domingo, 27 de abril de 2014

Memória: Vasco Graça Moura (1942-2014)



“A realidade é sempre muito mais complicada. Tem sempre muito mais irisações e cambiantes do que a história que tecemos e destecemos sobre ela. Às vezes, a realidade reduz-se ao seu próprio osso, duro, despojado, impenetrável.” (Vasco Graça Moura. “Polímnia”. Morte no Retrovisor. Lisboa: Círculo de Leitores, 2009, pg. 206)

De Vasco Graça Moura fica uma obra longa, variada, de qualidade. A sua intervenção cívica, muitas vezes plasmada em crónicas de um estilo contundente e agressivo que nem sempre apreciei. O trabalho em prol da cultura e da história de Portugal, da nossa identidade. A oficina da palavra, num esmero que lhe deu prémios, honras, leitores e que nos deu um bom exemplo de escrita, um excelente autor da literatura portuguesa dos séculos XX-XXI.
Recordo a veemência de Vasco Graça Moura numa sessão no anfiteatro da Faculdade de Letras quando se começava a discutir o Acordo Ortográfico. Admirei-o pela verve, pela acutilância, pela qualidade da intervenção, pela argumentação expedita e culta, pela coragem, pelo “não” fundamentado a tal gesto. Uma contestação que nunca abandonou e que o levou a tomar decisões que foram contra o “establishment”, num remar certo e afirmativo, ainda que contra uma maré de oportunismo e de conveniência…
Não escondendo as suas raízes e influências literárias, Graça Moura estudou os seus mestres, traduziu-os e divulgou-os. E, como poeta grande que foi, celebrou os 50 anos da sua actividade literária (desde que, em 1963, publicou o volume de poesia Modo mudando) com uma obra que presta homenagem a um dos maiores poetas lusos, Camões – ‘Os Lusíadas’ para gente nova foi o título de 2012, numa operação de reconhecimento à literatura portuguesa e num gesto de partilha do épico com a juventude leitora de Portugal.
Suponho que o último título publicado por Graça Moura tenha sido A identidade cultural europeia (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013), ensaio brilhante, que chama a atenção para a dimensão cultural dessa identidade, ainda que o livro esteja eivado de algum pessimismo e de muitas reticências, reconhecendo que “os cidadãos não vivem, nem afectiva nem intelectualmente, uma sua pertença à Europa”.
É este espírito crítico e aberto, culto e informado, que nos fará falta. Para nos deliciar na arte da palavra, para nos elogiar e para nos criticar. Ainda bem que o poderemos continuar a ler!

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