Crachá alusivo ao Estádio do Bonfim, vendido no dia da inauguração, em 1962
Inaugurado em 16 de Setembro de 1962, o Estádio do Bonfim,
em Setúbal, constituiu para a cidade e para o Vitória Futebol Clube um momento
histórico. Na primeira página de O
Setubalense do dia seguinte, passava o entusiasmo sentido na cidade que
vestira as cores do clube local: "Foi ontem que a cidade mais plenamente
se identificou com o Vitória que seu nome tem, saindo para a rua mal desperto o
sol, numa sinfonia de verde-e-branco, pura, espontânea, quente; foi ontem que
nesta terra, subitamente, toda a população não entendia outra linguagem que não
fosse a linguagem vitoriana, que só o Vitória e o seu Estádio do Bonfim
contaram, que nada, naquelas horas, maior importância tinha. Música, foguetes,
vivas, abraços, lágrimas e risos, bandeiras e bandeirinhas, balões, pombos,
orgulho, Vitória-Vitória, verde-branco, verde-branco, verde-branco, Estádio,
festa, homens, mulheres, crianças, aplausos, aplausos, mais aplausos... Foi
ontem a Festa do Vitória, a Festa do Estádio. Ai, se ela pudesse ser de
novo!..." O cronista prosseguia, levado pela sua costela vitoriana,
dizendo que a multidão estava "delirante, ébria de felicidade, louca de
alegria, fantasticamente rendida".
O Estádio do Bonfim surgiu numa época áurea da história do
clube sadino e coroou o envolvimento de várias equipas de dirigentes, de
diversas figuras locais, dos adeptos vitorianos de várias gerações e de uma
cidade que, em massa, aderiu à ideia da construção daquele parque de jogos.
PRÓ-ESTÁDIO DO VITÓRIA
Em Novembro de 1952, a Comissão Administrativa do Vitória
tocou a reunir pelas 22 horas de uma quarta-feira. Segundo O Setubalense, de 8 desse mês, o convite fora extensivo a
"todos os Presidentes das Direcções e da Assembleia Geral que pelo Clube
[tinham] passado nos seus 42 anos de existência". O motivo de tal encontro
estava relacionado com as obras da primeira fase, que deveriam ter início
brevemente, havendo a insistência na necessidade da colaboração de todos - o
curto texto terminava, de resto, com um apelo dirigido a um público-alvo muito
vasto, que implicava o envolvimento do próprio jornal: "é preciso, pois, e
desde já que todos, sem excepção, se vão habituando à ideia de que o Estádio só
será possível se todos nos unirmos em torno da Comissão Administrativa do
Vitória, para, no momento oportuno, podermos afirmar sem hesitações que 'Estamos
Prontos'!"
Cerca de
uma semana depois, no dia 14, a Comissão Administrativa, presidida por Mário
Ledo, foi recebida pelo Ministro do Interior, Trigo de Negreiros, que prometeu
colaborar na concretização do "desejado" parque de jogos sadino logo
através da publicação de uma portaria, que sairia no dia 20, a conceder a
cedência do terreno para tal efeito. Começava assim uma onda de entusiasmo que
levaria o clube a divulgar, na edição de O
Setubalense de 22, juntamente com a reprodução do ante-projecto do estádio,
um público "reconhecimento" ao Governo: "O momento grandioso que
em breve se irá construir - o parque de jogos do VFC - ficará, no futuro, a
assinalar o esforço dos setubalenses, como padrão de glória e afirmação
concreta ao Governo, de que o representante de Setúbal no Futebol Nacional
saberá honrar e dignificar através dos tempos a confiança nele agora
depositada". Dois dias depois, como se ainda fossem precisos mais
argumentos para envolver a cidade, António Alves da Mota assinava um artigo de
opinião no mesmo jornal, lembrando: "Quem faz ainda melhor a propaganda da
nossa cidade? É o Vitória, quando alcança com denodo e fulgor os seus
triunfos!"
A marcha em prol da construção do estádio já começara e,
nessa mesma edição do dia 24, O
Setubalense noticiava o "içar da bandeira do Vitória nos terrenos do
futuro Parque de Jogos", perante uma multidão que engrossara ao longo de
um desfile que passara pela Rua de Bocage e Avenida 22 de Dezembro. Para içar a
bandeira foi convidado "o mais antigo Presidente das Direcções do clube,
Mariano Coelho, o qual desempenhou fielmente, no meio da maior comoção e das
lágrimas que lhe corriam pelo rosto". A partir daqui, todo o tipo de ajuda
foi chegando, fosse através da oferta e transporte de materiais, fosse por meio
de disponibilização de trabalho, fosse por via dos potes-mealheiros espalhados
pela cidade para angariação de fundos "pró-estádio do Vitória", tudo
pelo apego ao clube, no respeito pela mensagem que constava em faixas de
cortejos de ofertas - "Se tens amor a Setúbal ajuda o Vitória".
FESTA EM VERDE-BRANCO
Ao longo de uma década, a cidade de Setúbal trabalhou para o
estádio. Como referia Machado Pinto num artigo publicado em Junho de 1962, na
revista Portugal d'Aquém e d'Além-Mar,
tinha havido um primeiro grupo, constituído por Mário Ledo, Manuel Antunes,
Leitão Ferreira, Ramos da Costa e Júlio Mourato, que promoveu "a aquisição
dos terrenos, a elaboração dos projectos, os aterros, as drenagens, o
arrelvamento e a construção das instalações dos chamados desportos
pobres", enquanto uma outra comissão, composta por Magalhães Mexia,
Humberto Ferreira da Cunha, Jorge Sequeira, Gonçalo Vaz Pinto e Marc Velge,
"removeu os obstáculos de ordem vária que protelavam o acabamento, ergueu
as bancadas e tornaram o estádio naquela feliz e bela realidade".
O ano de 1962 viu o Vitória ser finalista da Taça de
Portugal, tal como já acontecera nas épocas de 1942/43 e de 1953/54. A festa
dos resultados inebriava os adeptos de uma equipa que, coordenada por Fernando
Vaz, tinha no plantel Galaz, Pompeu, Mateus, Herculano, Quim, Jaime Graça,
Suarez, Mourinho, Carriço, Dimas, Alfredo, Manuel Joaquim, Emídio Graça, Polido
e Faustino. O técnico Fernando Vaz levara a equipa à 1ª Divisão e, em
entrevista a O Setubalense, de 25 de
Julho, dizia: "Devo aos jogadores mais que um simples aceno de simpatia,
devo-lhes o respeito pelo esforço generoso que realizaram".
Simultaneamente, o Presidente da Direcção, Virgílio Saraiva Fernandes,
informava que os associados eram dois milhares e meio, um número que, dizia,
"não se ajusta nem às necessidades nem à categoria do Vitória".
O grande dia desse ano de 1962 aproximava-se. Por meados de
Agosto, o clube divulgou um comunicado anunciando os preços a serem praticados
no novo estádio - para lugares cativos (cuja procura estava a ser grande), uma
quota mensal de 30$00 e um cartão anual de 200$00; para o topo sul, a quota era
de 15$00 mensais.
Finalmente, no dia 16 de Setembro, a cidade vestia-se de
verde-branco para inaugurar o estádio, com a presença do Presidente da
República, Américo Tomás, e dos ministros das Obras Públicas, Arantes Oliveira,
e da Educação Nacional, Lopes de Oliveira. "Mais de 300 mastros com
bandeiras davam um ar verdadeiramente de festa, naquele estádio, cuja grandeza
é a prova mais evidente do bairrismo de todos os vitorianos", escrevia O Setubalense do dia seguinte. O
festival de inauguração rendeu cerca de 200 contos e, no desfile, participaram
cerca de milhar e meio de atletas de vários clubes, destacando-se os da região,
como Clube de Amadores de Pesca de Setúbal, Clube de Futebol "Os
Sadinos", Clube Naval Setubalense, Grupo Desportivo de Palhavã, Clube
Boavista de Setúbal, Grupo Desportivo Setubalense "Os 13", Juventude
Azeitonense, Palmelense Futebol Clube, Comércio e Indústria e as secções do
Vitória, além de agremiações nacionais como o Sporting, o Benfica, o Porto, o
Farense e o Olhanense, encerrando com "um grupo constituído pelo
respectivo empreiteiro e todos os operários que construíram o estádio".
O jogo da inauguração pôs frente a frente a equipa vitoriana e a
Académica, tendo o visitante vencido a partida por 1-0, com golo marcado por
Jorge no segundo minuto do encontro. "Não foi a equipa da casa que venceu
o jogo da inauguração", escrevia O
Setubalense. A desforra vitoriana aconteceria poucos anos depois, quando,
no final da "Taça de Portugal" de 1966/67, os setubalenses venceram a
Académica por 3-2, assim se sagrando vencedores da "Taça" pela
segunda vez.
in Histórias da região de Setúbal e Arrábida
(Setúbal: Centro de Estudos Bocageanos, 2003)
[foto: António Cunha Bento]