A edição do
Jornal i de Sábado trouxe longa entrevista com António Barreto.
A ler. Deixo aqui alguns excertos...
CONFIANÇA? «(…) Creio que [o momento actual] é um momento menos feliz, de mais cepticismo, de menor capacidade de investir, no sentido de prever o futuro, de ter optimismo para antecipar o futuro, para criar, construir projectos de vida para si próprio, para os filhos, para os netos. (…) A situação é muito difícil. Há fragilidades muito grandes nas instituições. As pessoas não têm confiança. (…) Nas instituições da Justiça, à cabeça. Reclamam bastante do sistema de Educação, apesar de este se ter alargado bastante. Mas a verdade é que há muitos licenciados e doutorados desempregados, jovens que fizeram o 12º ano e que estão desempregados. E a expectativa das pessoas, foi isso que lhes disseram os governantes nos últimos trinta anos, é que se estudarem arranjam emprego. Mas estas coisas não são imediatas. E as pessoas estudaram e depois não têm o emprego que esperavam. (…)»
DEMAGOGIA E MEIAS VERDADES «(…) A política portuguesa, desde há 30 anos, que é marcada por uma forte demagogia, por meias verdades, meias mentiras, muitas promessas. Nas últimas eleições já se calculava que o défice não era nada 3%, nem 5%, nem 6%. Já deviam saber o que se passava. E até não sei se a oposição não sabia também. O Banco de Portugal, as direcções-gerais e os institutos já sabiam que não era tão famoso como isso e decidiram ocultar. (…) Das duas uma. Ou não sabiam e são absolutamente incompetentes - não é possível, tecnicamente, em trinta dias, passar de 4% ou 5% para 9,4% -, e deviam ir para a rua imediatamente, ou sabiam e mentiram à população. Isto traduz uma parte da atitude demagógica que é tradicional desde há 30 ou 40 anos. A maior parte dos políticos usa muitíssima demagogia, promessas, falsidades, ocultações, enganos. (…)»
ESTADO EXEMPLAR? «(…) O país não dá bons exemplos. O país não poupa. O Estado gasta mais, tem os olhos maiores do que a barriga. O Estado quer fazer um TGV que ninguém pode pagar. O Estado fez auto-estradas como nenhum país da Europa. Há países muitíssimo mais ricos que têm muito menos auto-estradas do que Portugal. O Estado promete tudo e mais alguma coisa. São estes os exemplos que as pessoas recebem do estado. (…)»
MÉRITO «(…) Liquidar o mérito devido ao colectivo é das piores coisas que se pode fazer num país. E o mérito vai desde o electricista, ao soldador, ao gestor financeiro. Recompensar o mérito pelo trabalho bem feito, a tempo e horas, o trabalho honesto e sério, é melhor coisa que se pode fazer a um país. (…)»
PRODUZIR «(…) Portugal esgotou os seus recursos, não há. E durante cinco anos, vai ter que fazer muito mais, muito mais grave, muito mais duro e muito mais austero do que o PEC e do que tudo o que possa surgir. Vai doer muito mais. Porque há necessidade, não há dinheiro, não há produtividade, não há competitividade, não há produção. Produção mesmo, isto é, o que vem do mar, da terra, da indústria, os manufacturados, isso é 35% da nossa balança. O resto é serviços. Portugal não pode sobreviver assim, Portugal não produz. A política de austeridade, o corte de salários vai ser para toda a gente. Isto, por um lado é uma necessidade, desastrada, mas é uma necessidade, e, por outro lado, tem esse efeito, é apanhado pela mesma medida o preguiçoso e o eficaz, o diligente e o malandro, o cumpridor e o baldas. Vão ter exactamente a mesma sorte. (…)»
DOCE VIDA «(…) Há um fenómeno de moda e uma espécie de ideologia infantil. Penso que é moda pensar que a vida é uma coisa harmoniosa, doce de manhã à noite, que não há conflitos, que não há riscos, que não há gestos mais violentos. Não sou afavorável às bofetadas, não dou bofetadas a ninguém, mas sei que isso faz parte da vida. (…) Não é com a ideia de sociedade harmoniosa que se deve modelar a escola de hoje. Nas escolas são dados muitos maus exemplos. (…) O que é uma escola? É um sítio onde as meninas vão a correr e os cavalos a saltar e coisas desse género. Isso é uma estupidez total. É um sítio onde se aprende por prazer? Isso é uma total estupidez. Aprender não é lúdico, é trabalho, é esforço. Se cria uma escola deste género não tenho qualquer tipo de dúvida de que pode resultar em violência. (…)»
DISCUTIR? «(…) A maneira como se fazem discussões políticas no Parlamento é de uma total selvajaria. Os gritos e os berros dos deputados, o argumento mais doce é mentiroso, desonesto, os olhos esbugalhados, as veias a inchar no pescoço. O Muhammad Ali chamava o adversário de todos os nomes, metia-se com a mãe dele, com a mulher, com a filha. Até que um dia lhe perguntaram: “Por que razão insulta os adversários dessa maneira?” E ele, com o ar mais inocente do mundo responde: “Mas acha que posso estar durante 15 rounds a bater em alguém sem o odiar? Primeiro preciso de o odiar e só depois consigo bater-lhe.” Os deputados e os governantes em Portugal parece que têm que se odiar e isso tem um terrível efeito. Colocam o debate político e social nesses termos. Como é que os trabalhadores e os sindicatos falam dos empresários e vice-versa? É num tom parecido. Pode opor-se a alguém sem berrar. Isto quer dizer que as vias institucionais para gerir conflitos não estão rodadas. (…)»
MUDANÇAS «(…) Portugal nunca teve pluralismo religioso a não ser agora, que começa a ter. Mas nunca teve e nunca acho bem tudo o que é anti-plural. Portugal teve muito pouco pluralismo durante anos. Um regime politico, um partido, uma só língua, uma só cor de pele, uma só maneira de viver, de adorar, de amar Deus, um só Deus, uma só Igreja. Quando começa a haver muitas igrejas, muitas crenças, muitas cores de pele, muito feitio de cabelo, as sociedades são mais dinâmicas, mais interessantes, mais vivas, mais confrontacionais. Portugal só agora é que está a começar a ter disso, só agora, há 20 ou 30 anos, é que sai à rua e ouve falar línguas, vê brancos, pretos, amarelos, castanhos, o que é bom para a sociedade. (…)»
ESTADO «(…) A primeira obrigação de um Estado é criar regras para deixar as pessoas viver. Cria regras e depois retira-se. (…) O Estado devia deixar crescer, devia deixar ter ideias. (…)»
PRIMEIRO-MINISTRO «(…) Nas sucessivas crises e casos que ilustram o curriculo do primeiro-ministro nos últimos anos, acho que não se defendeu a tempo e quando se defendeu bem foi tarde demais, criou uma sensação de dúvida e desconforto. (…)»
OPOSIÇÃO «(…) Até há data, atribuo um mérito ao Pedro Passos Coelho, um pouco paralelo ao que atribuo a Sócrates. Ter conseguido ser eleito com uma grande maioria no partido,num partido que é habitado por lacraus, por barões, seja o que for, um termo à vossa escolha. E de repente, alguém consegue uma maioria de 60 e tal por cento dentro do próprio partido. Poderão vir dizer que é uma maioria periclitante, não quero saber nada disso, quero saber que foi feito algo que permite, em teoria, organizar um partido politicamente. Faz-me tanta falta um partido de oposição eficiente, bem organizado, com representatividade, como um governo com maioria absoluta. Um bom partido de oposição influencia o governo, como o governo influencia a oposição. É este jogo que eu quero ver jogado. Não sei se o Pedro Passos Coelho vai conseguir isto. (…)»
FAZER POLÍTICA «(…) A política tem regras próprias e comportamentos próprios. Não gosto da ideia de que os técnicos fazem boa política, da ideia do governo dos técnicos e das competências. Isso é um mito, que tem também muitas décadas, de que “devíamos varrer com os políticos todos e entregar o governo a bons técnicos de finanças e engenharia”. Essas pessoas não sabem fazer política e são desastres absolutos. Gosto é de uma boa mistura entre políticos, que sabem da política, conhecem os seus instrumentos, como se trata o partido, o eleitorado, a Constituição, os adversários, como se trata com os patrões e os sindicatos, mas que também houvesse gente da ciência, da técnica e da economia real. Um governo apenas com aparelhos do partido também é péssimo. (…)»
(IN)DEPENDÊNCIA «(…) Os apoios às presidenciais e às legislativas em Portugal têm o condão de fixar politicamente uma pessoa. Você tem uma opinião positiva sobre a maneira como um presidente ou outro agiu durante um certo tempo, se diz isso e se não o faz com cautela, automaticamente passa a ser um aficionado e ao ser aficionado está contra o outro. O que quer que você hoje diga sobre Cavaco Silva, Manuel Alegre, Fernando Nobre, fica imediatamente marcado, arrumado, vai fazer parte das comissões de honra, mandatários, e durante cinco, quinze ou 20 anos da sua vida, passa a ser um dependente daquele grupo politico. Um homem livre só declara apoios ou simpatias quando lhe apetecer, se lhe apetecer, incluindo não apoiar ninguém. (…) Em Portugal a política é uma forma de dependência e fazer política é aceitar ser dependente. E por isso que é difícil ser-se cidadão. O verdadeiro cidadão não tem dependências, tem liberdade de escolha.
CIDADANIA «(…) [Temos] muito poucos [cidadãos], voltamos sempre ao mesmo. Veja o que se faz no Parlamento. Como é possível que 250 criaturas sigam sempre quatro chefes partidários? E que no dia em que uma criatura decide pensar de outra maneira lhe caiam todos em cima, os jornais, as televisões, as rádios. Desrespeitou, faltou. (…) Aceito que um deputado deva respeito ao seu partido por uma ou duas coisas, se não também não era deputado desse partido: a moção de confiança ao governo, a moção de censura ao governo e o orçamento. (…) A regra de funcionamento do nosso Parlamento para ser um parlamento livre e decente devia ser a da liberdade de voto. Depois, dentro de cada partido haveria contratos. O meu partido quer-te como deputado, muito bem, dou-te tudo o que quiseres mas exijo o teu voto na moção de confiança, censura e Orçamento, porque põe em causa os governos. (…)»
PARTIDOS «(…) Um partido não pode ter um nome religioso, não pode ser de um só distrito, tem de cobrir não sei quantos distritos, não pode ser pequenino, não pode ser regional. Tem de se estar inscrito no partido ou nas listas como independente, o que é outra coisa horrenda. Está tudo feito e organizado para impedir a independência e a liberdade. Quando digo que sou favorável a candidaturas independentes, devo dizer que o resultado é desastroso. Um Parlamento só com deputados independentes é totalmente imprevisível. Não há racionalidade partidária, e os governos ficam lá um quarto de hora. (…) Vai-se para o Parlamento como se vai para o Bairro Alto. Ora bem, eu quero partidos políticos, que são uma maneira de organizar o pensamento e a acção, de ter programas, estratégias, racionalidade. Simplesmente não é obrigatório que um partido seja feito com servos. (…) Já ouvi dezenas de deputados a dizerem “pá, tive de votar por causa do partido!” Fico furioso, como é que é possível? Eles são servos, gostam de ser servos, sabem que são servos, e aceitam ser servos. Com estes exemplos, como é que quer ter cidadãos livres e independentes? E cidadãos que não têm medo e não têm receio? (…)»
SEXO E IGREJA «(…) É muito desconfortável a tentativa de encobrimento por parte da Igreja. Foi com satisfação que ouvi bispos, portugueses e não só, dizerem publicamente: o que é crime é crime e tem de ser julgado publicamente, além de ser tratado em tribunais canónicos. (…) O universo do sexo e das aventuras sexuais tem dado muito resultado, portanto, denuncia-se tudo, parece que o fenómeno da Igreja veio atrás. Mas há qualquer coisa mais incómoda quando se fala da Igreja porque a Igreja ou os sacerdotes defendem certos valores? (…)»