Retrato a Sépia, de Paulo Assim (Azeitão: Associação Cultural Sebastião da Gama, 2011), é título que reúne as características do que diz – a fotografia revestida com a cor da memória. É, aliás, o próprio poeta quem abre essa porta da interpretação e da imaginação logo no início: “Saio para a rua, / esse lugar chamado infância.”
Fica, assim, evidente esse peregrinar pelo passado, com ligações simbólicas fortes à família e a outras marcas como a árvore, a ave, a casa, a aldeia, etc., elementos intensos nessa busca de identidade através da poesia – ao evocar o pai, escreve o poeta: “Ainda o ouço dizer: nós, seres humanos, somos uma mistura / de árvore e de pássaro: / precisamos de raízes, mas também de asas para irmos mais longe.”
A linguagem metafórica em Retrato a Sépia é intensa, haja em vista exemplos como a recomendação maternal de “estender os poemas na varanda”, porque as palavras, quando aprisionadas, podem levar a que, “em vez de leres amor lês bolor”, ou aquele do gato “que nos lambia o sol das mãos” e “caçava histórias de aves brancas fugidias” ou ainda aquela imagem da avó que “emprenhava o alguidar” que daria a massa para um forno que “mais não era do que o útero da humanidade”.
Da infância ficam ainda os sons, os aromas, os sabores, os objectos, as pessoas. Algo que jamais se perderá, algo que contribuirá com as suas marcas para o fenómeno da identidade, chegada mesmo através da poesia. E, por isso, o poeta conclui a sua mensagem com o recurso à arte de retratar, sem a imposição da cor porque os vários matizes lhe são dados pela memória: “Estamparam-nos as marcas de água na textura maleável do corpo: / seremos sempre como papel genuíno de um retrato ainda por tirar.”
Obra linda de por ela entrar é este Retrato a Sépia, que fica próxima de excelentes obras de poesia que têm sido conformadas pela contemporaneidade, em que o registo numa linguagem simbólica e metafórica é o responsável por uma bela escultura da memória.
Paulo Assim tem assinados os trabalhos A Quinta-feira dos Pássaros (Ponta Delgada: Veraçor, 2010) e Celulose (Lugar da Palavra Editora, 2010). Com o trabalho Retrato a Sépia, foi o vencedor da 13ª edição do Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama (2011).
1 comentário:
Caro João,
cheguei bem à Batalha.
E é claro que gosto do que leio aqui no Nesta Hora.
Um abraço e estarei atento ao que por aqui se vai passando/escrevendo...
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