Em
que data conheci a Joana Luísa? Não o sei. Tenho a sensação de que a conheço
desde sempre, tão aberta e certa foi a nossa relação ao longo dos tempos: da
minha parte, porque queria saber sobre o Sebastião da Gama e a sua obra; da
parte de Joana Luísa, porque gostava de falar sobre o seu Sebastião e a sua
poesia, porque gostava de mostrar a obra do marido, porque acalentava docemente
a memória e preservava fervorosamente a obra do seu poeta.
Desde
que, num dia cuja data desconheço, a contactei para saber coisas sobre o poeta
e a sua ligação à revista Távola Redonda
(1950-1954), nunca mais nos esquecemos de contactar.
O
que mais admirei na sua postura foi a atitude de franqueza e de abertura
relativamente a tudo o que a Sebastião da Gama dissesse respeito e o facto de
não esconder o espólio, a obra, os sentimentos, a emoção que por ele nutria.
Quando
foi criada a Associação Cultural Sebastião da Gama, a que fui chamado a
presidir, o apoio de Joana Luísa foi incansável. Queria que a obra do marido
fosse conhecida, sentia-se feliz porque tinha uma instituição que a ajudaria a
divulgar a obra e a mensagem do seu Sebastião. Fui a múltiplas sessões, em
escolas e em associações, sempre tendo por companhia a pessoa de Joana Luísa,
numa posição de testemunhar, de ensinar, de oferecer a partilha.
Fizemos
vários quilómetros e sempre a Joana Luísa trazia um sorriso estampado depois de
ajudar a apresentar o homem e o artista que se revelava através dos versos. E
era vê-la, radiante e disponível, no fim de cada sessão, conversando com alunos
e com professores que ainda queriam saber mais!...
Aprendi
muito com Joana Luísa. Sobre os afectos e sobre a figura gigantesca que
Sebastião da Gama foi, sobre o empenho cultural, sobre a intervenção cívica,
sobre…
Quando,
há dois anos, um avc afectou Joana Luísa, as coisas mudaram: deixei de poder
contar com a sua presença, a sua tolerância e os seus ensinamentos. Fui deixando
de poder contar com o seu saber e com a sua memória. As histórias foram-se
apagando ao ritmo que a vida se esvaía e fui-me habituando a ter de viver sem a
segurança que constituíam o saber e a experiência de Joana Luísa.
Quando
ontem pela manhã, indo a caminho de Lisboa, a sobrinha Ana me telefonou a
comunicar que Joana Luísa partira na noite de terça-feira, não me espantei,
pois o momento era já esperado, ainda que não desejado. A falta passaria a
definitiva e a tristeza desta irreversível separação dominou-me.
Se
a obra de Sebastião da Gama é hoje conhecida a Joana Luísa o devemos. Ao ter
vivido mais de 60 anos de viuvez divulgando a obra do marido, foi Joana Luísa
quem tornou possível o conhecimento da obra do poeta e do professor. Não fosse
a sua força e, hoje, talvez não soubéssemos o que tinha sido o seu Diário; não fosse o seu empenho e hoje talvez
ignorássemos o ritmo e as verdades de máximas como “Pelo sonho é que vamos” ou “o
segredo é amar”… Com efeito, a obra publicada como póstuma de Sebastião da Gama
é também acção sua, obra sua. Legitimamente. Sebastião da Gama poderia ter sido
apenas o autor dos três livros de poesia que publicou em vida e, provavelmente,
seria um autor esquecido, menor no contexto da literatura portuguesa. Mas Joana
Luísa manteve as amizades do marido, não escondeu o acervo legado, permitiu que
se estudasse a sua obra, contribuiu enormemente para a divulgação do poeta.
Devo-lhe
grande parte do que sei sobre Sebastião da Gama. Devo-lhe a amizade e o
respeito. Devo-lhe essa revelação do quão grande o poeta era. É essa memória
que quero conservar. Tal como quero imaginar que, agora, lhe será possível o máximo
encontro com o seu poeta, o gozo da eternidade, a continuação da história que,
num dia de 1946, Sebastião da Gama lhe prometeu num poema como “Madrigal”.
Obrigado,
Joana Luísa!
Ler mais aqui.
[Foto: Joana Luísa, numa ida à Arrábida, em Alportuche, em Maio de 2006]
1 comentário:
Conheci a senhora pessoalmente, pois recebeu-me, assim como as minhas colegas de curso , na sua própria casa, em Vila Nogueira de Azeitão. Fomos bem recebidas, partilhou imensa informação para o nosso trabalho académico. Que esteja na memória de Deus.
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