Quando, ontem, a meio da tarde, vi uma mensagem de uma amiga a dar-me a notícia da morte de António Manuel Couto Viana, senti a revolta que nos fica quando um encontro adiado acaba por não acontecer porque a vida nos troca as voltas. Não pude estar na apresentação do seu último livro (Ainda não. Lisboa: Averno, 2010), que decorreu em Abril, em Lisboa, um conjunto de poemas maioritariamente autobiográficos, em que se canta o prazer de estar vivo e a alegria da escrita – o último poema do livro, datado do seu 86º aniversário (em Janeiro de 2009), assim celebra na derradeira quadra: “E aceito os 86, / Numa condição, que é: / Tê-los com livros, papéis, / Amizade, amor e fé.”
Não sei desde quando conheço a escrita de Couto Viana. O primeiro contacto pessoal com ele foi no final dos anos 80, através de um amigo comum – o Miguel Castelo Branco. Depois, na segunda metade dos anos 90, tivemos uma aproximação grande por causa da revista Távola Redonda, projecto por que foi responsável, com David Mourão-Ferreira, em que interveio Sebastião da Gama e que assumiu a perspectiva do lirismo como condição da poesia portuguesa, num tempo algo indeciso e conturbado no domínio da escrita e das correntes. Dava-se o caso de eu estar a investigar sobre essa revista para uma dissertação de mestrado e Couto Viana quis acompanhar a evolução do meu trabalho, forneceu-me elementos e aproximou-me de pessoas que também pelo grupo "tavoleiro" tinham passado – Júlio Evangelista e Fernando Paços, sobretudo. Interessado como era na poesia, na sua obra e na cultura, fez questão de assistir à minha defesa da tese, acto que me impressionou pela disponibilidade, pela atenção e pela amizade revelada.
Depois, foram os encontros regulares de visita, com conversas à mesa do café “Ribalta” ou no Teatro Dona Maria, diálogos à volta de gastronomias diversas, momentos sempre dominados pela poesia e pela literatura, muitas vezes intervalados com apresentações de livros ou em conferências, por vezes com os encantos das emoções (como acontecia sempre que me falava da bisneta, nascida há cerca de dois anos).
Couto Viana deu-me o privilégio de construirmos uma amizade com dois pilares muito fortes: a nossa origem de Viana do Castelo e a questão literária. Por isso, tive, ao longo destes anos, a sorte de ser um leitor imediato de alguns dos seus textos e de acompanhar, em pormenor, a sua vida de autor. Personalidade de uma cultura extraordinária, de uma memória infindável, de um sentido de humor invencível, Couto Viana ultrapassou as adversidades ocasionadas por uma saúde irregular – diabetes e a amputação de uma perna, que o limitaram bastante na sua autonomia – através do contacto com os amigos e, sobretudo, por via da escrita, num ritmo quase religioso de poema diário e de leitura intensa. Em todas as vezes que o visitei, havia sempre poemas ou contos ou textos acabados de fazer, que me lia (gostava de se ler) ou, quando mais fatigado, me convidava a ler. Passei boas tardes com a amizade de António Manuel Couto Viana.
Mais recentemente, a partir de 2006, outra causa intensificou o nosso relacionamento: a criação da Associação Cultural Sebastião da Gama, de que se fez associado desde início, sempre estando disposto a testemunhar sobre a poesia desse seu parceiro de letras e de versos que foi o Poeta da Arrábida. Em variadas sessões e actividades promovidas pela Associação pude(mos) contar com a presença rica de Couto Viana.
Fica-me uma saudade grande do tempo em que com ele aprendi. Como me fica o desgosto do tal encontro adiado que não vai poder acontecer. E fica o convite para a leitura da sua poesia, porque, como escreveu no quarto poema de Ainda não, sobre a solidão dos poetas: “Cada poeta sente / Que é uma ilha no mar? / Será um continente / Se alguém o escutar!”
[foto: Couto Viana, em 9 de Junho de 2007, em Azeitão, na inauguração do monumento a Sebastião da Gama, fotografado por Cília Costa]
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