Em Agosto de 2004, Max Arthur começou a redigir o livro Last Post, título explicado pelo acrescento “The final Word from our First World War soldiers”. Publicado em 2005, foi agora traduzido para português sob o título Palavra de Veterano – Os sobreviventes da Guerra de 1914-18 (Col. “Para que conste”. Colares: Pedra da Lua, 2008).
O que Max Arthur fez foi entrevistar os 21 sobreviventes ingleses da Primeira Grande Guerra que ainda havia nessa altura, homens nascidos entre 1896 e 1900, já todos centenários. Nem todos chegaram a ver o livro com o seu depoimento por terem falecido entretanto, mas foram vários os que ainda puderam ver a obra de Max Arthur. Refira-se ainda que dois desses veteranos ingleses estão ainda vivos – Bill Stone, nascido em 1900, e Henry Allingham, nascido em 1896, com 112 anos feitos em Junho passado, considerado o europeu mais idoso.
No livro, não é dito como foram conduzidas as conversas, mas o leitor consegue perceber que o que estes sobreviventes fizeram foi contar a sua vida, aí incluindo a sua lembrança sobre a Primeira Grande Guerra.
As sensações que perduraram nas suas memórias são idênticas àquelas que, na altura, mais foram vincadas entre os combatentes: a dureza das trincheiras, a convivência com a morte, o sofrimento nas batalhas, a coragem necessária para ver morrer e também para matar.
Mais do que um conjunto de testemunhos sobre o vivido, este é um livro de memórias sobre acontecimentos distantes no tempo – afinal, em 2004, tinham já passado 90 anos sobre o início da Grande Guerra e 86 sobre o seu fim. Mas, pela expressão destes homens (alguns tiveram que mentir quanto à idade para se alistarem e poderem participar) passa a condenação da guerra, a consciência de que se tratou de um tempo e de uma luta sem sentido (que eles fizeram). Alguns referiram mesmo a sua surpresa perante esta lembrança pois nunca o tinham querido fazer. Eles, que tiveram que lutar pela sua sobrevivência, ultrapassaram o século com o pesar de o seu sacrifício não ter servido para nada, nem sequer para acabar com as guerras… Pelo meio, há a evocação dos companheiros e algum humor quanto às condições de vida, como quando John Oborne (n. 1900) refere o caso dos piolhos que coabitavam nas trincheiras – “Eu não tinha piolhos. Os piolhos é que me tinham a mim. As costuras das calças eram o seu ninho – tínhamos de passar as costuras pela chama de uma vela. Lembro-me sempre, havia um tipo, quando estávamos a catar piolhos, que dizia: ‘Ah, pá, vou voltar a pôr-te na roupa e apanho-te amanhã, quando fores maior.’”
A referência à participação portuguesa é escassa – apenas Harold Lawton (n. 1899) refere de relance o Abril de 1918 e o martírio infligido aos portugueses para dizer que por isso teve que ir ocupar uma trincheira com alguns camaradas. A outra referência a Portugal é mais tardia e relaciona-se com a experiência na marinha mercante de Nicholas Swarbrick (n. 1898) – “Estive na Marinha Mercante nos anos vinte – a época perfeita para se estar no mar. Conheço muito bem Portugal e tínhamos quatro dias de três em três semanas e um dia ou dois em Lisboa e um dia na Madeira.”
Alguns destes sobreviventes preocuparam-se também com uma mensagem educativa, como foi o caso do já referido Oborne: “O que é que diria agora a um jovem de dezoito anos? Suponho que lhe diria: ‘No emprego, faz um bom trabalho e tem mais maneiras com as pessoas – sê mais educado.’ Uma data de jovens não têm maneiras hoje em dia. Acho que nunca serão chamados para uma guerra, mas, se o fossem, não tinham energias. Não iam conseguir aguentar o que nós passámos na Primeira Guerra Mundial. A juventude de hoje não aguentava.”
O que Max Arthur fez foi entrevistar os 21 sobreviventes ingleses da Primeira Grande Guerra que ainda havia nessa altura, homens nascidos entre 1896 e 1900, já todos centenários. Nem todos chegaram a ver o livro com o seu depoimento por terem falecido entretanto, mas foram vários os que ainda puderam ver a obra de Max Arthur. Refira-se ainda que dois desses veteranos ingleses estão ainda vivos – Bill Stone, nascido em 1900, e Henry Allingham, nascido em 1896, com 112 anos feitos em Junho passado, considerado o europeu mais idoso.
No livro, não é dito como foram conduzidas as conversas, mas o leitor consegue perceber que o que estes sobreviventes fizeram foi contar a sua vida, aí incluindo a sua lembrança sobre a Primeira Grande Guerra.
As sensações que perduraram nas suas memórias são idênticas àquelas que, na altura, mais foram vincadas entre os combatentes: a dureza das trincheiras, a convivência com a morte, o sofrimento nas batalhas, a coragem necessária para ver morrer e também para matar.
Mais do que um conjunto de testemunhos sobre o vivido, este é um livro de memórias sobre acontecimentos distantes no tempo – afinal, em 2004, tinham já passado 90 anos sobre o início da Grande Guerra e 86 sobre o seu fim. Mas, pela expressão destes homens (alguns tiveram que mentir quanto à idade para se alistarem e poderem participar) passa a condenação da guerra, a consciência de que se tratou de um tempo e de uma luta sem sentido (que eles fizeram). Alguns referiram mesmo a sua surpresa perante esta lembrança pois nunca o tinham querido fazer. Eles, que tiveram que lutar pela sua sobrevivência, ultrapassaram o século com o pesar de o seu sacrifício não ter servido para nada, nem sequer para acabar com as guerras… Pelo meio, há a evocação dos companheiros e algum humor quanto às condições de vida, como quando John Oborne (n. 1900) refere o caso dos piolhos que coabitavam nas trincheiras – “Eu não tinha piolhos. Os piolhos é que me tinham a mim. As costuras das calças eram o seu ninho – tínhamos de passar as costuras pela chama de uma vela. Lembro-me sempre, havia um tipo, quando estávamos a catar piolhos, que dizia: ‘Ah, pá, vou voltar a pôr-te na roupa e apanho-te amanhã, quando fores maior.’”
A referência à participação portuguesa é escassa – apenas Harold Lawton (n. 1899) refere de relance o Abril de 1918 e o martírio infligido aos portugueses para dizer que por isso teve que ir ocupar uma trincheira com alguns camaradas. A outra referência a Portugal é mais tardia e relaciona-se com a experiência na marinha mercante de Nicholas Swarbrick (n. 1898) – “Estive na Marinha Mercante nos anos vinte – a época perfeita para se estar no mar. Conheço muito bem Portugal e tínhamos quatro dias de três em três semanas e um dia ou dois em Lisboa e um dia na Madeira.”
Alguns destes sobreviventes preocuparam-se também com uma mensagem educativa, como foi o caso do já referido Oborne: “O que é que diria agora a um jovem de dezoito anos? Suponho que lhe diria: ‘No emprego, faz um bom trabalho e tem mais maneiras com as pessoas – sê mais educado.’ Uma data de jovens não têm maneiras hoje em dia. Acho que nunca serão chamados para uma guerra, mas, se o fossem, não tinham energias. Não iam conseguir aguentar o que nós passámos na Primeira Guerra Mundial. A juventude de hoje não aguentava.”
Frases vivas
Alfred Anderson (n. 1896): “Não quis reviver essas memórias. Acabou-se, já passou. Se tivesse ficado agarrado ao que aconteceu naqueles tempos terríveis, nunca teria vivido para chegar à idade que tenho hoje. Tento pôr tudo isso para trás das costas. Não tenho vontade nenhuma de reviver essas memórias. Mas o que vi e aquilo por que passei ainda me afecta, mesmo hoje. (…) Olhando para trás, pergunto-me: ‘O que é que ganhámos?’ Perdemos de certeza muito e, no entanto, voltámos à estaca zero. Acho que o homem combaterá sempre. A guerra é necessária, suponho, para resolver certas coisas – mas talvez haja um método melhor.”
Albert ‘Risonho’ Marshall (n. 1897): “Para ser franco, ninguém chegou muito longe. Tudo o que acontecia era morrerem dez ou vinte pessoas por razão nenhuma. Para chegar a lado nenhum. (…) Durante uma batalha, era impossível dizer quantos morriam de um lado e de outro. A única coisa que sabíamos era qual era o nosso papel. Podia estar a decorrer uma batalha terrível mesmo ali ao lado, mas não se sabia que o nosso melhor amigo morrera senão no dia seguinte. Só se sabia da parte da batalha que podíamos ver, o resto era apenas uma questão de bombas a rebentar aqui, a rebentar ali, a rebentar em toda a parte – e ninguém se livrava delas. Não interessava muito o que se fazia. Por isso, para dizer a verdade, não se pensava para além da zona em que estávamos. De vez em quando, as coisas acalmavam, mas ouvíamo-los disparar mais adiante. Sabíamos que havia gente a morrer, mas não sabíamos dizer quantos. Perdíamos gente todos os dias.”
Henry Allingham (n. 1896): “Pensando na primeira guerra, acho que não sabia o que esperar. Pensava que havíamos de ganhar – mas nunca esperei que tivéssemos de voltar a combater daquela maneira nos cem anos seguintes. Nunca esquecerei os meus camaradas, mas uma pessoa não pode deixar-se afundar nas coisas terríveis que aconteceram. Não se poderia continuar a viver, se fosse assim. Porém, em dias como o do Armistício, rezo por eles.”
Alfred Finnigan (n. 1896): “Não acho que o país em geral tenha apreço pela guerra. É uma coisa que aprendi em jovem, que a guerra – como todas as guerras – era uma coisa idiota. Absolutamente idiota e não gostei de ver os meus mais velhos a apoiarem aquele disparate. (…) Quando me casei, tomei conscientemente a decisão de nunca ter filhos – não estava disposto a fabricar carne para canhão para o exército ou para a indústria. Hoje em dia, não tenho paciência para políticos nem para governos – nem para qualquer forma de religião. Nenhum se saiu bem na Grande Guerra. As lições são ignoradas e a humanidade continua a cometer os mesmos erros. Recuso-me a ver televisão por causa da guerra, das más notícias e da porcaria que dá. Recentemente, sofri uma pequena operação aos olhos que me restaurou a vista, pelo que posso voltar a ler os meus livros. Prefiro manter-me à parte do que se passa hoje no mundo. A Primeira Guerra Mundial foi uma idiotice. Começou idiota e manteve-se assim. Era um disparate, tudo aquilo.”
Harry Patch (n. 1898): “Todas aquelas vidas perdidas para uma guerra que se resolveu a uma mesa. Diga-me lá se isto faz algum sentido. Era só uma discussão entre dois governos.”
William Roberts (n. 1900): “Olho hoje para trás e penso que a Grande Guerra não passa de treta política. Não devia haver guerra. Essa guerra foi uma data de maldita treta política.”
George Rice (n. 1897): “Tenha eu a opinião que tiver hoje, nessa altura essa era a minha função como soldado. Eles eram o inimigo e tinham de ser rudemente combatidos. Era eles ou nós; os sentimentos não entravam na conversa.”
Albert ‘Risonho’ Marshall (n. 1897): “Para ser franco, ninguém chegou muito longe. Tudo o que acontecia era morrerem dez ou vinte pessoas por razão nenhuma. Para chegar a lado nenhum. (…) Durante uma batalha, era impossível dizer quantos morriam de um lado e de outro. A única coisa que sabíamos era qual era o nosso papel. Podia estar a decorrer uma batalha terrível mesmo ali ao lado, mas não se sabia que o nosso melhor amigo morrera senão no dia seguinte. Só se sabia da parte da batalha que podíamos ver, o resto era apenas uma questão de bombas a rebentar aqui, a rebentar ali, a rebentar em toda a parte – e ninguém se livrava delas. Não interessava muito o que se fazia. Por isso, para dizer a verdade, não se pensava para além da zona em que estávamos. De vez em quando, as coisas acalmavam, mas ouvíamo-los disparar mais adiante. Sabíamos que havia gente a morrer, mas não sabíamos dizer quantos. Perdíamos gente todos os dias.”
Henry Allingham (n. 1896): “Pensando na primeira guerra, acho que não sabia o que esperar. Pensava que havíamos de ganhar – mas nunca esperei que tivéssemos de voltar a combater daquela maneira nos cem anos seguintes. Nunca esquecerei os meus camaradas, mas uma pessoa não pode deixar-se afundar nas coisas terríveis que aconteceram. Não se poderia continuar a viver, se fosse assim. Porém, em dias como o do Armistício, rezo por eles.”
Alfred Finnigan (n. 1896): “Não acho que o país em geral tenha apreço pela guerra. É uma coisa que aprendi em jovem, que a guerra – como todas as guerras – era uma coisa idiota. Absolutamente idiota e não gostei de ver os meus mais velhos a apoiarem aquele disparate. (…) Quando me casei, tomei conscientemente a decisão de nunca ter filhos – não estava disposto a fabricar carne para canhão para o exército ou para a indústria. Hoje em dia, não tenho paciência para políticos nem para governos – nem para qualquer forma de religião. Nenhum se saiu bem na Grande Guerra. As lições são ignoradas e a humanidade continua a cometer os mesmos erros. Recuso-me a ver televisão por causa da guerra, das más notícias e da porcaria que dá. Recentemente, sofri uma pequena operação aos olhos que me restaurou a vista, pelo que posso voltar a ler os meus livros. Prefiro manter-me à parte do que se passa hoje no mundo. A Primeira Guerra Mundial foi uma idiotice. Começou idiota e manteve-se assim. Era um disparate, tudo aquilo.”
Harry Patch (n. 1898): “Todas aquelas vidas perdidas para uma guerra que se resolveu a uma mesa. Diga-me lá se isto faz algum sentido. Era só uma discussão entre dois governos.”
William Roberts (n. 1900): “Olho hoje para trás e penso que a Grande Guerra não passa de treta política. Não devia haver guerra. Essa guerra foi uma data de maldita treta política.”
George Rice (n. 1897): “Tenha eu a opinião que tiver hoje, nessa altura essa era a minha função como soldado. Eles eram o inimigo e tinham de ser rudemente combatidos. Era eles ou nós; os sentimentos não entravam na conversa.”
Ted Rayns (n. 1899): “As coisas ainda me afligem, mas nunca falei muito acerca das minhas experiências de guerra. Hoje é duro de recordar. Foi tudo há tanto tempo!”
1 comentário:
Esta publicação (e a sua tradução)parece-me uma boa ideia! Não deveríamos ficar por aqui. A memória dos povos é curta ... e pode vir a acreditar-se que estas e outras coisas não aconteceram.
Outros países celebram estes feitos com impressionantes exposições historica e pedagogicamente excelentes.
Só para dar exemplos:o Imperial War Museum onde podemos experenciar a vida nas trincheiras, ouvir depoimentos de sobreviventes de guerras, ver fotos; e o Churchill Museum e o Cabinet War Rooms onde o mesmo acontece em relação à 2ª Guerre Mundial. Ambos em Londres.
Depois destas visitas, por muito que já se saiba, somos outros.O silêncio dos locais diz-nos isso.
MCT
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