A gente percebeu o que queria dizer o ministro Miguel Macedo na sua resposta de hoje, quando lembrou algo do género: há cigarras a mais e formigas a menos... Só que, como todas as histórias com um fundo de moralidade, a leitura não é apenas uma... E ir buscar a fábula para explicar que os portugueses andam a viver acima das suas possibilidades é algo caricato.
Na verdade, o discurso da vida acima das possibilidades foi uma motivação que tem carecido de demonstração. Os portugueses têm andado a viver acima das possibilidades ou as políticas seguidas quiseram pôr Portugal acima das possibilidades? E quem lucrou em qualquer dos cenários? Era a modernização do país, era a corrida desenfreada aos euros, era o alcatroamento da terra, era... era... era...
Mas vamos a uma outra interpretação do papel da cigarra, de todo diferente da que o ministro lhe atribuiu, mais apaziguadora e mais convergente com as diferenças. Foi contada por Sebastião da Gama no Diário, corria o dia 18 de Fevereiro de 1949... e veja-se como a interpretação é muito mais interessante.
«Pertinho da sala 19 mora um pintassilgo
(ou pássaro que o valha... ). Volta não volta lá se põe ele a cantar e é um
gosto ouvi-lo: há alegria, há ternura na sua cantiga. Por importante ou urgente
que seja o que estou dizendo, é muito mais importante e muito mais urgente
ouvir o pintassilgo: quebro, mal o oiço, ou a frase ou a palavra ao meio. Todos
escutam. E o Américo, que tem uns olhos profundos e marotos, ou o Poeta ou
qualquer outro, diz logo: «Por isso é que eu não gosto da Formiga.»
E sabem os senhores de onde nasce a
observação? Nada mais nada menos do que do julgamento da Formiga e do elogio da
Cigarra, que constituíram o corpo desta aula. Que me perdoem 'os amplos e
maçudos livros morais de exemplos e de estudos'. Eu não posso admitir que seja
louvada junto de crianças a crueldade, a ironia ruim e sem coração de Dona
Formiga. E não admito também que se chame inútil à Cigarra — quando a Cigarra
vive para alegrar os outros. Mas vamos ao prato do dia...
Chamei o Aragão, para ser ele a fechar a
Semana do Animal. Encontrei, como esperava, um colaborador inteligente e
sensível. O diabo do moço punha entusiasmo no que dizia, vibrava na defesa, em
que me acompanhou, da pobre Dona Cigarra.»
Afinal, a cigarra também deve merecer a nossa admiração!...
2 comentários:
... mas cigarras, afinal, são estes bem falantes que sequer palavras e actos consequentes dizem e ou fazem que jeito tenham.
a cigarra, neste tempo de protesto,é a voz dos explorados e dos roubados enquanto as formigas são os trapaceiros do governo que asfixiam a republica e pervertem valores conssagrados pelo sistema moral do estado social instalado em 25 de abril de 1974 pelo roubo e pela sua desvergonha impunes!!!
daniel nobre mendes
É possível a ASS. S. da Gama,enviar,à cobrança;um "DIÁRIO" ao Sr. Ministro com as pag devidamente assinaladas (para poupar trabalho)?
Como sócio poderei contribuir com algum desde q tenha dedução em sede de IRS.
aqrosa
Enviar um comentário