Todos os livros terão uma história. A deste é: o autor
foi convidado pelo Centro Nacional de Cultura para integrar uma viagem ao
Japão, ocorrida no final de 2010, no papel de escritor. Durante a viagem, viu;
longe dos sítios e do tempo da visita, sentiu e escreveu. Na “Apresentação”,
conta: “Já em Lisboa, alguém recordou-me um facto que teria causado embaraço:
durante toda a viagem ninguém me vira tomar uma única nota. Era verdade.” Três
anos volvidos, o livro surgiu. Falo de A papoila
e o monge, de José Tolentino Mendonça (Lisboa: Assírio & Alvim, 2013),
um dos mais bonitos livros que li neste ano.
Com esta obra, Tolentino Mendonça enfileira na lista
de poetas portugueses que seguiram o género do “haiku” japonês, embora
ocidentalizado, para contar “simplesmente muito em três curtos versos”. Ao
longo de seis partes (“Escola do silêncio”, “Vida monástica”, “Guia para
perder-se nos montes”, “Amanhecer na primeira cidade”, “Amanhecer na segunda
cidade” e “Livro das peregrinações”), o leitor encontra-se com a viagem interior,
uma quase peregrinação, do poeta, num trabalho exímio de busca da palavra certa
e repleta de sentido, do verso intenso.
Lê-se a obra e percebe-se que não se poderia estar à
espera de um livro de viagens ou da reportagem de um circuito pelo Oriente, tal
como desejaria(m) o(s) participante(s) embaraçado(s) que não tinha(m) visto o
escritor convidado a registar apontamentos para uma fotografia mais ou menos
íntima, mais ou menos descritiva, mais ou menos narrativa do que tenha sido a
viagem.
O silêncio domina, é preponderante, atravessa todo o
livro. O silêncio ensina, ajuda a reconstruir a viagem, alicerça o livro e o
poema. Muitos dos poemas funcionam como máximas, aprendizagens, descobertas. O
poeta constrói-se sobre versos de sentir, numa (re)visitação que apenas pode
ser conduzida pelo poeta só – “Quando o templo se esvazia / então brilha / esplêndido”.
Fascinado que está o leitor com esta descoberta da
contemplação do silêncio, uma outra se lhe depara: “A história relata o que
aconteceu / o silêncio narra / o que acontece”. Fica-se, assim, perante a
necessidade de se ouvir o silêncio, demanda de paz interior, de uma
contemplação que não considera o ruído, que não existe ao lado do ruído.
Em cada volver de folha, uma nova revelação, um passo
mais na peregrinação interior que a viagem é, que a escrita ajuda a consolidar.
A viagem vira meditação, porque “a vastidão do mundo / para o peregrino / não é
mais do que um quarto vazio”. E o caminhante prossegue, da mesma forma que o
leitor avança, ávido, porque, no final, mesmo a encerrar o livro, surge o poema
crucial, de convite: “Agora só resta / tornares-te / o poema”.
Emoção
forte, a do leitor. Gosta-se deste calcorrear pelas veredas dos versos, num
percurso a sós, único, singular. Um dos mais bonitos livros que li neste ano,
repito.
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