Na edição do jornal Metro de ontem, Manuel Falcão assinou o artigo “Para Memória futura”, que se inicia desta forma: “As eleições de domingo foram o reflexo de um país cansado de mentiras e promessas vãs”.
Não sei se as “mentiras” eram compulsivas ou deliberadas; não sei tão-pouco se não eram mais fantasias do que qualquer outra coisa. Sei que cheguei ao ponto de evitar ouvir na rádio ou na televisão os discursos de José Sócrates, não porque tivesse receio de acreditar, mas para zelar por alguma paz de espírito pessoal. O frenesim de promessas associadas à esperança e a outros galanteios que, noutras circunstâncias, poderia contribuir para a autoestima dos portugueses gastou a imagem e tornou o discurso cada vez mais oco e opaco.
Não me admirei, por isso, com o discurso final de José Sócrates na noite das eleições. O único pormenor que me despertou a atenção foi a convicção com que Sócrates se remeteu para o seu direito de ser feliz como qualquer outra pessoa nos próximos tempos. Oxalá! Já agora, desde que essa felicidade não colida com ninguém… Acho mesmo que o direito à felicidade deve passar pelos mais íntimos projectos de vida.
Mas, “para memória futura”, ficaram-me também duas ou três histórias ouvidas – involuntariamente ouvidas, asseguro – durante a campanha eleitoral.
Um dia, almoçava num restaurante da capital quando, ao meu lado, uma cliente rapa do telemóvel e põe-se a dizer à sua interlocutora que estava farta da secretaria de estado (não sei qual), que estava desejosa de voltar (à terra ou ao antigo serviço, supus), que já não suportava aquela vida, mas que… no dia 5, ia votar no PS, mas adorava que o PS perdesse… Quase me ia engasgando! Quando se está sozinho à mesa do restaurante, não há outro remédio senão ouvir o que se passa ao lado… e, ainda por cima, a senhora falava alto qb!
Uns dias depois, um amigo que não é partidariamente filiado mas que trabalha numa estrutura socialista dizia-me que estava tão farto das exigências associadas ao exercício do poder que achava que os socialistas deviam perder as eleições. “Eles têm de aprender”, garantia-me.
No último dia de campanha, um amigo liga-me e diz-me: “Sabes que me ligou a X…, dizendo que ia votar no PS, mas que levava duas rennies para tomar logo a seguir para digerir o que ia fazer?”
As três historietas valem o que valem. E valerão pouco, acredito. Mas fui buscá-las por causa da tal “memória futura”… É que estas pessoas, se não estavam a representar papéis, estavam pelo menos a ser vítimas de um sistema que deixou muita gente à beira da incredulidade, agindo contrariamente às mais profundas convicções, despersonalizando-se mesmo.
Haverá algum sistema ou partido político que valha isto, seja ele qual for?
Hoje, ao ouvir a notícia da candidatura possível de Francisco Assis para o lugar de Sócrates no partido, lembrei-me novamente da “memória futura”: é que, depois do que aconteceu, aparecer o mito do “devolver a esperança aos portugueses” como tarefa do partido, precisamente pela força e pelos agentes que contribuíram para o que estamos a viver… não faz sentido. Ou será que “devolver a esperança” é uma metáfora politicamente correcta apenas?
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