
sempre discutida.” A questão do medo vai estar presente também na entrevista de
Humberto Delgado, publicada um mês antes das eleições presidenciais cujos
resultados exactos nunca se saberão e em que o general foi vencido. À pergunta,
no final da entrevista, se tinha “mais alguma coisa a declarar ao país” o então
candidato a presidente respondeu: “Sim. Que o país deixe de ter medo.” Já ao
longo da conversa tinha criticado o regime vigente em Portugal, dizendo: “A
Nação asfixiada, mutilada no que de mais belo Deus gerou – a alma dos homens –
arrasta-se ignominiosamente brincando às eleições de quando em quando, numa
soturna apatia, (…) escondendo dos países sob regime democrático o absolutismo
em que nós vivemos sob o título jocoso e insultivo de ditadura paternal.” A
solução política que defendia era a de uma democracia para Portugal, porque
pensava ser ela, “adentro das imperfeições dos homens, o melhor compromisso
para viver com dignidade e felicidade”. Nunca o general Delgado iria ver esse
seu desejo cumprido no seu país, porquanto, em meados de Fevereiro de 1965,
próximo de Badajoz, foi assassinado.
Outros
dois entrevistados rivais na política, embora de países diferentes, são Fidel
Castro e John Kennedy. A peça que nos traz a mensagem do presidente cubano mostra-nos
uma personagem que balança no jogo para impressionar os Estados Unidos, insistindo
não ser comunista, bem como outros países de onde possa chegar capital. Por
outro lado, vai contornando aquelas que poderiam ser questões mais problemáticas,
como a possível oferta de produtos a Cuba por parte de países comunistas ou a
base naval americana de Guantánamo… Datada de cerca de dois anos depois da de
Castro, a entrevista Kennedy é feita por um jornalista da União Soviética que
era mais do que jornalista – a política, a militância partidária, o
relacionamento familiar com dirigentes soviéticos, eis os ingredientes que
formavam a personalidade de Adzhubei, o entrevistador, que se assume muito mais
como um emissário dos pontos de vista do seu país até ao ponto de discordar das
opiniões do político americano ou de lhe dizer: “Gostaríamos muito que o Sr.
Presidente declarasse que a ingerência nos assuntos de Cuba foi um erro.” Pelo
meio, houve as referências ao relacionamento entre as duas potências, à questão
da Alemanha e de Berlim, à questão da NATO, com as derradeiras palavras de
Kennedy a desejar que a entrevista pudesse contribuir “para melhorar o
entendimento e para a paz”, sobretudo no interesse de ambas as frentes.
Em
1959, Franco, em Espanha, tinha como preocupações as dificuldades do povo
espanhol e a recuperação que estava a ser feita, a luta contra o comunismo e a
união da Europa “contra os perigos” que a ameaçavam. Muito embora a questão da
União Soviética ocupe a maior parte da entrevista, é no final que Franco fala
do esforço que o seu país está a fazer e dos resultados que estão a ser obtidos
no plano do aumento da produção nas áreas da indústria e da agricultura.
O
outro político entrevistado neste volume é Mandela, naquela que foi a sua
primeira entrevista a um canal de televisão internacional e também a última
entrevista que deu antes de ser preso. A conversa é curta e tem como linhas
orientadoras a exigência do sufrágio universal, a convivialidade rácica, a
possibilidade de organização de campanhas de não-cooperação e termina com uma
questão: “Creio que chegou a hora de nos perguntarmos, à luz das nossas
experiências (…), se os métodos utilizados até agora são os mais adequados”.
Uma dúvida que respondia à pergunta sobre a possibilidade de ocorrerem na África
do Sul actos de violência por parte do Congresso Nacional Africano, que, até
ali, promovia campanhas de resistência pacífica.
O
cinema e os recursos que usa são o tema da conversa com Hitchcock, um
realizador cheio de imaginação e de humor. O que diz sobre os seus filmes é uma
chave para um novo visionamento, tão calculadas são as situações e os métodos: “O
segredo está no modo de articular a história. No meu caso, cada fragmento e
cada situação da obra têm de estar planeados e decididos antes de começar a
rodagem. Às vezes, planifico mais de seiscentas posições para a câmara antes de
começar a filmar. Se tentasse improvisar uma estrutura para o enredo à medida
que avançamos, não conseguiria os efeitos nem as reacções que pretendo.” De
reacções e efeitos se fala também na entrevista com outro artista, o pintor
espanhol Dalí. A jornalista antecipa na apresentação que “em Dalí tudo é pose,
excepto o lado temperamental”. O diálogo comprovará a apreciação: “A única
coisa que me interessa é que falem de mim”, afirma, considerando-se “o maior
génio deste século”. E conta uma situação que comprova até à exaustão essa
necessidade de se saber falado: “Tenho agentes em vários pontos de Espanha e do
estrangeiro que recolhem tudo o que é publicado sobre mim. Enviam-mo e, quando
recebo os envelopes, consigo perceber se as coisas correm bem ou mal. Quanto
mais pesados e mais volumosos, mais propaganda contêm. Digo isto porque os
atiro para a lareira sem os abrir.” O terceiro artista é escritor, Norman
Mailer, que se assume na sua diferença de estilo e de forma de intervir, que se
assume como “extremista”, ora falando da sua obra, ora da política. Ao
autocaracterizar-se relativamente aos outros homens, diz: “Sou menos forte,
mais inquieto, mais decidido, mais inepto, tenho mais sucesso. Não gosto de mim
o suficiente para me deixar levar pelos meus instintos como deveria.”
A
entrevista de Einstein foi a última que deu, tendo ocorrido duas semanas antes
da sua morte, embora só tenha sido publicada posteriomente. Entendendo a
dificuldade do jornalista para formular a primeira pergunta, o cientista
confessa: “Há tantos problemas para resolver no campo da Física.. Há tantas
coisas que não sabemos… As nossas teorias estão muito longe de ser suficientes.”
Fala da importância de outros cientistas, como Newton ou Benjamin Franklin, sob
o pretexto do conhecimento e do saber do entrevistador, chegando a confessar
que “quem pior documenta a forma como se realizam as descobertas é o próprio
descobridor”, pois “sempre se tinha considerado a si próprio uma má fonte de
informação sobre a génese das suas ideias.” No final da conversa, Einstein
ainda vai mostrar a Cohen a experiência para provar o princípio da equivalência
a partir de uma oferta que lhe fizera um amigo, Eric Rogers. E o visitante sai
comovido desta conversa pela afabilidade e simplicidade que Einstein
demonstrara.
Sublinhados
Ciência – “A História é menos objectiva do que a Ciência. Por
exemplo, se dois homens tivessem de estudar o mesmo tema histórico, cada um
destacaria o aspecto que mais lhe interessa ou chama a atenção.” [Albert
Einstein. Entrevista a Bernard Cohen, em Scientific
American Magazine (Julho de 1955). Grandes
Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 30]
Coragem – “A coragem é algo que implica um enorme risco, sem
se ter a certeza de que se vai sair vitorioso.” [Norman Mailer. Entrevista a Eve
Auchincloss e Nancy Lynch, em Mademoiselle
(Fevereiro.1961). Grandes Entrevistas da História
1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 106]
Democracia – “Adentro das imperfeições dos homens, penso que a
Democracia é o melhor compromisso para viver com dignidade e felicidade.” [Humberto
Delgado. Entrevista a Artur Inez, em República
(10 de Maio de 1958). Grandes Entrevistas
da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 58]
Vaidade – “Quem afirma que não é vaidoso demonstra também uma
forma de vaidade, ao orgulhar-se da sua declaração.” [Albert Einstein.
Entrevista a Bernard Cohen, em Scientific
American Magazine (Julho de 1955). Grandes
Entrevistas da História 1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 32]
Vontade – “A vontade sem ternura é uma das coisas mais
perigosas do mundo. A vontade sem a capacidade de reconhecer nada para além da
própria vontade é algo que deve ser erradicado.” [Norman Mailer. Entrevista a Eve
Auchincloss e Nancy Lynch, em Mademoiselle
(Fevereiro.1961). Grandes Entrevistas da História
1952-1970. Lisboa: “Expresso”, 2014, pg. 107]
[Com a próxima edição do Expresso sai o volume 5 desta obra]
Sem comentários:
Enviar um comentário