O volume inaugural da colecção de ensaios editada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos é consagrado à educação e deve-se à reflexão de Maria do Carmo Vieira, intitulando-se O Ensino do Português (Lisboa: 2010).
O que é este livro anuncia-o a autora logo no primeiro parágrafo do prefácio: “Da experiência da minha actividade docente, desde 1974, e da reflexão sobre a mudança instituída pela nova reforma, em 2003-2004, resultou este livro, no qual procuro evidenciar, através de inúmeros exemplos relativos às alterações programáticas, o estado de deterioração em que se encontram a escola e o ensino, nomeadamente o ensino da disciplina de Português.” E, se este é o propósito, facilmente o leitor verifica que dele não há desvio, pois o livro mantém esse cunho de reflexão pessoal, baseada na experiência docente e na preocupação e dedicação consagradas ao ensino do Português, sem se meter por essas veredas dos números e das estatísticas em que muitos sectores se empenham para justificar isto ou aquilo e raramente para procurar um retrato de fidelidade.
Os capítulos são sete – “Nova concepção de Escola e novo perfil de Professor”, “Gramática e Terminologia Linguística”, “Ensino Secundário”, “Ensino Básico – 3º Ciclo”, “Ensino Básico – 1º e 2º Ciclos”, “Iniciativa Novas Oportunidades” e “Revisão dos Programas do Ensino Básico”. Pelos títulos se vê que estão presentes as questões que têm ocupado o ensino da Língua Portuguesa ou do Português (terminologia que a disciplina recebe, respectivamente, no Básico e no Secundário) nos últimos anos, qual delas a mais polémica ou até controversa…
Os equívocos que Maria do Carmo Vieira demonstra assentam num princípio logo enunciado no prefácio – o “confronto irresolúvel entre ensinar e aprender, saber e competências, passado (velho) e presente (novo)”, de onde “a secundarização dos conteúdos e o menosprezo pelo património artístico que representa a Literatura, bem como pela formação científica do professor, a que se junta a criação de um perfil que lhe retira a sua individualidade”.
Creio que as observações feitas ao longo do livro servem o que se passa com o ensino do Português, mas também com o que se vive no ensino português. Tudo com responsabilidades distribuídas pela política e pelas suas medidas, pelos editores escolares (concretamente, por causa dos manuais escolares, muitos deles praticando uma infantilização crescente ou eivados de erros e de imprecisões – como ainda agora, altura de adopção de manuais de Português para o 10º ano, se pôde ver…), pela organização escolar, pela história social das últimas quatro décadas, pelas teorias da educação que têm entrado na escola muitas vezes dela se servindo como cobaia... Provavelmente, nem todos os professores subscreverão as críticas, aí entrando as formações académicas e as ideologias que pela educação lhes chegaram; mas não podem negar as histórias contadas e com as quais, possivelmente, encontrarão algumas parecidas nos seus percursos individuais. Não creio que o retrato aqui traçado seja exagerado, acho-o mesmo muito próximo daquele que é o quotidiano da vida docente, designadamente dos professores de Português, com as impossibilidades, as fragilidades e as incongruências.
A leitura deste livro tem de ser acompanhada por um dos princípios que a autora enuncia no final do seu primeiro capítulo, reflectindo sobre o que é ser professor – “ensinar é um acto de dádiva que tem por isso estreita relação com o verbo amar, e se compraz no prazer do estudo e da emoção, que advém das inúmeras leituras feitas com os alunos, bem como no interesse e no empenho por estes demonstrados nesse trabalho, num ambiente de confiança recíproca.”
Bem se sabe que esta não é também a concepção de professor que conforma todos os docentes e, por isso, vale a pena pesar cada uma das palavras deste ponto de partida. Pelo menos para quem perfilha esta ideia, fica o desafio para uma mudança favorável ao desenvolvimento do país, como consta no epílogo: “só com professores conscientes do significado de ensinar e solidamente formados, a nível científico e pedagógico, com programas adequados às exigências crescentes de cada nível de ensino e conteúdos valorizados será possível devolver à escola a sua função histórica de espaço de conhecimento, de cultura e de formação, fruto de um trabalho contínuo e empenhado de múltiplas gerações que a Inércia não pode interromper.”
Leitura indispensável, pois. Por tudo o que retrata, por tudo o que pensa (e faz pensar), por tudo o que (nos) identifica. E também pelo manifesto (sem ser panfletário) que O Ensino do Português constitui em prol de um olhar para a disciplina de Português como algo fundamental nos domínios da identidade, da cultura e do saber.
1 comentário:
É um «acto de dádiva», sim senhor! Damos o que somos ,o que sabemos, o que sonhamos ... e recebemos o prazer de ver a "semente" pegar, crescer e dar-se a uma nova partilha com outros.
MCT
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