segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

José Tolentino Mendonça: "A papoila e o monge", uma peregrinação ao silêncio



Todos os livros terão uma história. A deste é: o autor foi convidado pelo Centro Nacional de Cultura para integrar uma viagem ao Japão, ocorrida no final de 2010, no papel de escritor. Durante a viagem, viu; longe dos sítios e do tempo da visita, sentiu e escreveu. Na “Apresentação”, conta: “Já em Lisboa, alguém recordou-me um facto que teria causado embaraço: durante toda a viagem ninguém me vira tomar uma única nota. Era verdade.” Três anos volvidos, o livro surgiu. Falo de A papoila e o monge, de José Tolentino Mendonça (Lisboa: Assírio & Alvim, 2013), um dos mais bonitos livros que li neste ano.
Com esta obra, Tolentino Mendonça enfileira na lista de poetas portugueses que seguiram o género do “haiku” japonês, embora ocidentalizado, para contar “simplesmente muito em três curtos versos”. Ao longo de seis partes (“Escola do silêncio”, “Vida monástica”, “Guia para perder-se nos montes”, “Amanhecer na primeira cidade”, “Amanhecer na segunda cidade” e “Livro das peregrinações”), o leitor encontra-se com a viagem interior, uma quase peregrinação, do poeta, num trabalho exímio de busca da palavra certa e repleta de sentido, do verso intenso.
Lê-se a obra e percebe-se que não se poderia estar à espera de um livro de viagens ou da reportagem de um circuito pelo Oriente, tal como desejaria(m) o(s) participante(s) embaraçado(s) que não tinha(m) visto o escritor convidado a registar apontamentos para uma fotografia mais ou menos íntima, mais ou menos descritiva, mais ou menos narrativa do que tenha sido a viagem.
O silêncio domina, é preponderante, atravessa todo o livro. O silêncio ensina, ajuda a reconstruir a viagem, alicerça o livro e o poema. Muitos dos poemas funcionam como máximas, aprendizagens, descobertas. O poeta constrói-se sobre versos de sentir, numa (re)visitação que apenas pode ser conduzida pelo poeta só – “Quando o templo se esvazia / então brilha / esplêndido”.
Fascinado que está o leitor com esta descoberta da contemplação do silêncio, uma outra se lhe depara: “A história relata o que aconteceu / o silêncio narra / o que acontece”. Fica-se, assim, perante a necessidade de se ouvir o silêncio, demanda de paz interior, de uma contemplação que não considera o ruído, que não existe ao lado do ruído.
Em cada volver de folha, uma nova revelação, um passo mais na peregrinação interior que a viagem é, que a escrita ajuda a consolidar. A viagem vira meditação, porque “a vastidão do mundo / para o peregrino / não é mais do que um quarto vazio”. E o caminhante prossegue, da mesma forma que o leitor avança, ávido, porque, no final, mesmo a encerrar o livro, surge o poema crucial, de convite: “Agora só resta / tornares-te / o poema”.
Emoção forte, a do leitor. Gosta-se deste calcorrear pelas veredas dos versos, num percurso a sós, único, singular. Um dos mais bonitos livros que li neste ano, repito.

domingo, 29 de dezembro de 2013

José Lobato: Invocações de Nossa Senhora em Setúbal



Que imagens há de Nossa Senhora na região sadina? A pergunta encontra resposta no livro Invocações marianas na diocese de Setúbal, assinado por José Lobato (Setúbal: Vigararia Geral – Comissão Diocesana de Arte Sacra, 2013), surgido no início de Dezembro.
Ao longo de 70 páginas, o leitor confronta-se com a pluralidade de designações que à Virgem Maria são atribuídas no território da diocese e com a indicação dos locais em que surgem essas invocações. Um caminhar por este livro surpreende pela diversidade existente no culto marianológico na região: 21 invocações são acompanhadas de curto comentário de natureza histórica ou religiosa e de texto literário em que surge referência a tal invocação (são os casos de Nossa Senhora da Arrábida, dos Anjos, da Anunciação ou da Anunciada, da Assunção, da Atalaia, da Boa Viagem, do Bom Sucesso, do Cabo, do Carmo, da Conceição, da Consolação, das Dores, da Graça, da Piedade, do Rosário, do Rosário de Fátima, do Rosário de Troia, da Saúde, da Soledade, do Imaculado Coração de Maria e de Santa Maria). Nos textos literários seleccionados constam excertos de Frei Agostinho da Cruz, Gil Vicente, Frei Luís de Leão, João de Deus, António Correia de Oliveira, António Nobre, José Régio, Diogo Bernardes, Antero de Quental, Zeferino Madaleno, D. Gilberto Reis e padre António Vieira, além de outros colhidos na literatura religiosa.
No capítulo “Outras invocações”, há ainda espaço para a referência a mais 44 designações de Nossa Senhora vividas na diocese, dando estas lugar a muito curtas anotações.
O livro fecha com o texto da consagração da diocese de Setúbal a Nossa Senhora, feita em Fátima, na peregrinação que assinalou o 30º aniversário da criação da diocese, ocorrida em 16 de Julho de 2005, pelo prelado sadino D. Gilberto Reis.
Nas palavras de José Lobato, constantes na “Introdução”, o projecto deveu-se a pedido expresso do bispo setubalense, pretendendo “oferecer um contributo ao reconhecimento da presença e da missão de Nossa Senhora na vida da Igreja e de cada crente”. Para o autor fica a sensação de um trabalho incompleto, uma vez que a devoção mariana na diocese muito mais terá para contar para lá do registo das invocações. Com efeito, uma tal diversidade exige um olhar mais reflexivo e prolongado sobre o assunto; no entanto, o levantamento das invocações é já um ponto de partida, que será o que este livrinho, nada pretensioso, pretende ser.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Máximas em mínimas - Afonso Cruz


Depois de ler Afonso Cruz, em Os livros que devoraram o meu pai – A estranha e mágica história de Vivaldo Bonfim (Alfragide: Editorial Caminho / Leya, 2010), um percurso por muitas leituras e pelo que delas ficou, eis frases que são marcadores:

Árvore – “Para uns, a raiz é a parte invisível que permite à árvore crescer. Para mim, a raiz é a parte invisível que a impede de voar como os pássaros. Na verdade, uma árvore é um pássaro falhado.”
Consciência – “É dentro da sua cabeça que todos os homens são livres ou condenados.”
Homem – “Nós somos feitos de histórias, não é de a-dê-énes e códigos genéticos, nem de carne e músculos e pele e cérebros. É de histórias.”
Humano – “Se há seres vivos desumanos, só mesmo os humanos. Resultado: os animais humanizados tendem a voltar à sua condição primitiva, a de animais.”
Memória – “As memórias são a perspectiva do passado, mas não são a mesma coisa. Elas mudam com o tempo, não são crónicas postas em papel e descritas objectivamente com rigor. São coisas emotivas que variam a cada vez que são lembradas. As memórias são repensadas e vão-se tornando outra coisa. (…) As nossas memórias nunca são verdadeiras ou absolutamente verdadeiras, são apenas uma interpretação. Existem outras e ao longo dos anos vamos vendo o passado a uma luz diferente. As nossas memórias vão sendo vistas de diferentes perspectivas, conforme aquilo que aprendemos e conforme aquilo que sentimos no instante em que as relembramos.”
Vida – “A vida, muitas vezes, não tem consideração nenhuma por aquilo de que gostamos.”

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Para a agenda: no 38º aniversário do TAS



No 38º aniversário do TAS (Teatro Animação de Setúbal), A estrela de seis pontas, de Manuel Tiago, interpretada por José Nobre, com a participação de Carlos Curto. Vários motivos para uma entrada na agenda!

Abraço ao Manuel Bola, aliás, Carlos Rodrigues


Numa passagem pelo Hospital de S. Bernardo ao princípio da tarde da véspera de Natal, fui dar um abraço ao Manuel Bola (Carlos Rodrigues). Parece que o mais difícil já terá passado, embora a recuperação seja para durar. Mesmo assim, o Manuel Bola mantém o seu sentido de humor e a sua veia poética - estava, de resto, a ler (embora com dificuldade) alguns dos seus poemas. Falámos do sol na sua poesia, falou-me de um poema dedicado à mãe, lembrou o amigo Miguel de Castro, também poeta. Quanto ao sofrimento de enfermaria, improvisou: "uns são sacrificados, outros são salpicados".
Foi bom ter visto o Manuel Bola! Um abraço para ele.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Natal, lendo Fernando Aires


Tenho andado a ler o primeiro volume de Era uma vez o tempo (Ponta Delgada: Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1988), o diário de Fernando Aires, um magnífico marco de escrita autobiográfica, sensível, intimista, humano. E dou por mim a chegar ao registo da "véspera de Natal" de 1985 (o dia de hoje de há 28 anos) num apontamento que transcrevo:

«Amanhã nasce o Homem, o tal que veio calado e pobre e que só falou pouco antes de morrer. Não deixou nada escrito de sua mão, nenhum testamento em letra de forma. O que sabemos dele é por outros - e não há dúvida que tocou esses outros, pois que o guardaram no côncavo da memória.
A partir daqui, os olhares lançados para outros olhares (apesar de tudo) nimbaram-se de outras promessas - independentemente do pró ou do contra que se é. Alguma coisa mexeu por dentro, pois que se pressentiu que havia uma nova maneira de amar.»

Boas Festas! Bom Natal!

sábado, 21 de dezembro de 2013

Boas Festas! Bom Natal!


Desenho de Almada Negreiros (em Diário de Lisboa, nº 3993, 24 de Dezembro de 1933, pg. 1)

Máximas em mínimas - Almada Negreiros

Depois de reler Almada Negreiros, em Nome de guerra (escrito em 1925 e só publicado em 1938)...

Amar – “Quando se gosta de alguém, gostar, gostar a valer, a gente não sabe mais nada neste mundo senão que gosta dessa pessoa. (…) Vão os dois para toda a parte, com ou sem dinheiro, andam juntos. Gostar é gostar.”
Autobiografia – “O trabalho para a autobiografia não é mais do que evitar aquilo a que outros nos quiseram forçar.”
Família – “Temos todos as nossas árvores genealógicas do mesmo tamanho. Lá no tamanho das árvores somos todos iguais. Mas é precisamente nas árvores que está a nossa diferença. Vê-se perfeitamente que a cada um aconteceu qualquer coisa que não se passou com mais ninguém. E aconteceu-nos antes ainda de nós termos nascido. É a árvore genealógica. Esse segredo do nosso segredo. Esse mistério do nosso mistério. Nós somos hoje o último fruto dessa árvore secular, secularmente secular!”
Lealdade – “Quando os inimigos se igualam, e igualadas as forças dos adversários, já não há outras esperanças senão as que ficam fora do terreno da lealdade.”
Mulher – “A mulher sabe perfeitamente melhor o efeito que produz nos homens do que o homem nas mulheres.”
Palavra – “O número de palavras não é infinito, mas é infinito o número de efeitos, conforme a disposição das palavras. Com vinte e seis letras do alfabeto escrevem-se todos os idiomas e não ficam escritas todas as palavras nem definitivos os dicionários.”
Realidade – “Não há mestre mais categórico do que a realidade a seco.”
Separação – “Quando duas pessoas separam as suas coisas que estiveram juntas, o que é de cada um é tão pouco que ainda é menos do que antes de conhecer aquele de quem se separa.”
Sinceridade – “Ninguém no mundo se pode queixar de ter sido vítima da sua sinceridade. O que pode é cada um ficar surpreendido com o facto de a sua sinceridade o ter levado mais longe do que lho permite a sociedade.”
Solidão – “O horror de estar só no mundo apenas o podem sentir aqueles que já perderam o melhor que tinham e não conseguem a certeza de nada.”
Verdade – “Aqueles que pretendem ver a verdade e não tiram os olhos de cima dela acabam por esquecer-se que a querem ver e ficam só a olhar para ela; mas os que fazem por esquecê-la, quanto mais se esforçam por distrair-se mais a verdade os agarra pelos pulsos e lhes fala cara a cara.”
Verdade – “Quem pensa sozinho não quer senão a verdade, as justificações são por causa dos outros.”
Vida – “Há vidas que é preciso encher com qualquer coisa de vez em quando.”
Vida – “São tão diferentes as idades da vida de cada um que quem não vai por essa diferença é porque parou numa delas. As idades da vida não se passam por alto; ou se vivem ou ficam por viver.”

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

"Sermão do Desacordo" - a propósito do Acordo Ortográfico de 1990


Nunca fui fã do Acordo Ortográfico (AO 90) em que sou obrigado a escrever nos documentos sujeitos ao epíteto de "oficiais". Isto obriga-me, como a muitos outros, por certo, a ter de praticar a grafia anterior ao Acordo e a do Acordo, o que é jogar numa duplicidade absolutamente desnecessária e incompreensível, sobretudo porque não advieram vantagens - quaisquer vantagens - da prática do AO 90.
No Público de hoje, Rui Miguel Duarte assina o texto “Sermão do Desacordo aos Deputados”, começando por referir que está agendada para o próximo dia 20, a partir das 10 horas, a apreciação da Petição N.º 259/XII/2, pela Desvinculação de Portugal em relação ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 (AO90) e que "a petição , que conta já com mais de 15.000 subscrições, mereceu da parte do relator, o deputado Michael Seufert (CDS), um parecer exemplar, que merece ser lido e entendido."
Subscrevo a opinião da utilidade da leitura do parecer assinado por Michael Seufert e não posso deixar de assinalar o final do artigo de Rui Miguel Duarte, num apelo aos deputados para apreciações pautadas por rigor que nem sempre é evidente nem evidenciado e que aqui reproduzo:

Para a agenda: Música em Azeitão até Fevereiro



Até ao início de Fevereiro, um programa diversificado constitui a "Temporada Musical", que pode ser vista e ouvida nas duas freguesias, S. Lourenço e S. Simão. Para a agenda.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Memória: Soares Branco (1925-2013)



Vi a notícia no Expresso de ontem. Escultor, docente na Escola Superior de Belas Artes, assinou grande quantidade de obras um pouco por todo o país. Na região de Setúbal, recordo-me de duas: a Nossa Senhora da Boa Viagem, nos Capuchos, em Almada (de 1953) e a escultura de S. Francisco Xavier (de 2001), em Setúbal. Um nome a lembrar, sem dúvida.

sábado, 14 de dezembro de 2013

"A noite enlouqueceu o silêncio", de Resendes Ventura, na noite de ontem



Éramos cerca de meia centena no salão da Casa da Cultura, em Setúbal, na noite de ontem, para ver o primeiro livro de publicação póstuma de Manuel Medeiros, de concepção gráfica devida a José Teófilo Duarte. Estávamos lá para saborear as palavras de A noite enlouqueceu o silêncio (Setúbal: Muito cá de casa / DDLX, 2013), um grupo de 23 poemas, que Viriato Soromenho-Marques brilhantemente apresentou, num percurso pelo papel da poesia e do pensamento, numa via em que a poesia de Resendes Ventura (pseudónimo de Manuel Medeiros) se revelou na sua totalidade de poeta-filósofo, em economia e precisão de palavras.
Houve ainda os poemas lidos por Eduardo Dias e Graziela Dias e o testemunho da Fátima Medeiros, que seleccionou os poemas. E que boa escolha fez! E como sentimos ainda o dizer do Manuel Medeiros, sibilando por entre os versos, cosendo e descosendo palavras e ideias, num tão seu jeito de pensar e de levar a pensar, de ler o mundo e de escrever a vida. Foi também uma insistência na lembrança, essa “longa estrada”, que nos deixou num poema assim chamado, do tamanho de sete reduzidos versos que nos apontam o caminho da memória e que reproduzo:
Muito longa
longa estrada
muito longa estrada
a longa estrada
em minha frente.
Longa
muito longa!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Para a agenda: Poemas de Manuel Medeiros



A agenda do "Muito cá de casa" traz-nos, na sexta, as palavras de Manuel Medeiros, o "Livreiro Velho" ou Resendes Ventura. A noite enlouqueceu o silêncio, um conjunto de poemas inéditos, apresentados por Viriato Soromenho-Marques. Na Casa da Cultura, em Setúbal. Para a agenda!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Memória: Nelson Mandela (1918-2013), por Jef Aérosol



"We can't afford to be killing one another" (Nelson Mandela)
Mandela, por Jef Aérosol, em Caen, junto ao Mémorial

Para a agenda: Inês Gato de Pinho conta a história do Palácio Fryxell e da passagem dos Jesuítas por Setúbal

 

Inês Gato de Pinho apresenta De Colégio de S. Francisco Xavier a Palácio Fryxell (Setúbal: Instituto Politécnico de Setúbal, 2013) amanhã, pelas 15h00, no Palácio Fryxell, sede dos Serviços da Presidência do IPS.
Uma boa oportunidade para contactar com um livro bonito, interessante, bem construído e inteligente, versando assunto de que rareia a bibliografia: o Palácio Fryxell, a reabilitação arquitectónica em Setúbal e a passagem dos Jesuítas por Setúbal. Para a agenda!
 

Memória: Nelson Mandela (1918-2013)

 

"Um homem que fez o seu dever na terra". Foi esta a inscrição que Mandela pediu para a sua lápide. É esta ideia que deve permanecer.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Inês Gato de Pinho: "De Colégio de S. Francisco Xavier a Palácio Fryxell"



Aceite o leitor o convite para subir a Rua Arronches Junqueiro, ali a partir do centro de Setúbal, até chegar ao arco de S. Sebastião, ponto em que atravessa a muralha, desembocando no Largo dos Defensores da República. O espaço anuncia-se vasto e, do seu lado esquerdo, surge-lhe frontaria de casa nobre, com duas torres não muito altas relativamente ao resto da fachada, numa pose rígida quanto baste, reforçada por uma localização algo altaneira, voltada para o Sado, via de entrada na cidade, sobretudo em tempos que já lá vão, talvez na época em que o edifício foi construído…
É neste momento que a história se nos impõe qual demanda por sendas de aventura ou peregrinação pelos itinerários da identidade. É neste momento que nos socorremos da obra De Colégio de S. Francisco Xavier a Palácio Fryxell, de Inês Gato de Pinho (Setúbal: Instituto Politécnico de Setúbal, 2013), guia que nos desvenda as linhas arquitectónicas bem como as linhas por que a história se foi fazendo – a história da construção e longas e diversas entradas na história de Setúbal, uma e outras vogando a par no ondular do passado.
O título do escrito remete-nos para duas utilizações distintas deste espaço – a primeira, devida a ordem religiosa, e a segunda, a utilização próspera e aburguesada – ambas marcando justamente os extremos da vida do edifício até à sua passagem para as mãos do Instituto Politécnico de Setúbal pela década de 1980.
Entre as duas referências constantes no título passou um tempo de cerca de três séculos, o que nos possibilita um recuo até meados de Seiscentos, quando D. João IV assinou autorização para a instalação de colégio jesuíta em Setúbal a fim de que aqui houvesse “pregadores, confessores e mestres que ensinem latim e as ciências necessárias para os sujeitos da terra”.
Corria o ano de 1654 e o despacho régio era datado de 3 de Junho. A essa data, já vários colégios da Companhia de Jesus existiam em Portugal, o mais antigo dos quais localizado em Coimbra desde 1542, a que se seguiram, por ordem alfabética, fundações em Angra do Heroísmo, Braga, Bragança, Elvas, Évora, Faial, Faro, Funchal, Lisboa, Ponta Delgada, Portalegre, Porto, Santarém e Vila Viçosa. O consentimento régio, como resposta a pedido da câmara da vila, em associação com o facto de a ordem dos Jesuítas ter sido herdeira única de André Velho Freire e de sua mulher, D. Filipa de Paredes, levou a que muito rapidamente, em 1655, fosse iniciada a construção do colégio sadino, nos arrabaldes de Palhais, numa área extensa, localizada entre as traseiras da Igreja de Santa Maria e o dito Palácio Fryxell, passando pelos terrenos do Pátio Gago da Silva e da gráfica dos Armazéns de Papéis do Sado.
As instalações serviram os Jesuítas durante cerca de um século, até à expulsão desta ordem religiosa em 1759, depois de forte impulso na reconstrução devida aos estragos causados pelo terramoto. Uma década mais tarde, o edifício passava para outra ordem religiosa, das freiras bernardas, passando a ser, ao longo de uma década, o Real Mosteiro de Nossa Senhora da Nazaré de Setúbal. A partir daqui, a propriedade começou a desmembrar-se e a ter diversificados fins: um teatro com porta para a Rua de Santa Maria nas duas primeiras décadas do século XIX, estabelecimentos comerciais, afectação pelas obras ferroviárias da Linha do Sado, espaço de habitação no Pátio Gago da Silva, fábrica de conservas alimentícias e de conservas de sardinha, fábrica de transformação de cortiça e parque tipográfico, num trajecto que vem até ao século XXI.
A história do edifício que Inês Gato de Pinho nos vai contando, sempre orientada pela pesquisa arquitectónica e tendo em vista o processo das sucessivas reabilitações do edifício, surge eivada de outras histórias, num processo de contaminação com o meio e com o que tem sido a própria narrativa de Setúbal. A investigação levada a cabo, não isenta de dificuldades (sobretudo relacionadas com a inexistência de documentação alusiva a datas importantes do edifício), ultrapassa os limites murais da propriedade e entra nos quotidianos de Setúbal de várias épocas, dando conta das evoluções socioeconómicas, do modo de viver das próprias ordens religiosas (com destaque para a Companhia de Jesus e o seu “Modo Nostro”), dos agentes promotores (que biografa), das vidas de trabalho, num quase reconhecimento de que a localização do espaço permite uma visão de conjunto sobre a comunidade.
À medida que os episódios sobre esta construção vão avançando vai o leitor tendo consciência de que a própria história está a ser construída, não deixando Inês Gato de Pinho de acentuar que algumas das leituras que apresenta são conjecturas que poderão vir a ser contrariadas ou aprofundadas por outros estudos ou por outras descobertas – não podemos esquecer que muitos dos documentos que poderiam fundamentar a história do complexo jesuíta em Setúbal desapareceram na voragem da perseguição à própria ordem religiosa no século XVIII e no incêndio dos Paços do Concelho em Outubro de 1910 e que muitos outros documentos andam dispersos (perdidos?) por instituições várias.

Pelo que revela – de que se podem destacar os casos da localização da igreja do colégio jesuíta, as mutações ou adaptações a que o espaço esteve sujeito, os intervenientes responsáveis por essas alterações, o repositório que a actual capela de S. Francisco Xavier é no respeitante a elementos oriundos de outros espaços de Setúbal e até as possibilidades de investigação no futuro –, este estudo de Inês Gato de Pinho bem se torna importante para a bibliografia sadina, não só na vertente de história da arquitectura, mas também nos domínios da sua história religiosa e da sua história económico-social. Iniciativa louvável, pois, para uma obra que se afigura indispensável para o estudo da identidade setubalense.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Para a agenda - A história do palácio Fryxell contada por Inês Gato de Pinho



De colégio de S. Francisco Xavier a Palácio Fryxell - História e análise arquitectónica - eis o título do trabalho de Inês Gato de Pinho, que pode ser lido a partir de 3 de Dezembro, data em que a obra será apresentada nas instalações do Instituto Politécnico de Setúbal e que coincide com uma data xavieriana. Para a agenda!

domingo, 1 de dezembro de 2013

Para a agenda - No dia de S. Francisco Xavier, em Setúbal



S. Francisco Xavier anda envolto numa lenda em relação a Setúbal. Mas o certo é que é ele o padroeiro de Setúbal e tem direito a monumento ali à beira-Sado. Atesta também a ligação dos jesuítas a Setúbal, relação ainda pouco estudada. A LASA iniciou a tradição de celebrar o dia do padroeiro xavieriano, a que estão associadas outras instituições, designadamente a diocese, a autarquia e o Instituto Politécnico de Setúbal. Todo o programa tem interesse, mas devo destacar um muito bom contributo para a história local, que é a apresentação da obra de Inês Gato de Pinho sobre o Palácio Fryxell, casa ligada aos Jesuítas e, actualmente, ao IPS, mas que já foi várias outras coisas. Para a agenda, no dia 3 de Dezembro!