O subtítulo “Um irrequieto enamorado na Lisboa dos anos 50” aposto ao romance Já não se escrevem cartas de amor, de Mário Zambujal (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2008), abre perante os leitores o pano do que vai acontecer na narrativa logo quanto a três pormenores: a personagem, o tempo e o espaço.
Organizado em quinze capítulos, cujas designações resultam do tempo marcado no relógio, entre as 17h35 e as 23h45, o romance vai contando uma história em dois tempos, absolutamente necessários para que o último capítulo os una.
Pelas 17h35 daquele dia é já o lusco-fusco e Duarte, narrador participante, na onda dos seus quase 78 anos, espera, na companhia de Feliciana, que a mulher chegue de uma ida a Lisboa. Tal espera arrasta-se por cerca de seis horas, com preocupações pela demora, com temor pela noite invernosa que se pusera. Mas esse tempo é também o da lembrança e da memória, a pretexto do telefonema de um amigo de juventude, César de Mendonça, a convidar Duarte para a sua festa dos 78 anos, evento a que decide não ir não se fosse quebrar “o fio de recordações” em que via os outros convivas como rapazes, “sem a erosão das décadas posteriores”, todos da sua geração, que, na década de 50, eram jovens e gozavam o ambiente da capital.
O início de cada capítulo é marcado pelo tempo em que a memória se exerce, rapidamente passando a narrativa para o tempo memorado. Apenas o último capítulo, curto mas eficaz na surpresa e na rapidez com que resolve o fecho da história, se situa no tempo do presente. A narrativa da vida nos anos 50 ganha credibilidade com as referências históricas, sejam elas de origem política (actuação da censura e da PIDE, obras públicas), cultural (sucessos de Amália Rodrigues, cinema, literatura que se ia publicando) ou social (emigração a salto para França, marcas de produtos usados e anúncios, desporto, cafés de Lisboa, Casino do Estoril). Simultaneamente, vai correndo a história das paixões de Duarte, centrada sobretudo em duas personagens femininas, Erika e Nora, uma parecendo rumar para o desaparecimento, outra parecendo impor a sua presença.
A distância entre os tempos que alimentam este romance, assim como a sua caracterização, pode ser obtida através de dois exemplos surgidos da forma de comunicação: o agora, tempo de lembrança, em que “ela tem por hábito desligar o telemóvel mal entra no carro” e em que o narrador tenta “enganar a espera sem notícias espreitando o correio electrónico”; o antes, tempo de juventude do narrador, “em que se vivia sem telemóvel e [se sabia] esperar” e em que “grande novidade tinha sido a automatização da rede telefónica, [passando-se] a marcar os números em vez de pedir a uma telefonista a bondade da ligação”. Em algumas situações evocadas, o narrador chama a atenção do leitor para a diferença dos tempos, sobretudo no que se relaciona com os costumes, como se pode ver na referência aos chás-dançantes de final de tarde, em que o frequentador podia, caso não a levasse, procurar companhia feminina – “Sempre se sentia nos braços uma fêmea diferente, conforto menos trivial que actualmente. Quem não viveu essa época, ignora que apalpar a namorada na rua ou dar beijos glutões na boquinha dela era caso de polícia, por atentado ao pudor e à moralidade pública.”
A história presente em Já não se escrevem cartas de amor corre depressa, sobretudo centrada na acção, com algum humor e muitas memórias de uma vida na Lisboa de meados do século passado, (re)vividas por um dos seus possíveis protagonistas, nos caminhos da boémia, da cultura e da paixão. É um romance, mas podia ser um conjunto de histórias da Lisboa desse tempo. É um retrato, mas é também a nostalgia a invadir Duarte, que quis contar a sua história de amor.
Organizado em quinze capítulos, cujas designações resultam do tempo marcado no relógio, entre as 17h35 e as 23h45, o romance vai contando uma história em dois tempos, absolutamente necessários para que o último capítulo os una.
Pelas 17h35 daquele dia é já o lusco-fusco e Duarte, narrador participante, na onda dos seus quase 78 anos, espera, na companhia de Feliciana, que a mulher chegue de uma ida a Lisboa. Tal espera arrasta-se por cerca de seis horas, com preocupações pela demora, com temor pela noite invernosa que se pusera. Mas esse tempo é também o da lembrança e da memória, a pretexto do telefonema de um amigo de juventude, César de Mendonça, a convidar Duarte para a sua festa dos 78 anos, evento a que decide não ir não se fosse quebrar “o fio de recordações” em que via os outros convivas como rapazes, “sem a erosão das décadas posteriores”, todos da sua geração, que, na década de 50, eram jovens e gozavam o ambiente da capital.
O início de cada capítulo é marcado pelo tempo em que a memória se exerce, rapidamente passando a narrativa para o tempo memorado. Apenas o último capítulo, curto mas eficaz na surpresa e na rapidez com que resolve o fecho da história, se situa no tempo do presente. A narrativa da vida nos anos 50 ganha credibilidade com as referências históricas, sejam elas de origem política (actuação da censura e da PIDE, obras públicas), cultural (sucessos de Amália Rodrigues, cinema, literatura que se ia publicando) ou social (emigração a salto para França, marcas de produtos usados e anúncios, desporto, cafés de Lisboa, Casino do Estoril). Simultaneamente, vai correndo a história das paixões de Duarte, centrada sobretudo em duas personagens femininas, Erika e Nora, uma parecendo rumar para o desaparecimento, outra parecendo impor a sua presença.
A distância entre os tempos que alimentam este romance, assim como a sua caracterização, pode ser obtida através de dois exemplos surgidos da forma de comunicação: o agora, tempo de lembrança, em que “ela tem por hábito desligar o telemóvel mal entra no carro” e em que o narrador tenta “enganar a espera sem notícias espreitando o correio electrónico”; o antes, tempo de juventude do narrador, “em que se vivia sem telemóvel e [se sabia] esperar” e em que “grande novidade tinha sido a automatização da rede telefónica, [passando-se] a marcar os números em vez de pedir a uma telefonista a bondade da ligação”. Em algumas situações evocadas, o narrador chama a atenção do leitor para a diferença dos tempos, sobretudo no que se relaciona com os costumes, como se pode ver na referência aos chás-dançantes de final de tarde, em que o frequentador podia, caso não a levasse, procurar companhia feminina – “Sempre se sentia nos braços uma fêmea diferente, conforto menos trivial que actualmente. Quem não viveu essa época, ignora que apalpar a namorada na rua ou dar beijos glutões na boquinha dela era caso de polícia, por atentado ao pudor e à moralidade pública.”
A história presente em Já não se escrevem cartas de amor corre depressa, sobretudo centrada na acção, com algum humor e muitas memórias de uma vida na Lisboa de meados do século passado, (re)vividas por um dos seus possíveis protagonistas, nos caminhos da boémia, da cultura e da paixão. É um romance, mas podia ser um conjunto de histórias da Lisboa desse tempo. É um retrato, mas é também a nostalgia a invadir Duarte, que quis contar a sua história de amor.
Momentos da escrita
1. “O correio electrónico – Alucinante, o despacho desta correspondência. Não me apaga, porém, saudades do tempo em que se manuscreviam cartas e não só as cartas de amor. Nada mais pessoal que a caligrafia, a letra de cada pessoa é identificação e intimidade. Os próprios prosadores e poetas conquistados pela desenvoltura do computador não deixarão nos espólios o cunho da caligrafia, o testemunho dos retoques e emendas que ilustrem a criação das suas obras.”
2. “A serenidade e o silêncio desafiam a memória.”
3. “A memória prega-me partidas. Tanto apaga o que aconteceu há dias, ou minutos, como retém, com nitidez, factos e gente que o galopar dos anos condenaria a esquecer. O que nem sempre me traz é precisão de datas e a sequência real dos acontecimentos.”
2. “A serenidade e o silêncio desafiam a memória.”
3. “A memória prega-me partidas. Tanto apaga o que aconteceu há dias, ou minutos, como retém, com nitidez, factos e gente que o galopar dos anos condenaria a esquecer. O que nem sempre me traz é precisão de datas e a sequência real dos acontecimentos.”
4. “O tempo e as distâncias roem as paixões até ao osso.”
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