Revejo o volume da 1ª edição de Memorial do Convento, adquirido numa livraria de Vila Franca de Xira e ali autografado por Saramago em Março de 1983. Uma capa bem mais bonita do que as capas das edições que se lhe seguiram, mas o mesmo dizer, ao longo das edições sucessivas, e um escrever que se foi reproduzindo numa bibliografia que não parou de crescer. Relembro o prazer que me deu a leitura deste romance, logo devorado nessa altura, um livro cuja história tive pena de acabar de ler, fosse pela densidade de emoções, fosse pelo contacto com uma escrita que corria, vertiginosa, rompendo códigos e hábitos. Achei – acho – que Saramago ficaria na história da literatura portuguesa mesmo que não tivesse prosseguido a sua via de escritor, este romance bastaria para nela deixar o nome.
Duas décadas depois, em 2006, Saramago publicava As pequenas memórias, onde, a propósito da terra que é um dos pontos fortes desse romance, escrevia: “Um dia, (…) fui de excursionista a Mafra. Tinha nascido na Azinhaga, vivia em Lisboa, e agora, quem sabe se po um cúmplice aceno dos fados, uma piscadela de olhos que então ninguém poderia decifrar, levavam-me a conhecer o lugar onde, mais de cinquenta anos depois, se decidiria, de maneira definitiva, o meu futuro como escritor.”
E assim se constrói uma história. E uma obra. De Saramago fica essa obra. Com todas as inovações, com o fulgor da escrita. E com os fundamentalismos que a minam, também. Mas continuarei a apreciar essa recordação do Memorial e a sensação que me deixou enquanto leitor. Poderosa, claro. Não tão forte em obras que se lhe seguiram, mas intensa essa do Memorial. Há obras assim!
[foto: José Saramago, na Feira do Livro, em Lisboa, em Junho de 2008]
Sem comentários:
Enviar um comentário